Home TVEpisódio Crítica | Twin Peaks – The Return: Part 17 e 18

Crítica | Twin Peaks – The Return: Part 17 e 18

por Luiz Santiago
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Spoilers! Confira as críticas para Twin Peaks – The Return (2017) clicando aqui. Confira as críticas para todas as publicações do Universo da série, clicando aqui.
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Episódio 17

Episódio 18

3ª Temporada: The Return

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“Não vamos falar sobre Judy coisíssima nenhuma!”

Acabou.

A aguardada e celebrada 3ª Temporada de Twin Peaks retornou à TV em 2017 e, só com isso, já garantiu meses de notícias, teorias e muita ansiedade por parte do público e dos mais diversos canais midiáticos. Chamada de THE RETURN, esta terceira temporada foi vendida como uma continuação do que deixamos no excelente episódio Além da Vida e da Morte (1991). Mas não exatamente uma continuação direta daqueles fatos. Duas décadas e meia depois, muita coisa aconteceu. Alguns atores e atrizes faleceram, outros se aposentaram e outros não foram chamados para figurar nos planos de David Lynch e Mark Frost nesta volta do Black Lodge, BOB e as muitas outras forças do bem e do mal que rondaram a TV no início dos anos 90. A continuação aqui é de um conceito, não exatamente dos eventos tal e qual foram deixados no passado. E assim tivemos, em 21 de maio de 2017 uma dupla de episódios que à época eu defini como “Um novo mistério. E um terror de gelar os ossos.” (Parte 1) e “As estrelas estão mandando olhar para a floresta com atenção.” (Parte 2).

No início tudo foi uma grande surpresa e uma imensa estranheza para os fãs da série. No melhor sentido da definição, tivemos um meme pronto para ser disseminado (quem não compartilhou alguma coisa relacionada ao Helloooo-OOOOO-oooo! Call for help! da Parte 3?); uma das mais emotivas cenas da temporada na Parte 4, com Bobby se emocionando ao ver o retrato de Laura Palmer; o início de uma longa e chateante jornada de Dougie na Parte 5, com ele catatônico, voltando ao trabalho e experimentando café; e o primeiro grande choque, na Parte 6, já no final do capítulo, com Albert em um bar, olhando para uma mulher no balcão e chamando “Diane!“. Mas já a este ponto algumas coisas podiam ser sentidas. O arco de Dougie parecia nunca mais acabar. E o roteiro trabalhava mais com mistérios e revelações isoladas do que com uma narrativa fluída, o que poderia ser bom, pois constituiu um desafio, mas isso só se justificaria se essa proposta fizesse o enredo avançar, o que não foi o caso.

Na Parte 8 — um episódio divisor de águas e opiniões –, a chamada “gênese de todas as coisas” nos foi mostrada. Fez-se ligações com mistérios e símbolos da 1ª Temporada, com o filme de 1992, Os Últimos Dias de Laura Palmer e até com o material do Universo Expandido da série, já que as forças místicas em torno de Twin Peaks pareciam mostrar seus tentáculos através de diversos meios, como se contaminassem ou remediassem situações desde a Experiência Trinity, o primeiro teste nuclear da História, conduzido pelos Estados Unidos em 16 de Julho de 1945. Alguns espectadores fizeram links com frases e insinuações do Diário Secreto de Laura Palmer (1990) e até com a Autobiografia do Agente Especial do F.B.I. Dale Cooper (1991). Lynch já havia se pronunciado a respeito dessas teorias e disse que as recebia de braços abertos; que eram visões interessantes e válidas sobre seu trabalho — o que pode significar qualquer coisa vindo de um diretor que se recusa a dar qualquer explicação para seus filmes. Segundo ele, o que o espectador precisa saber  sobre a obra, está lá.

Pois bem. Foi com este mar de esperanças e referências que, do meio da temporada para frente, ficamos cada vez mais frustrados (ou pontual e paradoxalmente animados e ansiosos) vendo a série manter bons capítulos quase unicamente através dos quesitos técnicos, com exceções só reta final, diante da excelente Parte 14 e da obra-prima da Parte 16. Nessas ocasiões, não apenas grande apuro estético e uma noção de familiaridade ou apelo à nostalgia foram colocados em destaque. A história nesses pontos avançou para patamares diferentes, dando sentido ao caminho de uma porção de personagens, trazendo outros de volta, sugerindo alguns destinos e nos colocando em trilhas mais ou menos familiares onde sabíamos que não teríamos todas as respostas — e toco nessa ferida apenas no sentido didático — mas que teríamos um encerramento onde os caminhos poderiam levar a um ponto central mais ou menos confortável para todos os espectadores. Afinal, O RETORNO acontecera, correto? Como tema da temporada, Cooper retornou do Black Lodge, retornou a Twin Peaks e retornaria para Laura, como ela mesma já havia previsto 25 anos antes.

