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Crítica | Último Ato (Manhunt)

O que é mais interessante ficou em segundo plano.

por Ritter Fan
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Quando acabei de assistir a minissérie Último Ato, que conta a história da caçada de 12 dias ao assassino do presidente Abraham Lincoln, minha sensação foi a de que havia visto uma narrativa absolutamente fascinante, repleta de fatos históricos (romanceados, claro, mas mesmo assim fatos históricos) pouco conhecidos, mas que foi contada a partir de um ângulo que reputei equivocado, quase desperdiçando completamente o potencial da obra, que foi baseada em livro histórico-jornalístico escrito por James L. Swanson e publicado em 2007. Aliás, curiosamente, o título em português, retirado do título do capítulo de encerramento, O Ato Final, quando comparado com a versão original, Manhunt (ou algo como Caçada ou, talvez mais especificamente, Caçada Humana), lida justamente com esse conflito de abordagens que notei.

Mas deixem-me explicar.

Como provavelmente é de notório saber, no dia 14 de abril de 1865, meros cinco dias depois da rendição do General Robert E. Lee, das forças da Confederação, ao General Ulysses Grant, das forças da União, o ator John Wilkes Booth (Anthony Boyle) assassinou o presidente Abraham Lincoln (Hamish Linklater) enquanto ele assistia à peça Nosso Primo Americano, do dramaturgo britânico Tom Taylor. O que pouca gente provavelmente sabe – mas com certeza pode desconfiar – é que Booth não agiu sozinho e que havia outros alvos simultâneos à Lincoln (o vice-presidente e o secretário de Estado), com o apoio, ao que tudo indicava, do alto escalação dos secessionistas escravocratas para cometer esses atos covardes e desesperados com o objetivo de decapitar o governo da União e, possivelmente, virar a mesa dos acontecimentos enquanto o conflito ainda estava quente. A minissérie aborda os esforços do Secretário de Guerra Edwin Stanton (Tobias Menzies) em capturar Booth e, ao mesmo tempo, desbaratar o que ele considerava ser uma trama muito mais complexa e grave.

A questão é que a caçada em si não é interessante o suficiente para sustentar a minissérie, ao passo que aquilo que fica no pano de fundo – a conspiração, os efeitos da morte de Lincoln e a assunção do governo pelo vice-presidente Andrew Johnson (Glenn Morshower) na chamada Reconstrução e também a atuação ferrenha de Stanton – merecia ser elevado ao coração da obra, que poderia ganhar mais episódios para vermos esses aspectos serem desenvolvidos antes, durante e depois do assassinato. Afinal, o que temos em primeiro plano é uma tentativa de fuga razoavelmente burocrática e com poucos incidentes de destaque de Washington D.C. até Richmond, a então completa destruída capital confederada, que só realmente merece destaque pela atuação de Boyle, em seu segundo papel relevante seguido para o Apple TV+, o primeiro tendo sido o do navegador e narrador Harry Crosby, em Mestres do Ar, com o ator construindo um Booth asqueroso em seu delírio, achando-se um herói, um símbolo de sua “causa”, um homem que, em sua pequenez, espera receber todo os louros por ter feito o que fez pelas autoridades de sua amada Confederação.

Mas se Boyle está muito bem, Tobias Menzies está muito melhor como o seu enlutado e gravemente asmático Stanton e não só por seu personagem ser muito mais nuançado e interessante do que Booth, como pelo que ele precisa fazer simultaneamente, seja investigar o assassinato, perseguir Booth e seus comparsas e desbaratar uma conspiração, com também cometer diversos pequenos atos ilegais e até imorais com o objetivo nobre de abafar de vez o movimento secessionista cujos tentáculos mostram-se longos e fortes nesse momento da História dos EUA. Essa é a história que deveria ter sido elevada ao primeiro plano desde o começo da minissérie, pois ela é complexa, desconhecida por muita gente e repleta de detalhes que a abordagem dada a ela aqui não consegue desenvolver a contento.

Falo do próprio conceito da Reconstrução, plano de Lincoln e Stanton que tinha como objetivo reintegrar econômica e socialmente os escravizados libertados. Falo da relevância do “presidente” confederado Jefferson F. Davis (Craig Nigh) para a esperança de muitos em ver a União desabar. Falo do serviço de espionagem confederado. Falo do poder insidioso dos magnatas americanos simpáticos à causa escravocrata. Falo do efeito direto da rendição de Lee para os escravizados que, quase que literalmente da noite para o dia, se viram ao mesmo tempo livres de suas correntes, mas incapazes de se movimentar na prática em uma sociedade fechada a eles. Ou seja, falo de tudo que entremeia a caçada a Booth e que justamente por ser suporte para uma história equivocadamente central, acaba perdendo destaque e espaço, com os roteiros lutando para inserir muita coisa em muito pouco tempo.

Dois exemplos claros de como a minissérie investe tempo naquilo que deveria ser o detalhe é o uso de rápidos flashbacks contextualizadores para o que vemos acontecer em seguida, um artifício que vem, claro, para dar estofo à narrativa multifacetada, mas que fica perdido e acaba mal utilizado. Da mesma forma, no último episódio, vemos a explosão do conflito ideológico entre Johnson e Stanton ser resumido a uma ou duas cenas rápidas e o uso decepcionante de textos explicativos surgindo na tela para encerrar o assunto sem fazer o que deveria ser feito, ou seja, ou em investir em uma minissérie maior ou fazer da caçada a Booth algo menor dentro da história macro.

É por isso que o título em português, em conflito com o título em inglês, representa bem minha visão sobre a série. Com Manhunt, vemos o que é menos interessante ganhar enorme espaço, deixando o Último Ato, que não só representa o conflito que mencionei, como também tudo o que Lincoln havia planejado fazer na Reconstrução, quase que como detalhes e curiosidades que são subservientes à uma trama central que não tem nada de especial. Mesmo assim, a minissérie continua sendo válida, instrutiva e repleta de situações que o espectador pode, infelizmente com bastante facilidade, transpor para o momento presente. Quem sabe um dia o pano de fundo de Último Ato não ganha o tratamento audiovisual que merece?

Último Ato (Manhunt – EUA, de 15 de março a 19 de abril de 2024)
Desenvolvimento e showrunner: Monica Beletsky (baseado em obra de James L. Swanson)
Direção: Carl Franklin, John Dahl, Eva Sørhaug
Roteiro: Monica Beletsky, Ben H. Winters, Tim Brittain, Matthew Fennell, Jan Oxenberg
Elenco: Tobias Menzies, Anthony Boyle, Lovie Simone, Will Harrison, Brandon Flynn, Damian O’Hare, Glenn Morshower, Patton Oswalt, Matt Walsh, Hamish Linklater, Lili Taylor, Josh Stewart, C.J. Hoff, Larry Pine, Anne Dudek, Daniel Croix, Spencer Treat Clark, Carrie Lazar, Tommie Turvey, Walker Babington, Josh Mikel, Josh Bowman, Carlos Luckie Jr., Maxwell Korn, Betty Gabriel, Roger Payano, Kevin Patrick Murphy, Antonio J Bell, Craig Nigh
Duração: 358 min. (sete episódios)

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