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Crítica | Tubarão: A Restauração

A restauração de um clássico moderno da Universal.

por Leonardo Campos
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Você pode até nunca ter assistido, mas provavelmente sabe que existe um filme chamado Tubarão, lançado em 1975, dirigido por Steven Spielberg com base no roteiro de Carl Gottlieb, tradução para o cinema do romance homônimo de Peter Benchley.  A trama, considerada um clássico moderno que estabeleceu um modelo de consumo, publicidade e propaganda, além de um subgênero cinematográfico, isto é, aquele não apenas com os tubarões como feras assassinas, mas um amontoado de outros animais selvagens, marcou época e ainda hoje é tema de reflexões. Em sua estrutura dramática, acompanhamos a saga de três homens focados na aniquilação de um aterrorizante tubarão branco responsável por trazer pânico e horror para os habitantes de Amity, uma cidade costeira estadunidense, sacudida em suas emoções em pleno verão. Por debaixo das camadas de entretenimento, os realizadores inseriram uma série de escolhas narrativas que transformaram os conflitos numa germinação de elementos que debatem capitalismo, corrupção, bem como o embate entre o homem e a natureza, um eco daquilo que podemos contemplar no século XIX com Moby Dick, romance de Herman Melville. São numerosas as possibilidades interpretativas, por isso, é considerado um clássico.

E, nesta posição de obra-prima da história cinematográfica, Tubarão adentrou na lista das produções para restauração, como podemos ver neste curta-metragem documental de 2012, dirigido com eficiência por Vance Burberry e editado de maneira dinâmica por Benj Thall. Elucidativo em seus poucos minutos, o documentário nos traz os depoimentos de pessoas envolvidas não apenas no processo de restauração, mas também na produção do filme lá em 1975, com opiniões que legitimam o status de clássico deste horror ecológico “quintessencial”, um marco no modo de fazer, divulgar e distribuir cinema. Somos informados que na agenda da Universal, esta narrativa não podia ficar de fora do esquema de restauração, afinal, estavam diante de um marco, patrimônio cultural valioso do estúdio. Assim, entraram em cena editores de som, coloristas, dentre outros, focados em renovar as imagens e os sons do filme.

Riscos nos negativos foram ajustados, as cores foram redesenhadas, a trilha sonora, levada para o formato 7.1, ganhou nova roupagem, num escaneamento para 4K, processo que permitiu a remoção de sujeiras, balanceamento da iluminação, em linhas gerais, os reajustes para a digitalização de uma narrativa de 1975, devidamente arquivada, mas sob os naturais efeitos do tempo. Todo processo, ficamos sabendo, foi acompanhado por Steven Spielberg. Essa preocupação por restauração de clássicos do cinema não é algo atual, mas já ocorre deste o surgimento do cinema sonoro, com os produtores a reorganizar as narrativas para mantê-las as salvo para o futuro, não apenas por interesses de arquivo, mas por compreender o potencial econômico desta estratégia. Restaurar é garantir, inclusive, relançamentos com extras abundantes para cinéfilos, críticos e demais apreciadores da memória cinematográfica.

Enquanto a cultura contemporânea insiste em reproduzir o esquema exaurido do tubarão como um vilão que acossa as suas personagens em filmes de diversos tipos, tais como Águas Rasas, Medo Profundo, Megatubarão, Terror na Água, dentre outros, alguns exímios em sua execução, outros ganhadores de postos privilegiados no império da bizarrice, o clássico dirigido por Steven Spielberg ainda continua mantendo o seu lugar como insuperável. Primeiro, porque é o ponto de partida para a formulação do subgênero em questão, segundo, porque possui um desenvolvimento dramático e narrativo não encontrado nos demais mencionados. Há elegância, charme e apuro estético que o mantém como único, em especial, pela textura percussiva de John Williams, reconhecida por qualquer pessoa, mesmo aqueles que não tenham aproximação alguma com o cinema. Restaurado, Tubarão se conecta com as demandas das plateias atuais, reforçando o seu caráter de clássico e permitindo que a sua qualidade seja mantida diante do processo envelhecimento natural de algo realizado há quase 50 anos. Nos últimos anos, Benchley e Spielberg deram depoimentos sobre o arrependimento por ter realizado o livro e o filme, respectivamente, pois leituras recentes apontam que as narrativas levaram o tubarão branco ao terrível status de espécie em extinção. Infelizmente, tarde demais.

Tubarão: A Restauração — (Jaws: The Restauration) Estados Unidos, 2012.
Direção: Vance Burberry
Roteiro: James Gelet
Elenco: Steven Spielberg, Roy Scheider, Richard Deyfruss, Laurent Bouzereau, Percy Rodriguez, Roger Kastel, Eli Roth, Robert Rodriguez, M. Night Shyamalan, Verna Fields, Joe Alves, Greg Nicotero, Kevin Smith, Bill Butler, Chris Kentis, Carl Gottlieb
Duração: 99 min.

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