Home QuadrinhosOne-Shot Crítica | Turma da Mônica – Clássicos do Cinema: O Bugado

Crítica | Turma da Mônica – Clássicos do Cinema: O Bugado

por Leonardo Campos
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Na ocasião de lançamento da nova versão de O Grito, em fevereiro de 2020, coincidentemente ou não, os editores dos estúdios Maurício de Sousa publicaram um número novo para o nicho Clássicos do Cinema, com a Turma da Mônica mais uma vez envolvida em aventuras e mistérios que tem como ponto de partida, filmes populares parodiados por meio de uma história única, desenvolvida com base nos principais elementos da obra que serve de espelho, neste caso, O Chamado, adaptado por Gore Verbinski, filme precursor do interesse por Hollywood em traduzir para o ocidente, todo material possível produzido pelos orientais, conteúdos que delineiam o medo e o horror por vias que ainda causam estranhamento em nossas estratégias narrativas cheias de especificidades.

Nas 50 páginas de O Bugado, nos reencontramos com a mitológica trajetória de Samara Morgan e a sua fita amaldiçoada, algo que ganha as devidas transformações no processo adaptativo inteligente e bastante divertido. Com roteiro de Carlos Estefan e desenho de Altino Lobo, a edição especial traz uma introdução semelhante ao que é proposto no filme. Aqui, Mônica e Magali conversam sobre a maldição da fita, sendo que uma delas já assistiu anteriormente. Observe:

Interessante observar o cuidado que Giba Valadares, Kaio Bruder, Marcelo Conquista e Mayra Adati, a equipe responsável pelas cores, tem ao desenvolver uma adaptação originada da versão ocidental desta história, em especial, ao clima proposto pela atmosfera de Bojan Bazelli e Tom Duffield, diretor de fotografia e design de produção, respectivamente, de O Chamado. Os tons de cinza mesclados ao azulado, com presença do verde quase musgo, nos remetem ao filme, ao poço onde Samara foi despejada, enfim, aos elementos que observamos na produção de 2002 e em suas inferiores incursões posteriores. O marrom, como contraste dos outros tons, juntamente com as sombras e a iluminação para nos reforçar que estamos numa cena noturna, por isso, provavelmente mais assustadora, estabelecem o bom clima da abertura.

Depois das revelações iniciais, Magali é “levada” pela figura misteriosa de cabelos escorridos para frente. É quando a história parte para Denise, uma personagem da Turma da Mônica loira, semelhante ao estilo de Naomi Watts no filme de 2002. Ela está na escola, representando os pais do menino Dudu, tendo como missão compreender o que a professora tem para falar sobre o comportamento da criança que aparentemente está perturbada e desenhando coisas estranhas. Logo, a história corta para Cascão comentando com Denise sobre Magali ter “bugado”. Aparatos tecnológicos também pifaram depois do acontecimento e algo relacionando tecnologia e mistério se estabelece em cena. Interessante observar que a loira que protagoniza a investigação nesta versão em quadrinhos escreve para um blog e assume uma rede social, elementos que estão correlacionados com a função de Rachel, jornalista em O Chamado.

Ela segue rumo ao desvendamento desse mistério inicialmente pensado como algo banal, mas visto por uma ótica de oportunidades. De maneira muito humorada, percebe que vários personagens da turma, inclusive Titi, conhecem o conteúdo que já se espalhou vertiginosamente. É o garoto de cabelos negros e constantemente a apresentar falas inteligentes nos gibis deste universo que reforça para Denise o suporte onde se encontra o vídeo amaldiçoado, um pen drive, não a fita que alguns até ironizam na história e dizem nem se saber do que se trata. Aqui, temos uma engraçada observação dos elementos que marcaram gerações distintas em tempos nem tão longínquos um do outro, afinal, da extinção comercial da fita VHS para o estabelecimento do DVD como mídia principal tivemos poucos anos, algo com menos de uma década de substituição.