Nesta toada, um episódio glorioso como a Parte 17 não poderia deixar um fã mais feliz. Com todos os pontos narrativos em riste e mais uma estupenda direção de Lynch, temos um dos melhores capítulos da 3ª Temporada, aquele que deveria ter sido o final de tudo. Exibindo referências e personagens da primeira série, praticamente dando um reboot inteligente e perfeitamente justificado em seu próprio Universo, inclusive fazendo valer a ideia do sonho-dentro-do-sonho que se estendia já há alguma tempo, o capítulo fez uma hora inteira passar com imensa velocidade, tamanho o nível de absorção que nos trouxe. Descobrimos de Judy não é uma pessoa, mas a manifestação de uma força extremamente negativa; descobrimos que Naido é Diane; temos Cooper na ativa e de volta a Twin Peaks, encontrando velhos amigos; temos a batalha final e vitória contra o Sr. C e BOB; temos cenas de horror e tensão na delegacia e uma indicação precisa sobre o entrelaçamento de realidades que se unem diretamente à cena final, com Cooper salvando Laura. “Para onde nós vamos?“, pergunta a perturbada jovem. “Para casa“, diz Dale Cooper, ao som do clássico tema de Laura, uma cena que me arrancou umas lágrimas. Um episódio cheio de grandes atuações, com uma montagem perfeita, diálogos objetivos e aplaudível encadeamento dos mistérios, inclusive daqueles deixados de fora, que se responderiam pela mescla de realidades caso o sonho terminasse ali, em uma espécie de Crise nas Infinitas Terras.

Do vergonhoso 18º capítulo, destaco apenas os minutos iniciais, com a criação de um novo Dougie no Black Loge e uma mais fraca, mas ainda assim interessante “corrida” dentro do lugar, que termina com Cooper saindo e encontrando Diane. Depois dos 8,5 minutos, o que temos é um enredo ladeira abaixo. O roteiro ressuscita plots que já imagináramos resolvidos ou partes aceitáveis dos mistérios não explicados da série, como uma fala do Gigante/Bombeiro que dizia “Lembre-se do 430. Richard e Linda. Dois coelhos com uma cajadada só.“, e coloca Cooper dentro de um outro sonho ou de outra realidade ou de outro tempo (“Em que ano estamos?” / “Este é o passado ou o futuro?“) onde ele resgata Laura e vai com ela até Twin Peaks para… ABSOLUTAMENTE NADA!!!

Não bastasse a desconfortante cena de sexo entre Diane (Linda?) e Cooper (Richard?) ao som da ótima My Prayer, do The Platters (que também tocou na Parte 8) ou a cena desnecessariamente longa no Judy’s Coffee Shop (nem para o lugar servir para algo mais interessante além de Cooper obter o endereço de Laura, que não é Laura, é Carrie Page), o episódio precisava nos mostrar uma jornada vazia de sentido, com dois ótimos atores em cena (embora Kyle MacLachlan esteja aquém das ótimas interpretações que entregou em episódios anteriores) indo para a casa de Sarah Palmer que não era a casa de Sarah Palmer, terminando com olhares vagos de Sheryl Lee (é doloroso ver o desperdício de uma grande atriz nesse episódio), uma voz chamando “LAURA!” e um grito, seguindo-se dos créditos com a imagem de uma cena no Black Lodge, onde A Escolhida contava um segredo a Cooper. Fim.

Hur dur.

Lynch disse que queria desafiar o modo como nós vemos TV hoje em dia, fazendo uma série memorável, com tramas e caminhos nada convencionais. E em certa medida, ele realmente o fez. The Return, apesar do horrendo final, cavando um desprezível buraco para uma 4ª Temporada que talvez nem aconteça, é um bom serial, com alguns episódios memoráveis que sim, mudaram, ao menos umas poucas horas, a nossa forma de ver TV. Contudo, mesmo ao considerar a proposta misteriosa e os muitos mistérios do diretor, nada justifica um roteiro mal escrito, uma má direção de atores, uma direção no piloto automático depois da saída de Cooper do Black Lodge e uma medonha reticência de conteúdo deixada no fim do episódio 18.

Uma coisa é trabalhar com mistérios de fora sólida, fazendo com que o público os entenda e termine lidando com eles conceitualmente, a despeito de não haver respostas (Eraserhead, Estrada Perdida e principalmente Império dos Sonhos são a maior prova disso, dentro da filmografia de Lynch). Outra coisa é derrubar ácido e baba de BOB na Garmonbozia e achar que oferecer isso ao público à guisa de “grandes mistérios insondáveis” basta para terminar uma série que tinha tudo para ser épica. E não, não basta. Diante do final, melhor seria que, assim como Phillip Jeffries se recusara a falar sobre Judy, o tal Retorno nem tivesse acontecido. Dessa maneira, teríamos nos poupado o gasto de energia psíquica e descargas de eletricidade através da Árvore do Braço atravessando os nossos cérebros e plantando uma semente elétrica que jamais brota, deixa-nos apenas com uma cara de Major Briggs, impassível, olhando para o nada, esperando a resolução do arco de Audrey e um final que fizesse jus ao Retorno.

Mas nada disso acontece. O fim é um grito e um segredo não ouvido.

Não é um fim.

É um horror.

Twin Peaks – The Return (3ª Temporada): Part 17 e 18 (EUA, 03 de agosto de 2017)
Direção: David Lynch
Roteiro: Mark Frost, David Lynch
Elenco: Kyle MacLachlan, Chrysta Bell, James Belushi, Jonny Coyne, Giselle DaMier, Owain Rhys Davies, Laura Dern, Josh Fadem, Eamon Farren, Sherilyn Fenn, Jay R. Ferguson, Miguel Ferrer, Pierce Gagnon, David Patrick Kelly, Robert Knepper, Andréa Leal, Jennifer Jason Leigh, Bellina Logan, Clark Middleton, Don Murray, Tim Roth, Amy Shiels, J.R. Starr, Naomi Watts
Duração: 59 e 57 min.

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