Home FilmesCríticasCatálogos Crítica | Um Agente na Corda Bamba

Crítica | Um Agente na Corda Bamba

por Ritter Fan
1,1K views

Entre 1978 e 1982, Clint Eastwood conseguiu fugir de papeis de pistoleiros ou policiais, fazendo com que seu retorno para a franquia Dirty Harry em 1983, com Impacto Fulminante, tenha sido triunfal. Em Um Agente na Corda Bamba, seu filme seguinte, o ator mais uma vez retornou a viver um policial, mas, desta vez, subvertendo todas as expectativas em um papel não só diferente, mas também em um filme de atmosfera peculiar que se passa em uma cidade incomum em sua filmografia, a suja e escura Nova Orleans. O resultado é um filme marcante, o primeiro de apenas dois dirigidos por Richard Tuggle que, antes, apenas escrevera o roteiro de Alcatraz: Fuga Impossível, mesmo que, segundo consta, Eastwood tenha basicamente tomado o filme para si mesmo.

Seja como for, o primeiro aspecto interessante é como o roteiro investe tempo na construção da personalidade do detetive Wes Block, vivido por Eastwood. É feito um esforço grande para afastar o ator de seu estereótipo clássico, ainda que, claro, Eastwood sempre vá ser Eastwood. O ponto é que, aqui, Block é pai de duas meninas (uma delas, a mais velha, vivida pela filha verdadeira do astro, Alison Eastwood em seu terceiro papel em filmes do pai e primeiro creditado), cuidando delas a maior parte do tempo depois que se separou da esposa e adotando todos os cachorros de rua que elas querem. Alguns podem ver isso como uma maneira forçada de afastar o ator de sua caracterização de durão infalível, mas a verdade é que esse contraste existe com uma função bem definida dentro do próprio filme. Block pode ser um pai maravilhoso durante o dia, mas, à noite, vemos ele sucumbir a sexo cada vez mais pervertido com prostitutas, outro aspecto que torna o longa bem diferente do que acostumamos a ver na filmografia do ator.

Essa dualidade do policial é muito bem explorada pelo roteiro que, logo na abertura, estabelece a existência de um estuprador e assassino em série que, claro, Block precisa investigar. O objetivo, lógico, é tornar a “vida dupla” dele como lenha na fogueira das suspeitas. Seria Block o assassino? Teria ele algum distúrbio mental que vai além de sua predileção por sexo “quente”? Essas perguntas são mantidas sem respostas por boa parte da duração do longa, ainda que o roteiro não queira exatamente escondê-las, apenas mantê-las como possibilidades a serem aos poucos reveladas em um processo lento e que cria dúvida até mesmo em Block sobre o que está afinal acontecendo. Mesmo que alguns possam alegar previsibilidade, essa característica não detrai da progressão do filme sendo, ao contrário, um atestado de que o roteiro realmente funciona e tem lógica interna.

A fotografia de Bruce Surtees (que trabalhou diversas vezes com Eastwood em longas como Perseguidor Implacável e Raposa de Fogo) é um ás na manga da produção. A atmosfera tumultuada, suja e decadente da noite de Nova Orleans é amplificada por um trabalho soberbo que, seguindo a escola dos filmes noir, usa as sombras e a escuridão para envelopar os personagens e suas ações, bombardeando o escuro com fachos de luz coloridas que mais desnorteiam do que clareiam. Assim como a dupla personalidade de Block sendo dividida entre dia e noite, a fotografia emula essa condição amplificando os dois lados. A trilha sonora jazzística de Lennie Niehaus, que começa nesse filme uma prolífica parceria com Eastwood que iria até Gran Torino dá o tom da obra, torna toda a ambientação ainda mais fluida, usando o ritmo da cidade para embalar a ação que, como já disse, não tem pressa em engrenar, mas que mantém um bom ritmo constante e, acima de tudo, o mistério que naturalmente carrega pouco usuais – para Eastwood – elementos de erotismo.

Um Agente na Corda Bamba trafega eficientemente entre dois polos narrativos distintos, entregando um papel bem diferente e complexo a Eastwood que, por seu turno, consegue convencer ao criar fragilidades para esse seu policial que é ao mesmo tempo pai amoroso e um homem com apetite sexual pouco comum. Foi sem dúvida um risco que o ator correu considerando seus papeis-padrão, mas um risco que sem dúvida alguma valeu a pena.

Um Agente na Corda Bamba (Tightrope – EUA, 1984)
Direção: Richard Tuggle
Roteiro: Richard Tuggle
Elenco: Clint Eastwood, Geneviève Bujold, Dan Hedaya, Alison Eastwood, Jenny Beck, Marco St. John, Rod Masterson, Jamie Rose, Janet MacLachlan
Duração: 114 min.

Você Também pode curtir

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Presumimos que esteja de acordo com a prática, mas você poderá eleger não permitir esse uso. Aceito Leia Mais