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Crítica | True Detective: Terra Noturna – 4ª Temporada

Frio, escuridão, corrupção e morte.

por Ritter Fan
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  • Leiam, aqui, as críticas das demais temporadas. 

Apesar de reconhecer que a primeira temporada de True Detective continua sendo a melhor e mais refrescante, eu gostei muito da segunda, que foi para um caminho bem diferente do que talvez muita gente esperasse, e da terceira, que retornou um pouco à estrutura alinear da primeira. Mesmo passados quatro anos da temporada anterior e mesmo considerando a saída de Nic Pizzolatto da posição de showrunner, permanecendo apenas como produtor executivo, e a inserção de um subtítulo, que nunca considero uma boa notícia, esperava que o aguardado quarto ano da série em formato de antologia mantivesse o nível qualitativo anterior ou que pelo menos ficasse próximo. Infelizmente, porém, a cineasta mexicana Issa López, que passou a comandar a série, além de dirigir e escrever ou co-escrever todos os episódios, não conseguiu esse feito.

Com apenas seis episódios ofertados semanalmente (que, não canso de repetir, é a melhor forma de se assistir qualquer série), dois a menos do que a quantidade regulamentar, decidi conferir o primeiro no dia de lançamento, parar um pouco e retornar à temporada já com ela mais próxima do fim para encaixar melhor as demais séries que queria assistir. E a impressão que tive da primeira parte foi no mínimo estranha e por uma razão que não costumo desgostar em séries, muito pelo contrário. Ao final da minutagem avantajada e com todo o mistério apresentado, ou seja, a bizarra e, em tese, sobrenatural morte de sete cientistas de uma base remota de pesquisa nos arredores da cidade fictícia de Ennis, no Alasca, no primeiro dia de escuridão ártica total e que teria conexão com o assassinato de uma ativista anos antes, o que ficou em minha mente foi a quantidade de histórias pregressas para basicamente todos os personagens apresentados, especialmente, claro, a chefe de polícia Liz Danvers (Jodie Foster) e a policial Evangeline Navarro (Kali Reis). Meu pensamento foi algo como “nossa, como é que vão desempacotar tudo isso e, ainda por cima, resolver o mistério em apenas mais cinco episódios?”, ainda que eu genuinamente esperasse que López efetivamente conseguisse desenvolver – não necessariamente amarrar – todas as linhas narrativas a contento.

Quando revi o primeiro episódio e engatei nos seguintes fazendo os maiores intervalos que o tempo que eu tinha em mãos permitia, tive a certeza de que, se a showrunner tivesse realmente focado em todos os panos de fundo que criou para os personagens, ela teria feito uma temporada no mínimo muito boa de True Detective. Acontece que, por alguma razão inexplicável, ela viu a necessidade de retornar e amplificar tremendamente a pegada sobrenatural e de “horror cósmico” que a primeira temporada usou como artifício elegantemente acessório para a narrativa central, de forma que Terra Noturna passou a não andar muito bem para lugar algum, fazendo ruir muito do que o primeiro episódio prometia. Na verdade, minto. Eu sei bem o porquê de se ligar a quarta com a primeira temporada: globos oculares, ou seja, dinheiro. A HBO, certamente dando suas cartadas e fazendo de Issa López uma showrunner de aluguel, deve ter determinado que a melhor maneira de fazer com que os espectadores se interessassem pela nova temporada era conectá-la com a primeira que, como já disse, continua sendo a melhor e, merecidamente, a mais bem quista por aí. E eu nem veria muito problema nisso se a abordagem sutil que Pizzolatto originalmente imprimiu fosse mantida e não trocada por referências mil marretadas de qualquer jeito a cada segundo para que a parcela do público que fica com um caderninho anotando tudo obsessivamente para, depois, comparar com uma conferida quadro-a quadro da temporada inaugural, ficasse como pinto no lixo soltando teorias internet afora.

Em outras palavras, o que era uma série realmente especial, tornou-se apenas mais uma série policial, com o agravante de deixarem o lado investigativo completamente de lado e fazerem a narrativa balançar irritantemente entre o místico e espiritual e o cínico e realista, polvilhando ativismo social, ancestralidade dos povos originais da região, corporação gananciosa, corrupção policial e personagens trágicos que carregam o peso de toneladas de seus respectivos passados nos ombros, seja o filho que Danvers perdeu, a irmã com problemas de saúde mental que Navarro precisa desdobrar-se para cuidar, um jovem policial que obedece Danvers caninamente mesmo que isso ameace seu casamento, o pai desse policial que é sua completa antítese, um superior de Danvers que entra e sai da temporada na medida da conveniência estrita do roteiro e, claro, as obrigatórias bizarrices de uma trama assim, como língua de seis anos misteriosamente aparecendo na base de pesquisa, mortes que lembram não sem querer o que vemos em O Enigma do Outro Mundo, vozes desencarnadas, fantasmas, a “velha louca, mas extremamente útil, do gelo” e mais toda sorte de ingredientes que não exatamente misturam muito bem, até mesmo um flerte com jumpscares que, sinceramente, ficou ridículo.

