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Crítica | Twisted Metal – 1ª Temporada

Era uma vez um palhaço...

por Ritter Fan
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Como eu gosto de jogos de corrida ou de carros em geral desde que descobri Enduro, no Atari, lembro-me vividamente quando, na casa de um amigo, joguei Twisted Metal no primeiro Playstation lá por 1995 ou 1996. A promessa de carros tunados em um derby de demolição era automaticamente atraente para mim (e, creio, para qualquer jovem descerebrado como eu à época), mas, por alguma razão, depois de uns 10, 15, talvez 20 minutos em meio à pancadaria, perdi o interesse completamente e nunca mais joguei, apesar de saber que a criação da Sony foi um sucesso e ganhou diversas outras continuações e versões.

Corta para algum momento de 2022 quando eu li que esse jogo de priscas eras seria adaptado como uma série de TV tendo Anthony Mackie, o Falcão e, agora, o Capitão America III do Universo Cinematográfico Marvel, como protagonista. Minha reação foi ao mesmo tempo de incredulidade e de curiosidade, com aquele cinismo típico de alguém que sabe muito bem que, nas chamadas Guerras do Streaming, absolutamente qualquer coisa pode tornar-se filme ou série. Tendo sido lançado no dia 27 de julho de 2023 no Peacock, serviço de streaming da NBCUniversal ainda não disponível no Brasil, a série acabou aportando por aqui via HBO Max que soltou os curtos episódios semanalmente (ainda bem!) entre outubro e dezembro do mesmo ano.

Desenvolvida por Rhett Reese, Paul Wernick e Michael Jonathan Smith, os dois primeiros responsáveis pelas franquias Zumbilândia e Deadpool e o terceiro por Cobra Kai, o que lhes dá um certo pedigree de qualidade caótica, Twisted Metal defenestra o conceito inicial de derby de demolição, que é naturalmente difícil de ser adaptado para o formato de série sem repetições infinitas, e estabelece uma estrutura muito simples, mas que permite uma narrativa mais afeita ao audiovisual, em que John Doe (Mackie), um “leiteiro” (um carteiro, digamos assim) com amnésia nos EUA distópico em que um ataque cibernético acabou com a internet e os eletrônicos em geral e levou as grandes cidades a se protegerem atrás de enormes muralhas, precisa dirigir seu amado Subaru WRX rosa batizado de Evelin (ou Ev3l1n) de Nova São Francisco a Nova Chicago e de volta a Nova São Francisco para pegar e entregar um pacote de forma a ganhar a tão sonhada e desejada cidadania prometida pela líder de Nova São Francisco, a misteriosa Raven, vivida em uma boa ponta por Neve Campbell. Trata-se de uma rota extremamente perigosa que ele nunca havia feito antes, mas, claro, nosso herói parte mesmo assim para enfrentar os desafios em seu caminho.

Em outras palavras, Twisted Metal é, para todos os efeitos, uma versão simplificada e aguada de Mad Max, especialmente A Caçada Continua e Estrada da Fúria, com John Doe criando uma inicialmente hesitante parceria com Quiet (Stephanie Beatriz), que perde seu irmão e quer se vingar do responsável, o Agente Stone (Thomas Haden Church), suposto representante da lei fora dos muros das cidades e que acaba sendo o grande vilão da temporada. Depois de um sinistro encontro inicial com o psicopata com máscara de palhaço Sweet Tooth (uma excelente combinação da expressão corporal do lutador de luta livre Joe Seanoa com a voz do ator Will Arnett) em Las Vegas, que abre uma segunda e surpreendente linha narrativa paralela sobre o assustador e violento personagem que dirige um inocente furgão de sorvete, Doe e Quiet seguem em seu caminho encontrando inimigos e aliados variados a cada esquina, com os personagens (aí incluindo até Sweet Tooth e Stone) ganhando alguns flashbacks para dar-lhes um pouco mais de estofo.

