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Crítica | Três Mundos (2012)

Irresponsabilidade no trânsito e suas consequências movem este interessante drama francês.

por Leonardo Campos
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Dentre os mais substanciais conflitos dramáticos utilizados pelo cinema desde sempre, o atropelamento com fuga é um dos mais poderosos, pois permite aos realizadores a condução de uma trama que pode trazer, além do entretenimento, reflexões importantes sobre corrupção, culpa, ética, violência, etc. Ao cometer um crime do tipo e ter que lidar com as suas consequências, os personagens se colocam em posição vulnerável e permitem o fluxo de questões filosóficas associadas aos temas mencionados anteriormente. Como fugir da cena e carregar tal culpa para o resto da vida? Sou frio o suficiente para não me importar? E como fica a família ou as pessoas dependentes daquele corpo que teve a sua vida ceifada por outro, geralmente numa situação que envolve posturas inconsequentes? Tenho a possibilidade de driblar o sistema e utilizar a minha posição social para tornar o acontecimento menos passível de uma punição mais severa e, assim, fazer prevalecer a corrupção que nos corrói? Se eu tenho filhos ou sou um uma pessoa numa posição de liderança, como lidar com tal falta de ética? E se o crime for descoberto, quais respostas serão formuladas para responder a tamanha incorreção?

São muitas as perguntas oriundas do espectador mais reflexivo diante do drama francês Três Mundos, uma narrativa acima da média sobre três grupos de pessoas em colisão, cada uma determinada a agir conforme as suas necessidades dramáticas, numa perspectiva sartreana onde o inferno de um pode ser o paraíso do outro e vice-versa. Dirigido por Catherine Corsini, cineasta que na sua juventude, foi atropelada por um condutor que fugiu sem prestar socorro, o filme traz no roteiro bem estruturado de Benoit Graffin, uma das celeumas mais constantes no cotidiano dos grandes centros urbanos: os sinistros de trânsito, denominação contemporânea para a expressão acidentes de trânsito, recentemente modificada pela legislação e presente no código de trânsito. Ao longo de seus 101 minutos, contemplamos com tristeza a dura realidade de um mundo regido por regras e campanhas fortes e de direcionamento assertivo, mas que parecem não atingir indivíduos que ainda insistem em transformar os seus automóveis em máquinas de matar.

Nesta trama lançada em 2012, acompanhamos a trajetória cheia de reviravoltas de três núcleos dramáticos. O primeiro é Al (Raphael Personna), um homem batalhador que começou a sua carreira como mecânico, mas após ter ganhado destaque, tornou-se um dos promovidos da empresa e está de casamento marcado com a filha de seu chefe, uma mudança de perspectiva social que o tornará sócio em breve. No passado, a sua mãe atuou como faxineira do lugar e depois de muitos incentivos e dedicação, Al passou para uma posição de maior prestígio em todos os aspectos, especialmente o financeiro. É aquele momento da vida para fazer tudo certinho e manter a roda girando em torno de seu favorecimento. Al, no entanto, comete um deslize. Alcoolizado depois de uma balada, ele atropela um homem que morre no local. A antecipação da tragédia pode ser contemplada antes, com ele e os amigos a brincar na saída do bar com manobras perigosas no carro, apresentadas pela eficiente direção de fotografia de Claire Mathon, por sinal, adequada durante todo o filme.

Assustado e corrompido pelos demais passageiros, decide fugir da cena e não prestar socorro ao atropelado. Diante do exposto, temos uma tragédia se instalada. Quem observa a cena toda é Juliette (Clotilde Hesme) personagem que após manobras do roteiro, consegue chegar até Vera (Arta Dabroshi), a mulher do homem assassinado, além de se aproximar do motorista que guarda para si a corrosiva culpa diante da situação. Descobrimos que a esposa do morto é uma imigrante ilegal que há anos se dispõe a realizar trabalhos ruins para sobreviver com a família, figura ficcional que fará a onda de violência, dor e culpa ressoar ao longo dos momentos letárgicos de Três Mundos, um dos maiores defeitos desta narrativa, mas nada que estrague o seu resultado final enquanto experiência dramática. Neste fogo cruzado, temos uma história com potencial, prejudicada apenas por seu ritmo arrastado e pequenas falhas na inserção do melodrama em excesso, algo que acaba tirando o foco do desenvolvimento dos personagens. Aqui, temos uma história sobre o poder do dinheiro, diferenças sociais, bem como o impacto de decisões erradas tomadas em momentos de agonia, algo que sempre gera as inevitáveis consequências.

Três Mundos (Trois Monde, França – 2012)
Direção: Catherine CorsiniRoteiro: Antoine Jaccoud, Benoît Graffin, Catherine Corsini, Lise MacheboeufElenco: Adele Haenel, Alban Aumard, Arta Dobroshi, Catherine Davenier, Chantal Trichet, Clotilde Hesme, Dominique Parent, Dorin AndoneDuração: 100 minutos

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