Não que a temporada seja completamente desinteressante, mas ela tenta ser muita coisa ao mesmo tempo e não consegue ser nada direito, ficando ali na incômoda linha do genérico, com a mais incômoda ainda – e já falada – função de trazer à memória a primeira temporada para a produtora ganhar marketing de graça. E eu queria poder dizer que Jodie Foster está costumeiramente ótima em Terra Noturna, mas tudo o que consigo dizer da atuação dela é que ela não consegue se desvencilhar do que talvez seja a descrição de sua personagem no primeiro parágrafo do roteiro que recebeu, ou seja, uma policial mais fria e dura do que todo o gelo que está em todo lugar de Ennis. E não, ela não está terrível no papel, mas Foster tem pedigree para fazer muito mais do que acabou fazendo aqui em razão de roteiros que não entregaram para ela muita escapatória na construção e desenvolvimento de sua personagem. Por incrível que pareça, a boxeadora campeã transformada em atriz Kali Reis consegue mais naturalmente fazer as vezes de policial durona, mas talvez porque seu passado esportivo tenha ajudado e certamente porque, no caso dela, o roteiro tinha camadas mais interessantes.

Com filmagens na Islândia – o tanto de “dóttir” e “son” que tem nos créditos finais deixa isso bem claro! – e fotografia noturna com muita luz branca “hospitalar” feita para incomodar e amplificar claustrofobia pelo alemão Florian Hoffmeister (Tár), Terra Noturna é uma temporada quase desnorteadora e afirmo isso como uma qualidade a ser devidamente destacada. Todos aqueles dramas dos personagens que os deixam completamente sem saída e presos dentro de si mesmos ganham uma tradução visual do mais alto gabarito por parte do diretor de fotografia que não foge de sua tarefa inclemente de tornar tudo desagradável, pesado, depressivo, mesmo considerando as luzes coloridas das decorações natalinas. Até a música tema de Billie Eilish funciona muito bem com esse mesmo objetivo, além da trilha sonora composta por Vince Pope, que já trabalhara com López em Os Tigres Não Têm Medo.

E eu queria poder encerrar a presente crítica afirmando que o episódio final – de nada menos do que 75 minutos… – salvou a temporada de sua caverna gelada de mediocridade, mas, infelizmente, o que ele fez foi reiterá-la. Sim, todos os “mistérios” foram resolvidos em tese a contento, mesmo que tornando inconsequentes e, portanto, inúteis, as conexões com a primeira temporada, com a oferta até de uma ou duas surpresinhas legais que subvertem o que se espera e conectam bem crimes passados com crimes presentes, mas nossa, enquanto escrevo meus comentários estou tentando lembrar de um encerramento de filme ou série tão didático e explicadinho quanto esse, mas realmente não consigo. A sexta parte de Terra Noturna foi Issa López pegando na mão do espectador e, com muita calma e várias canetinhas coloridas, numerando em uma lousa branca cada mistério de um lado e, de outro, fazendo um gráfico para explicá-los em suas minúcias, repetindo cada explicação duas vezes e, com uma piscadela, deixando duas ambiguidades safadas lá no final só para fazer o roteiro parecer mais esperto do que é. E o pior é que pouca coisa da resolução dos mistérios decorre naturalmente do que foi construído antes, pelo que fica ainda mais claro que era melhor a showrunner ter escolhido ou os dramas pessoais ou a abordagem investigativa, pois acabou que ela não entregou drama de verdade e quase nenhuma investigação que não partisse de momentos “ahá” que só faltavam ter aquela lampadinha que aparece nos balões de quadrinhos.

Terra Noturna nem parece True Detective. Está mais para Generic Detective ou Expository Detective ou, sendo bem malvado, Detective for Dummies. Teria sido muito melhor se a série tivesse permanecidos com três temporadas apenas ou que López tivesse tido rédeas bem mais soltas do que teve para fazer algo realmente valioso, que adicionasse e não detraísse do que veio antes e isso porque eu acredito que a cineasta foi efetivamente podada pela HBO em sua tentativa zaslaviana de gerar dinheiro a todo custo.

True Detective: Terra Noturna (True Detective: Night Country – EUA, 14 de janeiro a 18 de fevereiro de 2024)
Desenvolvimento e showrunner: Issa López
Direção: Issa López
Roteiro: Issa López, Alan Page Arriaga, Namsi Khan, Chris Mundy, Katrina Albright, Wenonah Wilms
Elenco: Jodie Foster, Kali Reis, Fiona Shaw, Finn Bennett, Isabella Star LaBlanc, Christopher Eccleston, John Hawkes, Dervla Kirwan, Anna Lambe, L’xeis Diane Benson, Aka Niviâna, Joel D. Montgrand, Owen McDonnell, Erling Eliasson
Duração: 376 min. (seis episódios)

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