No lugar de publicar diversos arcos de uma mesma história, a Marvel Comics decidiu tratar sua assunção da licença de Ultraman (uma das raras propriedades licenciadas da editora) na forma de uma série de minisséries, com a primeira tendo sido A Ascensão de Ultraman e a segunda Os Desafios de Ultraman, cada uma delas com cinco edições numeradas de 1 a 5. Na prática, o resultado é absolutamente igual, mas, em termos visuais, considero a escolha bem mais interessante do que fazer como nas séries normais de super-heróis.
Seja como for, a manutenção da equipe criativa da primeira minissérie (à exceção das belas capas de Alex Ross) garante uma perfeita continuidade entre uma história e outra, com a segunda minissérie lidando, essencialmente, com a revelação para o mundo da existência da United Science Patrol (USP) que por décadas permaneceu atuando secretamente para livrar o mundo dos mais variados kaijus que eram mandados para uma outra dimensão. Depois dos eventos de A Ascensão de Ultraman, tudo veio às claras, com a organização tornando-se pública e, mais ainda, com os kaijus aparecendo mais abertamente para todos em razão do fim desta conveniente dimensão que servia de prisão para eles. Até mesmo a existência de Ultraman é lugar-comum.
E a forma como Kyle Higgins e Mat Groom exploram esse conceito é lidar com o ceticismo de grande parte da população sobre a verdade atrás daquilo tudo e, claro, com grupos radicais que simplesmente consideram que tudo faz parte de uma elaborada teoria da conspiração que eles tentam desmontar, mais ou menos como o pessoal da Terra Plana e os Anti-Vacinas fazem, espalhando notícias falsas pelo mundo e chegando até mesmo ao ponto de construir kaijus artificiais – ideia adaptada de Godzilla, claro – para “provar” que tudo não passa de um enorme engodo. Paralelamente, Shin Hayata, cuja fusão com Ultraman é conhecida pela USP, mas não do público em geral, precisa lidar com a necessidade de esconder sua identidade super-heróica e com a própria limitação de seus poderes em razão do tempo que pode permanecer como o ser espacial e até quantas vezes a transformação pode acontecer.
Em outras palavras, os roteiristas constroem um universo em que a existência da USP e dos próprios kaijus é colocada em xeque, dificultando o trabalho da entidade que passa a depende de tratados internacionais de colaboração com os mais diversos países que, lógico, mergulham a ação urgente em um emaranhado burocrático assustador. Como se isso não bastasse, Dan Moroboshi, o homem que, em 1966, teria sido morto acidentalmente pelo irmão do alienígena conectado com Hayata, reaparece vivo e com a mesma idade que tinha há décadas, só que capturado por um grupo que deseja “desmascarar” a USP. Como ele ainda está vivo e sem envelhecer é um mistério que é mantido ao longo de toda a minissérie e que promete interessantes desenvolvimentos futuros, inclusive com a possível chegada de Ultraseven, já que Moroboshi, na série de TV, era a identidade humana do super-herói.
O crescendo de paranoia do pessoal da teoria da conspiração que leva a um clímax na Islândia, a introdução de uma empresa capitaneada por um ex-membro da USP que usou tecnologia de lá para construir um império similar ao da Apple e que claramente tem planos escusos e o mistério de Moroboshi funcionam muito bem como mais blocos de construção de um universo expansivo de Ultraman nos quadrinhos, que pega emprestado os conceitos originais e os atualizam de maneira inteligente e lógica, dando-lhes uma roupagem moderna e de grande potencial. Ajuda muito a arte digital dinâmica de Francesco Manna que, como o roteiro, atualiza visuais sem perder a essência do material clássico, tornando a leitura fluida e gostosa, mesmo que, por vezes, ele tenha que lidar com um razoável excesso de texto por parte dos roteiristas.
Os Desafios de Ultraman mostra-se como um robusto segundo capítulo nesta saga que só cresce e que, mais ainda, só acrescenta à vasta mitologia do personagem – ou da série de personagens – e de todos ao seu redor. Será muito interessante ver como as futuras minisséries lidarão com a gigantesca variedade de “Ultras” e de seus respectivos vilões sem perder o fio da meada.
Ultraman (2020) – Vol. 2: Os Desafios de Ultraman (Ultraman – Vol. 2: The Trials of Ultraman – EUA, 2021)
Contendo: Ultraman: The Trials of Ultraman #1 a 5
Roteiro: Kyle Higgins, Mat Groom
Arte: Francesco Manna (histórias secundárias na edição #1: Eduardo Ferigato, Gurihiru)
Cores: Espen Grundetjern (primeira história secundária na edição #1: Marcelo Costa)
Letras: Ariana Maher
Editoria: Martin Biro, Alanna Smith, Tom Brevoort, C.B. Cebulski
Editora original: Marvel Comics
Data original de publicação: 17 de março de 2021 a 04 de agosto de 2021
Páginas: 122