Esse é um daqueles filmes que estão marcados na lista há bastante tempo, mas que encontrou o momento adequado para ser conferido. É uma produção que sabemos o grau de ruindade só de olhar para o cartaz e conferir a sinopse. A imitação de passagens do clássico moderno de Spielberg é inevitável. O resultado é um desastre, algo muito divertido de contemplar, haja vista o malfadado exercício de referenciação exagerado, repleto de cenas absurdas, com um tubarão que não é antropomorfizado, mas transformado num dinossauro com força para derrubar helicópteros, etc. Nada contra a nossa suspensão momentânea da crença, afinal, a literatura nos permite isso. Algumas interações com a arte, no entanto, trazem limites para quem é o apreciador e neste caso, Tubarão Cruel é demasiadamente sério e a impressão do riso preso dentro de cada membro do elenco é o que torna tudo ainda mais humorado. Continuação não-oficial, intitulado Jaws 5 no projeto, a narrativa foi lançada por aqui na era do VHS e como telefilme nos Estados Unidos.
Ao assistir, lembro-me das considerações sobre o nosso fascínio em relação aos tubarões, comentados com sabedoria na densa pesquisa da jornalista Susan Casey em Os Dentes do Diabo. Ela afirma que conforme dados históricos, os marinhos europeus na era da expansão marítima do século XVI acreditavam que os tubarões tinham a capacidade de sinalizar desastres, pois quando um deles era visto seguindo um navio, todos ficavam alarmados. Para o povo havaiano, vários deuses eram representados pela figura dos tubarões. Alguns povos de ilhas do Pacífico consideravam as criaturas marinhas como reencarnação dos mortos, o que incluía nessa relação a oferenda de sacrifícios em altares subaquáticos. Guerras religiosas eram travadas entre tribos quando uma delas fazia churrasco com uma espécie que era totem sagrado da outra. É um legado antropológico extenso, presença firme no cinema, tal como podemos observar na extensa e exaustiva lista de narrativas de aventura e terror que englobam os tubarões.
Lançado em 1995, Tubarão Cruel foi dirigido por Brunno Mattei, cineasta guiado pelo roteiro escrito em parceria com Robert Feen e Linda Morrison, equipe inspirada no romance de Peter Benchley, o que coloca a produção numa celeuma de gênero cinematográfico. Seria o filme uma nova adaptação do livro, uma refilmagem televisiva do filme, uma continuação ruim ou mais uma aventura que imita a estrutura do roteiro do clássico? Como mencionado anteriormente, a produção foi projetada como continuação, mas não há a devida associação para isso, inclusive no que diz respeito ao tubarão, pois a espécie de Benchley e Spielberg não é um tubarão-tigre, claramente percebido nas cenas com o monstro marinho, aparentemente compradas de algum documentário ou arquivo jornalístico. São 93 minutos focados no padrão ataque inicial, jovens sedentos por sexo, prefeito e empreendedores em alvoroço econômico nas férias litorâneas de verão e uma equipe conscientizada para conter os danos. Ah, e aparece uma cena com um polvo. É, isso mesmo.
Para contar a história sobre os ataques de tubarão anormal numa região litorânea que contém um parque aquático e goza dos privilégios de uma vida marinha abundante, Tubarão Cruel nos introduz personagens esquemáticos: o policial dedicado, o biólogo voltado para a sua pesquisa, mulheres vitimadas por misoginia paterna e dos namorados, algo bem ficção dos anos 1990, jovens com os hormônios afetados e desinteressados pelos avisos de perigo e alerta nas águas locais, dentre outros elementos comuns ao gênero, traços que apresentam conforto aos espectadores que sentam diante de um filme assim e já sabem mais ou menos o que será exposto. O auge da bizarrice é a clássica cena com uma maratona em plena praia, com o tubarão faminto a ceifar vidas e alimentar-se de carne humana jovem, idosa, infantil, banquete apresentado pela errônea direção de fotografia da dupla formada por Luigi Ciccarese e Ben Jackson, imagens editadas por Brunno Mattei, em função múltipla na condução da aventura errante.
Na trilha sonora, Michael Morahan emula pequenos trechos inteiros de John Williams, o que deixa a sensação de imitação ainda mais escancarada, somado ao recurso da fotografia ao investir no ponto de vista para representar o tubarão que serpenteia o fundo do mar. Na seara dos efeitos, há poucas cenas com próteses e animatrônicos. O setor supervisionado por John Meads proporciona algumas passagens que não chegam a ser tão ruins como a maioria das imitações de Tubarão, mas que ainda assim são falhas. Pior que o tubarão é o elenco, em especial os jovens, excessivamente robóticos. E para finalizar, rapidamente de volta aos dados históricos presentes em Os Dentes do Diabo, segundo a autora, a palavra shark relaciona-se com o vocábulo alemão schurke, traduzido como “criminoso astuto. É uma palavra sublime, elegante, direta e aguçada, também associada a xoc, de origem maia, nome de uma divindade com traços semióticos de um peixe. É muita pompa para os tubarões, classe desrespeitada em Tubarão Cruel, divertido, mas bizarro demais ao se achar sério e científico demais.
Tubarão Cruel — (Cruel Jaws – Estados Unidos, 1995)
Direção: Brunno Mattei
Roteiro: Robert Feen, Linda Morrison
Elenco: Richard Dew, David Luther, George Barnes Jr., Scott Silveria, Gregg Hood, Carter Collins, Natasha Hetzer, Larry Zience
Duração: 93 min.