Existe “algo” de muito atual em Trumbo – A Lista Negra, cinebiografia de um dos mais famosos roteiristas da história da indústria hollywoodiana, Dalton Trumbo, responsável por assinar o texto dramatúrgico filmes renomados, dentre eles, Spartacus e A Princesa e o Plebeu. Ao observar o desenvolvimento dos personagens, a condução da história e os acontecimentos políticos que permeiam o período interno da narrativa, percebemos que os nomes se modificam, o tempo e o espaço também, mas os embates políticos que dividem os eixos entre capitalistas e comunistas, direitos e esquerdos, bons e maus, bem como outras dualidades presentes em nossa conjuntura social continuam e continuarão firmes por eras.
Em tempos de crises, golpes políticos e perseguições que às vezes acabam tragicamente, a trajetória de Trumbo é uma representação cabal da tensa malha social que nos inserimos. Os temas ditos universais estão todos lá, gravitando em torno do protagonista: amor, ódio, traição, etc. Sob a direção de Jay Roach, guiado pelo roteiro de John McNamara, Trumbo – A Lista Negra é interessante e ponto de partida para debates acerca de um importante momento da memória do cinema no século XX.
Longe do cuidado narrativo peculiar ao personagem biografado, o roteiro tenta erguer uma história edificante e consegue, mas não deixa de demonstrar que poderia ter se esforçado para narrar melhor os fatos que por si só agoniam o espectador sem um filme para ilustrar. Diante disso, McNamara e Roach tinham uma missão nada fácil, cumprida dentro da média.
Brilhantemente interpretado por Bryan Granston, o personagem é a personificação da teimosia e do temperamento difícil, características que somam ao brilhantismo nas ideias e postura sempre corajosa. Chamado de “soviético de piscina”, Trumbo era um roteirista de sucesso, repleto de prestígio e circundante nos eventos sociais, mas que não deixava de defender os trabalhadores de classes menos abastadas, como por exemplo, os carpinteiros responsáveis pelos cenários de uma produção em que esteve envolvido. Tido como um dos Dez de Hollywood, Trumbo foi oprimido exaustivamente.
Certo dia, ele descobre que fora incluso na “lista negra” hollywoodiana, parte do projeto anticomunista de Joseph McCarthy, senador que esteve no comando do Comitê de Atividades Antiamericanas. Sem ter a possibilidade de assinar contrato com nenhum produtor de Hollywood, Trumbo adentra numa tenebrosa fase, período que mexe com duas searas basilares de sua vida: a pessoal e a profissional. A primeira por conta da crise diante da família, do nervosismo diante da opressão, o que respinga no trato com todos ao seu redor. O segundo por conta das limitações iniciais que se transformam em redução total de acesso ao sistema de produção, culminando até mesmo na escrita sob um pseudônimo.
Ele é constantemente perseguido pela midiática Hedda Hooper (Helen Mirren), personagem que causou furor com as suas notas de imprensa, responsável por enterrar muitas carreiras promissoras em Hollywood após a Segunda Guerra Mundial, isto é, o período conhecido por Guerra Fria, época de medo da ameaça comunista na terra do american way of life. Em 1948, a MPAA (Motion Picture Association of America) adentrou no processo de regularização da censura e os problemas pulularam, tendo a censura como forte inimiga da criatividade.
Esquemático, mas interessante, a cinebiografia se ergue com personagens envoltas numa redoma maniqueísta. Os bonzinhos são muito legais, planos, perfeitos como a primeira versão da namorada idealizada do protagonista de Ruby Sparks – A Namorada Perfeita. Os malvados, no entanto, operam bem as suas ações maléficas. Não possuem dualidade, pois estão na trama para exercer, exclusivamente, a opressão diante dos projetos do protagonista, neste caso, Trumbo, num jogo bem arquitetado de oponentes e adjuvantes, tal como os manuais de roteiro exigem.
Uma boa ilustração para a afirmação é a personagem de Helen Mirren. Despida de humanização, ela funciona apenas para o mal. Inserida na narrativa apenas para ser a antagonista padrão, que por sinal, aparece pouco em cena, diante da sua importância nos conflitos gerados na vida do protagonista, Hedda Hooper, tal como Edward G. Robinson (o “traidor”), mereciam construções mais esféricas, tendo em vista tornar a história potencialmente dramática em algo, talvez, arrebatador. Devo ressaltar, no entanto, que Trumbo – A Lista Negra está longe de ser um filme ruim.
Diante do exposto, a questão: isso é um problema? Não necessariamente, pois por mais que os personagens estejam nessa “malha xadrez” tecida com perspectivas duais, avançam como tipos interessantes, mesmo que caricatos. No entanto, caso fossem construídos com mais humanidade, talvez funcionassem de maneira favorável ao filme em si, tornando a experiência dramática mais humana e psicologicamente aprofundada, o que injetaria um tom mais crítico ao que é apresentado ao espectador.
Conduzido pela trilha sonora de Theodore Shapiro, Trumbo – A Lista Negra faz o possível de acordo com o roteiro entregue por McNamara. A direção de fotografia de Jim Denault capta adequadamente os ambientes e situações, com eficientes momentos dramáticos. O design de produção de Mark Ricker idem. A montagem de Alan Baumgarten emprega constantes elipses, o que dá ritmo ao filme. São profissionais que unidos, reconstituem uma época de contrastes, de brilho e trevas, questões tão duais quanto os personagens descritos anteriormente.
Lançado em 2015, o filme resgata uma memória potencialmente dramática, vergonha total para a história de uma nação tão avançada culturalmente. Ao longo de seus 124 minutos, Trumbo – A Lista Negra nos apresenta a deterioração de um artista, conhecido por seu processo peculiar de escrever dentro de uma banheira, tal como Marat, jornalista influente na época da Revolução Francesa. Ele foi um “gênio” limitado pelas investidas de Joseph McCarthy, político que acusou, sem provas, além de julgar e até mesmo “eliminar” pessoas tidas como comunistas.
Conforme os dados, o macartismo vigiou 653 pessoas entre 1953 e 1954. Uma verdadeira paranoia. Como complemento, Culpado por Suspeita, de Irwin Winkler, pode ser uma narrativa para somar nas ilustrações de uma época conhecida pela limitação da arte diante de posturas políticas, fase onde “vigiar e punir” era a regra básica do momento. Tenso.
Trumbo: Lista Negra (Trumbo, EUA, 2015)
Direção: Jay Roach
Roteiro: John McNamara baseado no livro de Bruce Cook
Elenco: Bryan Cranston, Helen Mirren, John Goodman, Diane Lane, David Maldonado, David James Elliott, Louis C.K., Roger Bart, Adewale Agbage, Elle Fanning, Dean O’Gorman, Rick Kelly
Duração: 124 minutos.