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Crítica | Troco em Dobro

por Iann Jeliel
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Troco em Dobro

Peter Berg e Mark Wahlberg retomam com a parceria de longa data, Troco em Dobro já é o 5° filme consecutivo que o diretor trabalha com o ator como seu protagonista, mas diferente dos anteriores (O Grande Herói, Horizonte Profundo, Dia de Treinamento e 22 Milhas), esse não diz respeito a uma encenação de fatos trágicos políticos americanos, mas retoma o início da escola do diretor caracterizada pela ação escatológica “Michael Bay”. Dá para dizer que a produção original Netflix se aproxima de um Bad Boys de sua carreira, um buddy cop descomprometido com as raízes sociais em que a história se origina, mas ciente de como utilizá-las em benefício do divertimento com uma narrativa devidamente amarrada em códigos morais confortáveis. 

Troco em Dobro é quase um filme de herói, onde o instinto de justiça do protagonista, Spencer, fala mais alto que a lei que determinou seu afastamento da polícia após bater no chefe “corrupto”, forçando-o a ter de arranjar seus próprios meios de alcançá-la quando se depara com o assassinato dele no dia de sua soltura. Virando praticamente vigilante, o Batman como o próprio filme menciona e brinca no humor, que com a ajuda de Robin, ou melhor, Falcão (Winston Duke), irá seguir as pistas para tentar desvendar a verdade por trás do assassinato e suicídio do principal suspeito, companheiro de trabalho de Spencer, possivelmente incriminado por terceiros. O segredo desse tipo de filme funcionar geralmente encontra-se no tom, em qual nível de relevância cada elemento será dado, e todo esse timing passa pela mão do editor e da direção, que precisa transparecer um dinamismo que encaixe as diferentes modelações no momento certo. 

É essencial a equidade entre as dosagens na comédia, dentro de uma pitada dramática mínima para que as temáticas do submundo da corrupção policial  movimentem o mistério do crime com um bom nível de engajamento. Nesse caso, pelo menos em boa parte do tempo, as piadas funcionam e não anulam a seriedade calculada para que a história não perca seu público de vista. Um recurso interessante para manter esse equilíbrio é desdobrar a aventura ao mesmo tempo em que elabora a construção da dinâmica da dupla. Parece clichê visualmente falando, mas diferente do que tange à maioria dos filmes do gênero, não existem atritos por questões raciais, geracionais, casos como experiente vs. novato, nem nada do tipo. Spencer e Falcão têm motivações isoladas que se unem por um senso comum situacional plausível, bem digna de herói e sidekick, uma troca de favores que os coloca na mesma ação. 

O entrosamento e o carisma do elenco ajudam o pontapé a funcionar e naturalizam bastante as interações, respeitando um novo molde de relações masculinas saudáveis, sem aquela competição embriagada de quem tem a arma maior. A intersecção entre eles, inclusive, já serve como um comentário pertinente para todo o contexto, ambos foram presos por se deixarem levar a esse tipo de perfil explosivo, cumpriram suas penas devidamente e precisam passar na jornada de investigação por testes para que esse erro não se repita e a justiça seja feita da forma que eles acreditam. Spencer ensina Falcão a luta como a arte defensiva, e Falcão ensina Spencer a se preservar primeiro antes de correr desesperado atrás de um carro para não acabar sendo mordido por um cachorro. São valores simples, mas que nas entrelinhas garantem um propósito bacana ao projeto e não o deixa tão maniqueísta, além do fato de que na primeira vista, são bandidos com índole que salvam o dia de policiais que deveriam estar servindo a lei. 

O problema é que na prática, como filme de gênero, é ainda muito bem vs. mal, pelo menos o roteiro não teve coragem de desvincular isso quando era mais decisivo. Na revelação, extremamente previsível diga-se de passagem, de quem era o responsável pela conspiração de assassinatos e essa moral final é confrontada a ele, pouco interessa o background desse vilão, ele escolhe ser mau por ser mau e ter a ponte para o clímax e o ensinamento final com o protagonista, mesmo que isso contradiga o que o filme quer pregar nas entrelinhas. Existem outros momentos questionáveis assim, principalmente no tratamento de Cissy, personagem de Iliza Shlesinger, renegada a ser a ex-mulher maluca que enchia o saco de Spencer que só dava ouvidos a ela a troco de sexo ou quando precisava de um refúgio para abrigar sua missão. Ou em uma determinada ação violenta do personagem que precisava de uma informação que poderia ter sido feita antes, mas não é só porque o roteiro ficou sem saída, aquelas velhas conveniências, onde as provas plantam na mão dos personagens em momentos de estagnação da investigação. 

Sem conta que a montagem, apesar de absolutamente eficiente em ritmo, não alcança a mesma eficiência na organização das cenas de ação, numa picotagem exagerada e pouco inteligível, funcionando mais pelo contexto geral de urgência da situação do que por sua execução em si, que se não fosse distribuída em ocasiões específicas, deixaria o filme bem cansativo. Ainda com esses pontos, no geral, a proposta descompromissada de “filme de herói” num contexto policial moderno de Troco em Dobro entretém e se mantém num nível regular, sem sair tanto da sua unidade de tom, ficando acima da média do que vêm sendo as apostas Netflix na vertente de ação.

Troco em Dobro (Spenser Confidential, EUA – 2020)
Direção: Peter Berg
Roteiro: Robert B. Parker e Sean O’Keefe
Elenco: Mark Wahlberg, Winston Duke, Alan Arkin, Iliza Shlesinger,, Michael Gaston, Bokeem Woodbine, Marc Maron, James DuMont, Post Malone, Colleen Camp, Hope Olaide Wilson, Kip Weeks, Brandon Scales.
Duração: 110 min.

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