Home QuadrinhosEm Andamento Crítica | Ultimate Homem-Aranha (2024) #1

Crítica | Ultimate Homem-Aranha (2024) #1

Mais um recomeço.

por Ritter Fan
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Depois de 10 anos longe dos quadrinhos, eu retornei a eles graças ao nascimento do Universo Ultimate da Marvel Comics em outubro de 2000, com Ultimate Homem-Aranha #1, uma iniciativa sensacional da editora que basicamente começava tudo do zero, sem o peso da continuidade de décadas, mas, ao mesmo tempo, sem cancelar as publicações que já estavam em andamento. Em 2015, irônica, mas inevitavelmente tornado complexo demais justamente em razão da continuidade, esse universo chegou ao seu fim com a saga Guerras Secretas e seus diversos (e até interessantes) tie-ins que eliminaram o que tinha que ser eliminado e trouxeram para o universo padrão, o Terra-616, aqueles personagens que valiam o esforço, como é o caso de Miles Morales, que assumira o manto do Homem-Aranha depois do assassinato de Peter Parker na Terra-1610 (designação oficial do  Universo Ultimate).

No entanto, como nada nos quadrinhos mainstream permanece como está durante muito tempo, eis que a finada Terra-1610 começou a aparecer aqui e ali, levando a rumores de que esse universo seria ressuscitado. Corta para 2023, com a saga Ultimate Invasion e algo estranho acontece, com um outro Universo Ultimate sendo introduzido, o Terra-6160, só que alterado profundamente pelas maquinações do Criador, o Reed Richards maligno da Terra-1610. Confuso? Com certeza. Mas não é necessário que o leitor que deseja começar a ler sobre esse novo Universo Ultimate saiba dos detalhes do que aconteceu, apenas que, na Terra-6160, os super-heróis que conhecemos nunca surgiram justamente por causa do Criador.

E a ausência de super-heróis é a porta de entrada de Ultimate Homem-Aranha #1, aguardado título novo do Amigão da Vizinhança que prometia entregar aquilo que muitos leitores queriam ver: um Peter Parker adulto, casado ainda com Mary Jane e com filhos. Claro que o trabalho de Jonathan Hickman no roteiro, por se passar em outro universo, não tem o condão de desfazer o famigerado Um Dia a Mais, em que Parker faz um pacto com Mephisto que leva seu casamento com MJ a ser apagado da continuidade da Terra-616, mas ele procura entregar aquilo que Dan Slott fez em Renovando os Votos, um dos tie-ins de Guerras Secretas, que é justamente um gostinho do que poderia ter sido.

Fico feliz em constatar que Hickman acerta na mosca na edição inaugural, investindo tempo na apresentação desse novo Peter Parker e do universo em que vive. Esse “novo” Parker tem 35 anos, barba de verdade no rosto, trabalha no Daily Bugle para seu Tio Ben e J. Jonah Jameson, além de, claro, ser casado com Mary Jane, com quem tem dois filhos. Mas Peter Parker não é o Homem-Aranha. Ele nunca foi picado por uma aranha radioativa quando adolescente e cresceu e amadureceu normalmente. Isso cria todo o tipo de oportunidade para Hickman fazer uma sensacional amálgama daquilo que conhecemos de diversas versões do Homem-Aranha desde tempos imemoriais, começando pelo berro de JJJ gritando “PARKER!!!” no meio da redação somente para descobrirmos que ele estava falando com Ben Parker e chegando ao nome da filha de Peter, May, em homenagem à sua tia falecida, mas também uma óbvia referência à May “Mayday” Parker, a ótima, mas infelizmente esquecida filha aracnídea do Homem-Aranha em outro universo.

Tudo é muito ritmado, com o roteiro nos guiando por essas mudanças todas, sem esquecer de contextualizá-las, de trabalhar aquele lado mais, digamos, “complexo”, que exigiria, em mãos menos hábeis conhecimento prévio do que levou a Terra-6160 ser como é. Hickman faz as explicações sobre o tal Reed Richards do mal do outro Universo Ultimate e o fato de ele ter feito do universo desse Peter Parker sua “caixinha de areia” de experimentações parecerem naturais, esquivando-se, com isso, daquele didatismo cansado a que tantos escritores recorrem. E a forma como Hickman muda a vida de Parker, estabelecendo que ele sente que não alcançou seus potencial ou cumpriu seu destino, não é algo do tipo que nunca vimos antes, pois envolve viagem no tempo e Tony Stark (claro), mas funciona e funciona muito bem, abrindo caminho para um recomeço acelerado e a transformação do novo Parker em um novo Aranha que, vale dizer, só aparece de longe, em sombra, na última página da publicação.

Como se não bastasse o cuidado com o roteiro, a arte de Marco Checchetto é excelente. Sempre reclamei do receio que a Marvel Comics tinha e ainda tem de retratar seus personagens como adultos de verdade, sem rostinhos adolescentes ou de jovens adultos, mal de que até mesmo Stark vinha sofrendo há tempos. Aqui, Peter Parker não é um “adolescente de barba” e sim um homem maduro e seguro de si que PARECE realmente ter 35 anos. Pode parecer óbvia minha constatação, mas experimentem folhear publicações recentes da Marvel (e da DC também, sendo sincero) e reparem como todo mundo tem aparência infantil quase, como se “gente mais velha” fosse um tabu ou algo que jovens têm tanto medo que deixariam de ler uma HQ se seu personagem favorito aparecesse com a idade que efetivamente tem. Checchetto, portanto, acerta em cheio ao lidar com todos os personagens da HQ, talvez com exceção apenas de MJ, ainda que seja muito bem-vinda uma versão não sexualizada da ruiva. Além disso, seus traços são dinâmicos e muito bonitos, com um quê de inacabados, com as cores de Matthew Wilson, pendentes aos tons pasteis, dando vida elegante a esse mundo diferente e ao mesmo tempo tão familiar.

Não tenho ideia dos planos de Hickman para esse Homem-Aranha, mas, conhecendo o roteirista como eu conheço, sei que ele alinhavou provavelmente anos de desenvolvimento narrativo para sua recriação do Amigão da Vizinhança. Será sensacional se ele conseguir emplacar mais essa versão de Peter Parker na Marvel Comics sem se deixar levar por modismos ou pela necessidade de rechear seus textos com um turbilhão de personagens novos surgindo a cada página. É importante que ele mantenha o mesmo tipo de ritmo que Brian Michael Bendis imprimiu ao primeiro Ultimate Homem-Aranha, trabalhando-o e desenvolvendo-o aos poucos, sem pressa e sempre trazendo novidades relevantes. Um Peter Parker adulto, casado e com filhos pode oferecer MUITO à mitologia do personagem e só resta esperar que Hickman entregue aquilo que deveria ter sido desde 2007 não fosse a interferência infeliz, mas a contragosto, de J. Michael Straczynski sob ordens da editoria da Marvel comandada por Joe Quesada.

Ultimate Homem-Aranha #1 (Ultimate Spider-Man – EUA, 2024)
Roteiro: Jonathan Hickman
Arte: Marco Checchetto
Cores: Matthew Wilson
Letras: Cory Petit
Editora: Marvel Comics
Data original de publicação: 10 de janeiro de 2024 (capa: março de 2024)
Páginas: 44

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