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Crítica | Twin Peaks – The Return: Part 6

por Luiz Santiago
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É difícil não se emocionar com o despertar de Cooper. Chega a ser angustiante essa prisão de memórias, a fala monossilábica, a atitude estática, o personagem repetindo as últimas palavras alheias e, pouco a pouco, articulando algum tipo de sentido através de ações um tanto mais naturais — graças à excelente atuação de Kyle MacLachlan, que transmite muito bem a mudança de cada nuance, sorriso, passos e comportamento de Dougie –, puxando pistas dos lugares mais improváveis. Ao vermos Cooper/Dougie alisando o distintivo do policial, em uma fixação inocente e subconsciente, sentimos um carinho ainda maior pelo personagem e vemos o que um bom roteiro é capaz de fazer com uma situação de cânone narrativo, passando do humor para o pesar, e então, para a esperança, sem descaracterizar aquilo que é contado sobre o personagem no momento.

Embora tenha um roteiro mais plácido que o da Parte 5, este sexto episódio acaba apresentando a mesma qualidade final, com muitas coisas aparentemente aleatórias que, de maneira muito estranha, sugerem um significado maior. E é aqui que a boa vontade, a paciência e a capacidade de interpretação e memória do espectador é testada. Mas antes de mergulhar neste mar, é preciso dizer que nenhuma obra, independente de seu autor, proposta, contexto e intenção deve ser isenta ou desculpada por falhar ou ignorar elementos básicos de sua linguagem. Ao julgá-la devemos ter em mente todos esses fatores transversais, é claro, mas eles sozinhos não ditam se a coisa é boa ou ruim — isto, fora do gosto pessoal ou do favoritismo, porque ambos não precisam de análise ou justificativas. Segurar-se apenas na proposta e no estilo de um diretor ou roteirista também não bastam. Se falham com a linguagem para a qual estão produzindo, a obra será tudo: estilosa, cheia de significados e floreios, mas não boa. Um exemplo simples: o que faz de um bom cantor, um bom cantor? Basicamente duas coisas: afinação e emoção. Não importa o histórico de sua vida, timbre, intenções, produção do disco, fama, simpatia, comportamento do artista. Se ele não é afinado e se não coloca emoção naquilo que canta, ele será todo o resto, menos um bom cantor. Entenderam meu ponto? Agora puxem isso para a problematização desta 3ª Temporada de Twin Peaks, a seguir.

Resolvi levantar a bola da linguagem televisiva (e por tabela, cinematográfica) porque tenho recebido aqui no Plano Crítico dois tipos extremos de reações. A primeira, dos embasbacados ingênuos, que pela pobreza de referências, pobre cinefilia, desconhecimento de linguagem cinematográfica/televisiva e aceitação simples e imediata de tudo o que não entende como obra-prima, acha que esta 3ª Temporada tem sido a melhor coisa feita para a TV desde Twin Peaks. O tipo de fã que se recusa a entender que uma série como esta jamais terá uma narrativa 100% coesa e que nem tudo, por mais sensacional que tenha sido a intenção dos criadores, funciona dentro de uma construção dramatúrgica. É o caso, por exemplo, das partes 5 e 6 deste The Return. Ambos são episódios muito bons. Existem símbolos e pistas que impressionam e nos fazem rir quando percebemos o que está acontecendo. Mas isso não significa que o montante dramático onde essas pistas estão inseridas é igualmente genial.

O segundo grupo é o dos saudosistas mentalmente estagnados. Estes acreditam que o retorno de uma série, após tantos anos, deve conter exatamente os mesmos ingredientes do passado, com a mesma linha de problemas, com o mesmo tipo de drama amoroso, de relacionamento e de mistérios. Ignorando o passar dos anos, a mudança da tecnologia, a mudança conceitual dos próprios criadores do programa e a proposta da nova série; ou recusando-se a aproveitar aquilo que está diante de si, o saudosista mentalmente estagnado vai no sentido oposto ao embasbacado ingênuo. Ao invés de imediatamente taxar o que não entende como obra-prima, ele taxa de lixo, de coisa imprestável e sem sentido. Os dois casos são erros de análise e, vejam, nesta temporada, é bem fácil se deparar com indivíduos destas duas facções. Reclamam da demora para fazer Dougie acordar. Reclamam que a história não se passa exclusivamente em Twin Peaks. Reclamam que os personagens estão muito separados e não faz sentido que estejam tão separados. Reclamam que tem muitas versão de Cooper. Reclamam que “o legado de Laura Palmer não está sendo respeitado” (essa é de doer a alma do Black Lodge, não é mesmo?).

