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Crítica | Turistas (2006)

por Leonardo Campos
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O cinema é um agente cultural com capacidade de significância ao fabricar alguns sentidos que nem sempre reproduzem uma realidade, o que culmina numa definição errônea de determinados espaços ambientados em suas narrativas, tal como o caso de Turistas, de John Stockwell, cineasta conhecido por outras aventuras, entre elas, Mergulho Radical e A Onda dos Sonhos. Inicialmente projetado para ser filmada na Guatemala, a narrativa ganhou o Brasil como destino, com a necessidade de alteridade dos personagens sendo limitada por conta do banho de sangue e da violência que se estabelece no que deveria ser o retrato de férias paradisíacas.

Produzido pela Fox Atomic, uma subsidiária da 20th Century Fox, a mesma produtora da família Simpsons, Turistas estreou em 16 de fevereiro de 2007, alvejado pela crítica e considerado infame por muitos brasileiros por conta da pintura metonímica que faz do Brasil. No discurso perpetuado pelos estereótipos apresentados no filme, há um ciclo de repetição e reprodução de imagens cristalizadas que não cessa, o que não problematiza a questão, ao contrário, retifica a marginalização. O estereótipo não é necessariamente uma falácia, mas uma redução. Quando visto sem as ferramentas adequadas (bom senso e senso crítico), pode tornar-se um perigo comunicacional.

Em O Local da Cultura, dentre tantas questões, Homi Bhabha faz uma análise dos estereótipos, associando-os aos Estudos Culturais, apontando que muitas imagens errôneas de determinadas culturas estão nos textos coloniais, materiais que trazem em detalhes, comportamentos luxuriosos e anarquistas, cenas de selvageria e canibalismo, medo e desejo, o que nos remete ao roteiro do filme em questão, assinado por Michael Arlen Ross, profissional que em entrevista ao Los Angeles Times, afirmou ser o texto baseado em dados da realidade, coletados em suas pesquisas. Para escrever o material dramatúrgico ele viajou com o cineasta John Stockwell por três meses: passeou por São Paulo e pelo litoral baiano, provou caipirinha, tomou ônibus para se inspirar na absurda cena de abertura.

Ele alega que algumas informações assustadoras não são boatos, mas baseadas na realidade. Em seu relato, aponta que escutou no rádio uma história sobre um boato na América Latina, local onde supostamente, europeus e estadunidenses sequestravam crianças para retirar os seus órgãos e vender no que ele intitula de “mercado negro”. Por conta deste boato, alguns turistas são atacados na região, o que culminou na roteirização da história em questão. Na produção, os estadunidenses Bea (Olivia Wilde) e Alex (Josh Duhamel) estão de férias no Brasil, acompanhados da amiga Amy (Beau Garret). Ao chegar eles tomam um ônibus velho e clandestino para continuar a viagem, mas o motorista perde o controle do veículo e capota em plena estrada sinuosa. Com o desastre, o conflito se estabelece: não há sinal de celular e as pessoas são hostis e mal-educadas.

Sem saber como proceder para dar continuidade ao destino, afinal, só haveria outro ônibus no dia seguinte, eles acabam por conhecer Pru (Melissa George), uma turista que conhece a língua portuguesa e os ajuda a se acalmar. Juntam-se ao grupo Finn (Desmond Askew), Liam (Max Brown) e um casal de mochileiros. Eles decidem ir para a praia mais próxima. Ao chegar, divertem-se com caipirinha, futebol e um nativo aparentemente “gente boa”, Kiko (Agles Steib). Enquanto os jovens se divertem, a atendente do quiosque Camila (Andréa Leal) liga para o antagonista da trama para informar que “os gringos chegaram”, isto é, a carnificina pode começar, no mesmo estilo Jogos Mortais e O Albergue, só que esteticamente inferior e dramaturgicamente desinteressante. O vilão não usa máscara, tampouco garras afiadas: ele é um médico, o Dr. Zamora (Miguel Lunardi), cirurgião que não tem interesse em matar os turistas para mera diversão, mas recolher os seus órgãos, tendo em vista dar conta dos transplantes do hospital público em que atua no Rio de Janeiro, cidade apenas citada, haja vista o filme se situar num local incerto no âmbito ficcional, mas constar nas notas de produção que foi filmado entre Lençóis (Bahia), Ubatuba e na Cachoeira de Prumirim (ambas as localizações em São Paulo).

Depois da noitada de festa, os turistas caem no golpe da droga “boa noite Cinderela” e quando acordam, descobrem que foram saqueados. Kiko oferece ajuda, o que aparentemente resolverá as coisas, quando na verdade é o responsável pela ligação dos turistas com os algozes. No caminho para a resolução dos problemas, um dos personagens descobre o seu boné roubado com uma criança. Ele a persegue e toma o adereço, mas antes acerta a criança com uma pedra, o que culmina na revolta da população próxima ao acontecimento, tornando a travessia dos turistas num caos ainda maior. É quando são informados por Kiko que não há policiamento na região e o único responsável por tais questões é um velho aposentado.

