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Crítica | Tusk: A Transformação

Criando o absurdo.

por Felipe Oliveira
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Conhecido pelo estilo inusitado e criativo de fazer comédia, após algum tempo longe das câmeras e escrita, em 2014, Kevin Smith voltava aos moldes que o consagrou: explorar os limites de uma história com sua abordagem. Se inspirando em um episódio apresentado no seu podcast Smodcast, ao lado do amigo e produtor Scott Mosier, Smith se desafiava a reconstruir um falso anúncio sobre um proprietário que oferecia um alojamento gratuito caso seu inquilino aceitasse se vestir e se comportar como uma morsa. O fruto das hipóteses que discutiam pôde ser visto em Tusk: A Transformação, projeto concebido pela urgência de causar sentimentos opostos ao seu trabalho anterior não tão bem visto, Seita Mortal, sendo Tusk uma tentativa de comédia repugnante que o cineasta queria provocar.

Distribuído pela A24, Smith conseguiu atingir o âmago que pretendia com Tusk: uma comédia desconcertante em algum canto da doentia história, mas acima de tudo, lembrado como um filme estranho e com planos de ser uma trilogia. Se A Divina Comédia serviu como base para o besteirol adolescente nerd O Balconista, em Tusk, o anúncio lido virava uma história de vampiro com uma proposta nunca vista antes: não mais a narrativa gótica sobre sugadores de sangue, e sim, a lúdica trama de um homem que virou morsa. Seria simples dizer que Smith jogava uma pitada de paródia com seu filme, mas assim como a divulgação que remetia a um conto vampiresco, a alusão era só a superfície dos absurdos que a curta premissa de um artigo seria colocada.

O proprietário e seu inquilino se tornava, então, um homem na terceira idade morando numa casa isolada e um podcaster caçando mais uma história humilhante e catastrófica para ridicularizar no seu programa, respectivamente, não sabendo o famoso Wallace (Justin Long) que seria o centro numa espécie de releitura de O Conto do Velho Marinheiro, poema de Samuel Taylor Coleridge, refletida numa história com ares de uma mistura genérica de filmes slashers, casa mal assombrada e o conde Drácula. A todo tempo, em sua execução, Smith remetia Tusk a várias coisas: uma comédia de humor ácido, uma comédia independente, um suspense, e até um mockumentary sobre podcasters, e nas intenções mais tortas do roteiro, o filme podia ser visto como um mórbido conto sobre a lei do retorno protagonizado por um apresentador buscando por relatos sensacionalistas, mas era só Smith mostrando que um simples artigo poderia ser perturbador.

Por um momento, havia algo interessante em abraçar o humor ridículo enquanto Smith atiçava sobre vários gêneros e narrativas e desviava disso em seguida, porém, Tusk ia perdendo o fio da ironia conforme o filme assumia o absurdo sem qualquer outro propósito. E ainda que a produção não fosse o melhor exemplo do estilo do cineasta, servia como uma experiência para o que a história estava contando: por mais que as situações estúpidas com o que o protagonista nada simpatizante se envolvia, tudo fazia lembrar um típico thriller onde ele deveria lutar por sua vida contra o maníaco que entrevistava, porém, A Transformação era levado por um caminho que quebrava essas expectativas e nuances de outros gêneros e buscava por um horror visual incomodativo, com o poema de Coleridge sendo uma alegoria de um experimento de um serial killer fixado em obter redenção nos seus crimes.

Quando a narrativa passava a brincar com o melodrama de reviravoltas e resoluções e trazia a participação de Johnny Depp como um detetive – o que fazia acenos para filmes sobre serial killers – ficava claro que qualquer referência seria usada como uma piada a histórias do tipo, uma ironia para um filme que não pretendia terminar bem, e ainda assim, não deixava esquecer dos rumos chocantes de acompanhar um homem ser transformado em morsa, um carma para a profissão que exercia. Mesmo que não imprimisse isso de forma assumida, havia uma crítica de Smith ao propor um protagonista babaca em seu filme, uma crítica a cultura do voyeurismo da geração milenar.

Tão absurdo quanto o anúncio falso que o inspirou, Smith fazia de Tusk um conto mórbido parecer real e isso foi possível ao utilizar os subgêneros do terror como recurso narrativo e por não perder de vista o pessimismo que encontraria o destino do protagonista, que afinal, não descobriu outro personagem para ser chacota do seu programa, mas foi desafiado a responder uma dúvida antiga: seria o homem uma morsa de coração?

Tusk: A Transformação (Tusk – EUA, 2014)
Direção: Kevin Smith
Roteiro: Kevin Smith
Elenco: Justin Long, Michael Parks, Haley Joel Osment, Genesis Rodriguez, Johnny Depp, Harley Quinn Smith, Lily-Rose Depp
Duração: 102 min.

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