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Crítica | Truth Be Told – 1ª Temporada

por Ritter Fan
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Apostando em um whodunit com camadas extras que abordam moralidade, ética jornalística e culpa, além de uma teia de laços familiares, o Apple TV+ investiu na adaptação de Are You Sleeping, romance de estreia da autora e advogada Kathleen Barber, por Nichelle Tramble Spellman, envolvida em 2017 na tumultuada e polêmica série Confederate, que acabou sendo cancelada antes de sequer ver a luz do dia. Funcionando como um veículo para o protagonismo de Octavia Spencer e também abrindo espaço para uma das poucas boas performances de Aaron Paul pós-Breaking Bad, a série, em formato de antologia, mantém o interesse do espectador aceso ao longo de seus 10 episódios, mas sem realmente criar soluções convincentes para o que é desenvolvido.

A premissa é daquelas que imediatamente cativam. Spencer é Poppy Parnell, uma ex-repórter do New York Times que construiu sua carreira a partir de uma premiada série de artigos sobre o brutal assassinato do escritor Chuck Buhrman (Nic Bishop) por seu vizinho de 17 anos Warren Cave (Hunter Doohan quando adolescente, Paul quando adulto) e que, hoje, é uma respeitada podcaster investigativa sobre crimes reais. Depois de assistir a uma audiência que, sem sucesso, tenta reabrir o caso Buhrman de 19 anos atrás, ela começa a desconfiar da inocência de Warren e parte para investigar o caso e fazer uma série de podcasts sobre seus achados. No entanto, o então jovem condenado à prisão perpétua é, hoje, um adulto amargo que foi albergado pela Aryan Brotherhood, odiosa gangue de supremacistas brancos da prisão de San Quentin (que, de fato, surgiu nesta prisão quando na época em que a segregação prisional acabou e condenados negros e brancos foram misturados em apenas uma localidade).

O dilema moral de Poppy é evidente, pois como ela pode justificar a ajuda a um nazista sendo ela própria uma mulher negra? Por outro lado, se ela própria influenciou, com seus artigos inflamatórios, a condenação de Warren e ela agora desconfia que agiu precipitadamente e que existe espaço para dúvida, não teria ela a obrigação, como jornalista, de fazer o que for possível para desencavar a verdade? Sem dúvida alguma, é esse o aspecto que prende a atenção do espectador, muito provavelmente dividindo opiniões, mas curiosamente é também esse dilema que é o mais “facilmente” mitigado nos dois primeiros episódios, mesmo que as consequências das ações de Poppy para salvar Warren reverberem em todos os lados da vida dela, seja afetando seu relacionamento com o marido Ingram Rhoades (Michael Beach), bem-sucedido advogado de São Francisco e também com seu pai Leander “Shreve” Scoville (Ron Cephas Jones, excelente), hoje dono de um bar, mas que viveu uma vida de crime.

No entanto, os ecos do que Poppy faz existem muito mais por sua obsessão em revirar o caso de quase 20 anos como uma forma quase que exclusivamente egoísta de expiar seus próprios pecados pretéritos do que pela construção conflituosa por natureza de sua relação com Warren. Poppy não se deixa desanimar com nada, importunando a vida de todos ao seu redor imediato e das famílias Cave, especialmente a mãe e o pai de Warren, Melanie (Elizabeth Perkins), que está morrendo de câncer e Owen (Brett Cullen), agora Chefe de Polícia e Buhrman, especialmente as filhas gêmeas do falecido, Lanie e Josie (Lizzy Caplan). O espectador logo percebe que há segredos montados em cima de segredos, em uma rede intricada de silêncio e mistério que vai sendo revelada a conta-gotas e, irritantemente, por uma sucessão quase que ridícula de suspeitos que vão sendo acusados por Poppy sem qualquer prova contundente, na base do achismo e de seu gosto pessoal sobre determinada pessoa, além de sua recusa em deixar o caso de lado depois de sofrer derrotas.

A atitude Poppy na base do “se não foi fulano, então sem dúvida é cicrano” pode ser vista de duas formas: uma, como uma crítica ao jornalismo investigativo irresponsável e duas, como uma falha de caráter da protagonista. Não são conclusões mutuamente excludentes, notem bem, mas tanto uma quanto outra – ou uma fusão delas – cria cacoetes narrativos que colocam a temporada inaugural em um redemoinho repetitivo que coloca um, dois, três, quatro, cinco ou mais suspeitos em sucessão que ganham suas abordagens específicas e nem todas bem encaixadas na história como um todo, como é o caso do próprio pai de Warren que demonstra ter tido atitudes no passado que são explicadas de maneira muito fácil e pouco crível em todo o contexto que é construído.

Além disso, os roteiros tentam criar dramas pessoais passados para Poppy – além da culpa central pela condenação de Warren, claro – que simplesmente não se conectam umas com as outras ou elas com a trama principal. É o abandono dela pelo pai quando ela tinha nove anos, é seu antigo relacionamento amoroso com o ex-policial Markus Killebrew (Mekhi Phifer), é sua relação com as irmãs. A impressão que dá é que esses assuntos só são introduzidos para expandir artificialmente o número de episódios, já que eles não conversam com a narrativa e sequer dão o estofo para o desenvolvimento de Poppy.

E, com isso, o que realmente sobra é a conexão de Poppy com Warren e a forma como o roteiro relativiza – compreensivelmente, nas circunstâncias – o nazismo de Warren. Spencer e Paul estão excelentes na temporada, sejam contracenando nas poucas vezes em que isso é organicamente possível, sejam separados, cada um lidando com sua vida. Vemos duas almas torturadas tentando encontrar um caminho minimamente iluminado em um breu total que os impede de seguir em frente e os dois atores realmente se entregam a seus respectivos papeis sem reservas, construindo pessoas críveis apesar dos problemas às vezes enfurecedores que os roteiros criam.

Truth Be Told é uma história fascinante que, porém, vai perdendo o frescor na medida em que avança, se é que posso dizer que ela avança mesmo. Havia uma poderosa narrativa de culpa, perdão, preconceito e dor a ser contada em algo como a metade da duração se a showunner não insistisse em fazer todo mundo de culpado ou em lidar com problemas pessoais da protagonista que não comunicam absolutamente nada sobre o que está sendo contado. Mas pelo menos temos Octavia Spencer e Aaron Paul para admirarmos.

Truth Be Told – 1ª Temporada (EUA, 06 de dezembro de 2019 a 10 de janeiro de 2020)
Criação: Nichelle Tramble Spellman (baseado em romance de Kathleen Barber)
Direção: Mikkel Nørgaard, Rosemary Rodriguez, Sarah Pia Anderson, Tucker Gates, Loni Peristere
Roteiro: Nichelle Tramble Spellman, Chitra Elizabeth Sampath, Davita Scarlett, Matt Johnson, Michael Kastelein, Darla Lansu, Alexandra Salerno, Leonard Dick
Elenco: Octavia Spencer, Aaron Paul, Hunter Doohan, Lizzy Caplan, Elizabeth Perkins, Michael Beach, Mekhi Phifer, Tracie Thoms, Haneefah Wood, Ron Cephas Jones, Katherine LaNasa, Tami Roman, Nic Bishop, Annabella Sciorra, Molly Hagan, Billy Miller, Everleigh McDonell, Brett Cullen
Duração: XX min. (10 episódios)

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