Para ajudar na climatização, a ágil edição de Jeff Mc Evoy une a composição musical original de Paul Haslinger com a trilha sonora bem “brasileirinha”: Do Jeito que o rei mandar, Vai vendo e Qual é, de Marcelo D2; Fico assim sem você, na voz de Adriana Calcanhoto; Kabaluerê, de Antonio Carlos e Jocafi; Vidro Fumê, de Mc Tam; Solta o frango, do Bonde do Rolê, etc. Parafraseando Shakespeare, Turistas “faz muito barulho por nada”. Tanta polêmica deveria resultar num filme ao menos intrigante, mas a produção é muito abaixo de outros filmes com mesma perspectiva, tal como o já citado O Albergue, trama com maior sensibilidade estética. O presidente da Embratur correu atrás de editoriais e reportagens positivas, tendo em vista ajustar o reflexo das imagens ao turismo brasileiro.

Os brasileiros envolvidos na produção acharam a recepção local muito exagerada. Para o produtor Raul Guterres, é preciso que nós mudemos a nossa imagem para que o olhar se modifique. Ele afirma que os estrangeiros tem medo é de Ônibus 174, filme que deflagra o despreparo da nossa polícia. Andrea Leal, atriz que já havia feito personagens em novelas globais afirmou que o roteiro é uma consequência da imagem que os brasileiros passam para fora. Ela disse que o filme era uma grande oportunidade de pensar na mudança. Ambos, produtor e atriz, possuem relativa razão, mas não foi isso que aconteceu quando a polêmica se dispersou pela mídia, principalmente pelo material de publicidade realizado para o filme, um site intitulado paradisebrazil.com, portal que tinha como conteúdo, ações do PCC em São Paulo, sequestros no Brasil para tráfico de órgãos, mulheres mortas numa praia deserta e produção de snuff movies, famosos filmes que, segundo reza a lenda, são realizados com cenas reais de morte e violência.

Quando assistido em paralelo com o episódio da família Simpsons, Turistas apresenta-se como o paradoxo da liberdade sexual e do país onde a festa não acaba nunca. Na animação as pessoas sambam o dia inteiro e precisam chegar aos seus destinos através de uma linha de Conga. A sexualidade ambígua é um traço marcante, tal como a violência, apresentada de maneira humorada. No filme, não há espaço para brincadeiras: a violência é avassaladora e o Brasil é um horror, pois os turistas podem ser saqueados a qualquer momento, além do risco de sequestro, tendo em mira a comercialização dos seus órgãos no mercado ilegal.

A violência, no entanto, incomoda ao passo que é também, de alguma maneira, redutora: num país onde os traficantes e criminosos portam armas de fogo, os bandidos de Turistas guardam a imagem do painel colonial, com homens portando facões e arcos com flechas para atacar as suas vítimas. O primitivismo que se acentua na narrativa reforça o Brasil como terra do contrário, atrasada e extremamente violenta É uma espécie de reversão do cartão-postal do Rio de Janeiro, no entanto, algo que abre precedentes para problematização, pois apesar da inquestionável qualidade técnica de filmes como Cidade de Deus e Tropa de Elite, temos uma crescente produção cinematográfica que apresenta a violência e a miséria pelas vias da espetacularização, o que culmina no sensacionalismo e, consequentemente, nos estereótipos.

Cabe, entretanto, aos roteiristas e realizadores interpretarem os dados e tratarem as imagens com a devida adequação, mas, como estamos falando de indústria cultural e processo de produção capitalista, leia-se, ritmo veloz e pensamento dinâmico, há pouco espaço para a reflexão. São os perigos de uma sociedade que se organiza em torno de simulacros, expostas aos perigos da representação míope. Apesar de o mito da liberdade sexual não ser um dos principais conflitos em torno do qual gravita o enredo de Turistas, cumpre salientar que as poucas mulheres brasileiras que aparecem são vulgares e comportam-se como prostitutas sem caráter. No final das contas, todas estas representações fazem parte de um terreno minado que cria um bloco de imagens compactas, redutoras e indissociáveis.

Turistas — (idem/Estados Unidos, 2006)
Direção: John Stockwell
Roteiro: Michael Ross
Elenco: Beau Garrett, Desmond Askew, Josh Duhamel, Max Brown, Melissa George, Olivia Wilde, Agles Steib, Andrea Leal, Miguel Lunardi, Max Brown, Desmond Askew
Duração: 94 min.

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