Depois de passar o finalzinho da década de 70 e os anos 80 inteiros lendo cada publicação de super-herói editada no Brasil, seja de que editora fosse, parei completamente esse meu hábito no começo da década de 90. Foram várias as razões para isso e elas não vêm ao caso. O que interessa – e daí essa pequena introdução pessoal – é que foi graças ao Universo Ultimate da Marvel, que começou com o Homem-Aranha, em outubro de 2000, que eu finalmente voltei aos quadrinhos, ainda que não de forma tão avassaladora quanto antes.
A proposta da Marvel era ao mesmo tempo ousada e óbvia: atrair mais leitores criando um universo “zerado” que não carregasse nos ombros o peso de uma cronologia complicada de décadas. Tamanho foi o sucesso da empreitada que é perfeitamente possível afirmar que foi o Universo Ultimate (ou Terra-1610) e não o Universo padrão da Marvel (o Terra-616) que serviu efetivamente de mola propulsora para o Universo Cinematográfico Marvel, com muitos de seus elementos sendo transferidos para os filmes e, mais importante ainda, para o universo regular Marvel, que passou a beber dessa nova e rica fonte e que, infelizmente, hoje, depois de Guerras Secretas, não mais existe.
Ainda que a HQ do Aranha Ultimate jamais tenha sido a melhor (esse título fica com Os Supremos ou Ultimates, a versão Terra-1610 dos Vingadores – pelo menos os dois primeiros volumes), ela foi a que mais manteve a homogeneidade e qualidade ao longo de todo o seu enorme run inicial de 111 edições sempre com Brian Michael Bendis e Mark Bagley no leme, com Bagley deixando a publicação e sendo substituído por Stuart Immonen até o #133, quando, então, a coisa começou a degringolar, só melhorando novamente com a introdução de Miles Morales. Além disso, de todos os heróis principais desse novo Universo, o Amigão da Vizinhança foi o que menos sofreu alterações se comparado com sua versão original, garantindo uma transição suave.
No primeiro arco – Poder e Responsabilidade – a abordagem, como não poderia deixar de ser, foi a de origem do herói, com a versão econômica e brilhante de Stan Lee e Steve Ditko sendo consideravelmente expandida, mas não verdadeiramente alterada. Não foi, como o Luiz Santiago abordou em sua crítica, algo revolucionário, mas cumpriu bem o papel de reintroduzir o Homem-Aranha para uma nova geração, começando do básico. O segundo arco – Curva de Aprendizado -, constituído pelos números 8 a 13 de Ultimate Homem-Aranha, publicados entre junho e novembro de 2001 lá fora e entre abril e agosto de 2002 por aqui, continua essa pegada básica do personagem, lidando com seu amadurecimento e início da compreensão de que o mundo é bem mais complexo do que ele imaginava.
Lidando com a morte de seu querido tio Ben e também com o ataque à sua escola pelo Duende Verde, Peter Parker enfrenta problemas financeiros que ele começa a resolver primeiro de forma clássica como “fotógrafo de Homem-Aranha” para John Jonah Jameson e, em seguida, como webdesigner no próprio Clarim Diário. Ato contínuo, procurando resolver os males do mundo, Peter acha que, se ele acabar com Wilson Fisk, o Rei do Crime, ele livrará Nova York de grande parte de seus problemas. Ele começa, então, uma inocente e perigosa cruzada para derrubar o gigantesco e careca vilão que, visualmente, praticamente em nada é alterado em relação à sua versão original.
Para chegar lá, ele enfrenta os Executores e Electro (esse bem diferente do original), todos trabalhando para Fisk, gradualmente aprendendo que não dá para resolver nada de cabeça quente, sem planejamento ou na base apenas da pancadaria. A narrativa é simples talvez até demais, com muitos balões de pensamento para Peter explicando em detalhes cada um de seus sentimentos e cada movimento de sua estratégia. Não é nada que estrague o prazer de ler, mas há que haver o reconhecimento de que esse ainda é o começo desse “novo” Homem-Aranha e que ele é, apenas, um garoto de 15 anos tentando lidar não só com a vida como ela é, mas, também, com essa gama de novos poderes e, claro, responsabilidades.
O melhor da história, porém, é mesmo seu relacionamento com Mary Jane, aqui sua vizinha, além de colega na escola. Bendis sabe como retratar perfeitamente dois jovens começando algo que pode ser um duradouro relacionamento, com uma boa dose de hesitação, introspecção e paixão de ambos os lados. A arte de Mark Bagley, sempre muito boa, ganha especial destaque aqui, ao trabalhar cada sentimento dos dois de maneira exata, além de manejar bem o uso dos quadros para estabelecer a proximidade entre os dois. E nenhuma edição desse arco é tão clara nesse sentido quanto a 13ª, que lida com Peter finalmente revelando para Mary Jane que ele é o Homem-Aranha. O que é apenas simples nos números anteriores – ação e pancadaria entremeadas com piadinhas aqui e a ali e vilões semi-cômicos (com exceção de Fisk, claro), ganha um elevado nível de ternura, quase que um balé tendo os dois como foco. A participação da Tia May é também muito bem-vinda, funcionando como um hilário alívio cômico que deixa Peter envergonhado ao limite e, por tabela, os leitores também.
Curva de Aprendizado reflete exatamente o que é o Homem-Aranha desse então novo universo criado pela Marvel, mantendo o espírito do personagem clássico também, logicamente. Bendis e Bagley precisavam de um tempo para saber o que fazer com o herói, para descobrir por que caminho levá-lo e o segundo arco já começa a abrir as comportas para belas futuras histórias.
Ultimate Homem-Aranha: Curva de Aprendizado (Ultimate Spider-Man: Learning Curve, EUA – 2001)
Contendo: Ultimate Spider-Man (Vol. 1) #8 a 13
Roteiro: Brian Michael Bendis
Arte: Mark Bagley
Arte-final: Art Thibert
Cores: JC, Wes Abbott, Jung Choi, Steve Buccellato
Letras: Brian Smith, Albert Deschesne, Richard Starkings, RS
Editora original: Marvel Comics
Data original de publicação: junho a novembro de 2001
Editora no Brasil: Panini Comics
Data de publicação no Brasil: abril a agosto de 2002 (Marvel Millennium: Homem-Aranha #4 a 8)
Páginas: 135