Na continuidade da história, Denise segue em sua análise dos fatos e é levada por um caminho, como já visto desde o início, parodicamente traçado para ser metalinguagem das boas do filme que serve como ponto de partida. Vemos a foto de Magali com elementos turvos e estranhos, clicadas logo depois da jovem ter acesso ao conteúdo do vídeo, contemplamos a sua ida ao local desta fotografia, a primeira sessão do vídeo, trecho que sai da história rapidamente para criar uma sequência de quadros que nos inserem no conteúdo do material amaldiçoado. Tal como o material audiovisual de Samara Morgan, aqui temos uma série de situações aleatórias, compreendidas apenas quando há uma junção das peças que explicam a história e os motivos que levaram a produção a ser um conjunto de imagens malditas.

Denise recebe a sua ligação que define os sete dias que antecipam o seu “bug”. O que acontecerá é um mistério e a jovem parte em busca de respostas para elucidar o problema e salvar a si mesma e aos que gravitam em torno de seu cotidiano. No dia 01 ela mostra o vídeo para Cebolinha e o faz, mesmo contra a vontade do rapaz, ajuda-la na investigação, no dia 02 ela conversa com Mônica em busca de respostas, o dia 03, aparentemente perdido por algum problema editorial, não aparece para o leitor acompanhar, nos restando apenas o dia 04 e o que segue. É nessa ocasião que ela interpreta a goiaba que aparece no material como uma possível resposta para a sua instigante jornada sobre o conteúdo do vídeo. Ao acessar o espaço virtual, descobre um misterioso caso sobre goiabas e um empreendedor rural, Chico Bento. É uma das primeiras respostas encontradas para resolução do caso.

Interessante que na abertura do quarto dia, quadros apresentam a vida urbana da cidade onde Denise mora e podemos perceber que os aspectos visuais demonstrados corroboram com uma espécie de crítica ao fluxo de mídias excessivo que nos cerca, com um amontoado de torres, antenas, fios e outros elementos que nos remetem ao midiático mundo que habitamos. Na sequência do dia, temos a bola de pelos do gato de Denise a engasga-la, semelhante aos fios puxados pela personagem de Naomi Watts na sequência de um pesadelo que culmina na aparição da menina misteriosa numa sala, diante da TV a observar o seu próprio vídeo. Denise desperta aterrorizada, mas as marcas da mão em seu braço demonstram que há algo a mais para crer que aquilo vai ser difícil de encarar. E a sua resposta está na sala, ao levantar e ver que o pequeno Dudu também assistiu ao vídeo. Agora será preciso correr mais.

Ao deixar o menino esperando com Cebolinha enquanto ela visita a tal fazenda com o mistério das goiabas, as respostas começam a aparecer rapidamente. Descobre-se que Rosinha se foi, uma praga assolou a plantação de Chico Bento e estragou as frutas em questão, a prima de sua companheira, Tamara Morgana, viveu no local por um tempo, desejou ir embora, mas sofreu um acidente e caiu no poço que é marca deste universo oriundo da macabra história japonesa. As descobertas aparentemente libertam as pessoas da maldição. Com o problema supostamente resolvido, Denise e Cebolinha seguem de volta para casa. Mas Tamara Morgana aparece novamente. E será o próprio Cebolinha a pessoa responsável por compreender a jornada da garota maldita e entender as suas motivações macabras.

No desfecho, o que temos é uma humorada crítica sobre como a cultura do compartilhamento de mensagens no acompanha há eras, mas visto pelo lado tóxico por aqui, desde as correntes distribuídas por e-mail, numa alusão ao vídeo em VHS e os e-mails, ao atual cenário das redes sociais, curtidas e demais recursos que tornam a vida das pessoas balanceadas por quem é ou não popular no campo da cibercultura. Mesmo que seja compreendida por quem desconhece o ponto de partida metalinguístico, O Bugado é uma edição para quem entende do universo de Samara Morgan e O Chamado. A referência visual por aqui é o filme de 2002, refilmagem estadunidense da produção japonesa de 1998, numa história em quadrinhos que mescla traços do cinema ocidental com os desdobramentos orientais que fizeram parte dos interesses da indústria cinematográfica durante um longo período da década de 2000.

O Bugado– Turma da Mônica (Clássicos do Cinema #67) – Brasil, 2020
Roteiro: Maurício de Sousa, Felipe C. Ribeiro
Arte: Tatiana M. Santos e Wagner Bonilla
Cores: Diogo Nascimento, Giba Valadares, Marcelo Conquista, Mário Souza
Editora: Panini Comics, Mauricio de Souza Editora
Páginas: 50

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