Mas quando eu disse que a série é uma versão simplificada e aguada de Mad Max, não quis, com isso, condenar a criação de Reese, Wernick e Smith, pois a trinca muito claramente sabia o que estava fazendo ao se inspirar em obras pós apocalípticas sérias para imprimir o seu estilo de humor em uma narrativa que obviamente não se leva a sério e nem deveria se levar mesmo, o que resulta em bons momentos cômicos especialmente no que se refere a Stone e Sweet Tooth (Haden com sua seriedade exagerada e a fusão de Seanoa com Arnett com sua completa insanidade estão se divertindo demais nos papeis) e uma quantidade saudável de violência extrema e de destruição automobilística. Some-se a isso episódios com durações condizentes com a falta de substância da série e pronto, tem-se um improvável divertimento de qualidade.

Falando em qualidade, há muito tempo não via uma combinação de atuação corporal com atuação de voz de duas pessoas diferentes em um só personagem tão inspirada quanto o que vemos aqui com Sweet Tooth. Não que isso seja comum, claro, e Darth Vader é inegavelmente o ponto alto dessa estratégia, mas o monstruoso palhaço sorridente com desejo de ser ator que é uma máquina de matar é, de longe, o melhor personagem de Twisted Metal. A dupla protagonista até faz algum esforço, mas eu trocaria fácil os dois por mais Sweet Tooth ao longo dos episódios, pois Mackie e Beatriz, apesar de simpáticos, vivem personagens padrão de obras do gênero, enquanto que Seanoa e Arnett constroem algo realmente interessante que o espectador consegue odiar e admirar, assustar-se ou rir copiosamente ao mesmo tempo. Sem Sweet Tooth, Twisted Metal perderia grande parte de sua graça e seria esquecível. Com Sweet Tooth, ela se torna especial em sua categoria.

Tenho que, porém, falar do episódio final, mas sem dar spoilers, podem ficar tranquilos. Seus primeiros minutos, dedicados ao “combate final”, que é o momento que mais se assemelha a um derby de demolição, são profundamente decepcionantes. Ação cansada, sem inspiração alguma e com uma montagem estranha, claudicante, sem tentar seguir algum tipo de lógica narrativa que não seja apenas uma sucessão de explosões. Reputo esse problema ao que acontece em seguida, pois são poucos minutos para abordar a pancadaria e muitos minutos para construir a segunda temporada da série, em uma estratégia que considero tenebrosa por parte da produção. Não é incomum ver séries que fazem isso e eu sempre tenho problemas com esse artifício, pois ele revela que é muito mais importante deixar o espectador artificialmente esperando um segundo ano do que entregar um final realmente satisfatório que tem naturalmente o mesmo efeito. Não que a temporada não pudesse estruturar o segundo ano, pois isso é padrão na indústria, mas meu ponto é que isso deveria acontecer organicamente ao longo da narrativa e não de maneira jogada que basicamente para a série e a recomeça com sequências que muito evidentemente poderiam ter sido podadas ou transferidas para sua continuação.

Mesmo assim, Twisted Metal consegue ser uma divertida, boba e violenta surpresa televisiva que, claro, não vai fazer história para além de Sweet Tooth, mas que tira leite de suficiente qualidade de uma premissa banal. E sim, eu só quero uma segunda temporada na esperança de ver mais do palhaço psicopata que faria Pennywise e até o Coringa fugirem para as colinas…

Twisted Metal – 1ª Temporada (EUA – 27 de julho de 2023 nos EUA e de 1º de outubro a 03 de dezembro de 2023 no Brasil)
Desenvolvimento: Rhett Reese, Paul Wernick, Michael Jonathan Smith (com base em videogame da Sony criado por
David Jaffe e Scott Campbell)
Direção: Kitao Sakurai, Jude Weng, Maggie Carey, Bill Benz
Roteiro: Michael Jonathan Smith, Grant Dekernion, Shaun Diston, Francesca Gailes, Jacqueline J. Gailes, Alison Tafel, Alyssa Forleiter, Becca Black
Elenco: Anthony Mackie, Stephanie Beatriz, Joe Seanoa, Will Arnett, Thomas Haden Church, Richard Cabral, Jared Bankens, Neve Campbell, Mike Mitchell, Tahj Vaughans, Jamie Neumann, Diany Rodriguez, Angel Giuffria, Chelle Ramos, Michael Carollo, Anthony Mackie Jr., Lou Beatty Jr., Peg O’Keef, Chloe Fineman, Creek Wilson, Jason Mantzoukas
Duração: 288 min. (10 episódios)

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