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Crítica | Um Amor de Família (Married… with Children) – 1X01: Piloto

Amor e casamento...

por Ritter Fan
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Bem-vindos ao Plano Piloto, coluna semanal dedicada a abordar exclusivamente os pilotos de séries de TV.

Número de temporadas: 11
Número de episódios: 259
Período de exibição: 05 de abril de 1987 a 09 de junho de 1997
Há continuação ou reboot?: A série foi adaptada em diversos países como Argentina, Brasil, Turquia e Rússia e gerou três spin-offs: (1) Top of the Heap, que só teve uma temporada e seu próprio spin-off, Vinnie & Bobby, também de apenas uma temporada; (2) Radio Free Trumaine, que só teve o piloto produzido e (3) Enemies, que foi criada para ser uma sátira direta de Friends, mas que só teve também o piloto produzido. Em 2022, houve o anúncio de um revival em forma de animação que, até a publicação da presente crítica, não foi lançado.

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Jay Pritchett, de Modern Family, começou sua carreira de pai de família 22 anos antes como Al Bundy, de Um Amor de Família ou, no original, Married… with Children. Apesar de, na superfície, os dois marcantes personagens de Ed O’Neill serem bem diferentes, a grande verdade é que um é a evolução natural do outro, já que Modern Family pode ser interpretada como a versão mais bem acabada e também mais podada da quase que igualmente longeva série de 1987 (a diferença é que Modern Family tem apenas nove episódios a menos, 259 versus 250, ambas com 11 temporadas).

Tenho plena consciência de que, para as suscetibilidades modernas, Um Amor de Família chega a ser até escandalosa de tão agressiva nos estereótipos machistas, sexistas e misóginos que desfilam na telinha com grande constância, mas a grande verdade é que, além de a série criada por Michael G. Moye e Ron Leavitt ser uma resposta à grande maioria das sitcoms oitentistas anteriores que pintam a família americana como um modelo de perfeição em que o amor é uma constante, ela foi muito claramente erigida para ser uma contundente sátira focada justamente na estrutura familiar clássica na mente daqueles que achavam e ainda acham que o homem provê e a mulher fica em casa cuidando dos filhos. Se o espectador atual tiver esse enquadramento mental ao sentar para assistir a série, ficará evidente, logo de início, que Al Bundy é basicamente composto de cutucadas ao “macho” idiota que chega em casa do trabalho que odeia, é recebido pela esposa já com o jantar e, depois, senta no sofá (com as mãos dentro das calças) para ver a emburrecedora televisão.

E Ed O’Neill é um mestre na construção de seu inesquecível personagem desde os primeiros segundos em que ele aparece na tela reclamando que não tem suco na geladeira. Ele é um babaca? Com certeza. Mas é tudo feito cirurgicamente para Al ser aquele cara que adoramos detestar ou, se nos identificarmos demais com ele, detestamos adorar por ele ser um reflexo da realidade tanto da época como também de hoje em dia se tirarmos o véu que costuma nos cegar. No entanto, O’Neill não está sozinho nessa maestria, pois seu Al Bundy sem a Margaret “Peggy” Bundy de Katey Sagal (que, anos depois, viveria a shakespeareana “dona de casa” Gemma Teller Morrow, em Sons of Anarchy) não seria muita coisa. Peggy não é o que esperamos, pois sua “condição” de dona de casa não é algo abordado como uma função subserviente ao patriarca ou como uma prisão de onde ela não pode ou consegue escapar. Ao contrário, a personagem é a exata contrapartida de Al, só que do sexo feminino, com a diferença que Peggy é quem está verdadeiramente no comando.

No episódio piloto, essa relação belicosa entre Al e Peggy é detectável imediatamente, assim como a forma com eles tratam os filhos, a adolescente loira e fogosa Kelly (Christina Applegate) e o garoto bobão Bud (David Faustino). As crianças, porém, não tem destaque algum no episódio para além de apresentá-los, tanto que suas características mais marcantes, especialmente a “burrice” de Kelly e a “tiração de onda” de Bud, só viriam mesmo mais tarde, na medida em que os dois ganham mais espaço na série. Aliás, vale um parêntese: Applegate e Faustino foram substituições, pois o piloto original foi filmado com Tina Caspary e Hunter Carson que, a pedido de O’Neill, foram reescalados e as cenas em que eles aparecem refilmadas.

O mote central do piloto, portanto, não está na relação da família Bundy como um todo, mas sim no contraste do casamento de longa data (15 anos) de Al e Peggy em relação a seus vizinhos recém-casados Marcy e Steve Rhoades (Amanda Bearse e David Garrison) que Peggy convida para seu lar para desespero de Al que não só não gosta de contato humano algum (e aí eu me identifico demais com ele…), como ele precisa abrir mão de ingressos para ver um jogo de basquete para ficar em casa depois que Peggy ameaça gastar dinheiro fazendo compras. Óbvio que a relação antitética dos dois casais é para lá de binária, mas mesmo assim o artifício funciona bem, com a “corrupção” do casal jovem e ainda vivendo um sonho pelo casal maduro cujo sonho já se foi há muito tempo.

Mas, novamente, o grande destaque do piloto e da série como um todo ainda que ela decididamente seja suavizada mais para a frente, é a crueza do humor, algo que conseguiu irritar basicamente todas as organizações de todos os espectros políticos na época de lançamento de Um Amor de Família. Só que a sinceridade e o carisma de O’Neill, Sagal e, depois, Applegate e Faustino, ganharam os EUA, abrindo as cortinas para uma família muito mais próxima da realidade do que os contos de fada que tomavam conta da televisão à época. Mesmo que, hoje, a série seja considerada a epítome do politicamente incorreto por muita gente – e eu discordo disso, mas não vou entrar nessa discussão -, a grande verdade é que ela inegavelmente serviu de modelo para praticamente todas as séries cômicas sobre estrutura familiar nos EUA e, convenhamos, em muitos outros países do mundo, com séries sucessoras como Mad About You e, claro, a citada Modern Family devendo demais ao que foi construído a partir desse hilário piloto que já deixa evidente o potencial subversivo – à época – da família Bundy.

Um Amor de Família – 1X01: Piloto (Married… with Children – EUA, 05 de abril de 1987
Criação:
Michael G. Moye, Ron Leavitt
Direção: Linda Day
Roteiro: Ron Leavitt, Michael G. Moye
Elenco: Ed O’Neill, Katey Sagal, Amanda Bearse, David Garrison, Christina Applegate, David Faustino
Duração: 23 min.

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