Pois é. Mas vamos lá. Nem tanto ao céu, nem tanto à Terra. Este 6º episódio, por exemplo, possui um ritmo incrível. Daquelas coisas de, em sindicatos de editores, serem premiadas como um dos melhores exercícios da temporada. Funcionando não apenas na precisa duração das cenas, mas também na passagem de uma para a outra e na intenção emotiva que cada uma delas sugere, a edição se destaca como um dos aspectos mais bem estruturados do capítulo, e apontarei alguns dos melhores momentos: uma cena de sangue cortada para outra com Hawk lavando as mãos no banheiro; uma cena de encontro entre Albert e Diane — não sei vocês, mas meu coração deu um salto quando Albert falou o nome dela — em um bar, cortada para uma sequência densa e meio mágica de negociação de drogas; e três sequências seguidas (marcadas por pequenas pontes de contexto de cenário) com indivíduos diante de mesas resolvendo algum tipo de dilema, problema ou recebendo ordens: o funcionário que pega um envelope branco em um cofre… o dono da empresa de seguros que analisa os rabiscos de Dougie… o assassino que abre o envelope com as fotos das pessoas que precisa matar.

 Outro ponto a ser destacado é a direção de David Lynch. Sólida como rocha, sua assinatura pode ser vista em tudo aqui, especialmente nos detalhes que existem dentro das cenas, vide a chegada de Dougie em casa, levado pelos policiais; a adorável sequência com Sonny Jim; a imitação do boxeador; a estranheza do aperto de mão; a descoberta do bilhete na porta do banheiro; tudo funcionando dentro de seus micro-universos, mas ainda não funcionando perfeitamente bem no conjunto da obra. Certamente isso fará sentido mais adiante, porém, estamos julgando a parte, não o todo; e esta parte, apesar dos isolados momentos de boa execução técnica, não chega ao nível de qualidade geral que os capítulos 1 e 2 desta 3ª Temporada apresentaram.

Já é possível ver e se alegrar com a representação e o aprofundamento do enredo em um novo tipo de noir. Claro que não existem respostas ainda. Mas a sensação de um sentido para as coisas parece vir pouco a pouco, assim como elementos típicos da primeira versão da série, tais como a trilha sonora característica de um personagem ou situação; o padrão sombrio/dúbio/claro/claustrofóbico/sombrio da direção de fotografia e o diálogo indireto como  público, aqui, marcado pela fala do chefe de Dougie: “o que são todos esses rabiscos infantis? Como eu vou achar algum sentido nisso tudo?“, frase que é exatamente a nossa angústia pessoal, essa vontade de querer achar sentido em tudo, imediatamente. Assim como o chefe de Dougie, uma olhada com maior cuidado para o “papel” diante de nós, nos fará ver algo maior. Um significado, uma indicação, um caminho, uma sugestão para pensamento. Os rabiscos continuam lá. A forma de apresentação continua, neste ponto, não sendo perfeita. Mas a sensação de reconhecer padrão é simplesmente indescritível. E não importa o que digam os estagnados. A despeito da leve queda de qualidade geral dos episódios, o engajamento do público se mantém e sim, isto ainda é Twin Peaks.

Twin Peaks – The Return (3ª Temporada): Part 6 (EUA, 11 de junho de 2017)
Direção: David Lynch
Roteiro: Mark Frost, David Lynch
Elenco: Kyle MacLachlan, Mädchen Amick, Tammie Baird, Ronnie Gene Blevins, Juan Carlos Cantu, Candy Clark, Lisa Coronado, Jeremy Davies, Josh Fadem, Eamon Farren, Miguel Ferrer, Patrick Fischler, Robert Forster, Pierce Gagnon, Hailey Gates, Balthazar Getty, James David Grixoni, Andrea Hays, Michael Horse, Jay Jee, Jeremy Lindholm, Sarah Jean Long, Don Murray, John Pirruccello, Hunter Sanchez, Tom Sizemore, Al Strobel, Jodi Thelen, Naomi Watts, Christophe Zajac-Denek, Laura Dern, Harry Dean Stanton
Duração: 58 min.

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