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Crítica | Transplant: Uma Nova Vida – 1ª Temporada

por Leonardo Campos
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Mais um drama médico? Sim. Original? Não exatamente, mas precisa ser para ter qualidade e validade enquanto entretenimento? Esses são alguns questionamentos para aqueles que acreditam na falência múltipla das séries com médicos, enfermeiros e hospitais, temas considerados exauridos após 17 temporadas de Grey’s Anatomy, 15 anos de Plantão Médico, 08 sagas de 20 poucos episódios de House, dentre outras produções que não passaram de uma temporada, canceladas por conta da audiência falha ou por falta de qualidade dramática. No caso de Transplant: Uma Nova Vida, temos a linha narrativa em episódios de 40 minutos, dramas pessoais mesclados com situações hospitalares, sempre tensas e vertiginosas, representação cabal da nossa vida cotidiana no contemporâneo, agitada, repleta de obstáculos e com agenda política cheia de missões para se cumprir. Assim é a rotina do Dr. Bashir Hamed (Hamza Haq), o protagonista desta produção que já tem segunda temporada aprovada, provavelmente desenvolvida na mesma linha reflexiva de um momento anti-vacina, reacionário, agressivo, cheio de cancelamentos e paradoxos comportamentais, isto é, a nossa existência na contemporaneidade.

Ele é um médico refugiado da Síria. Talentoso, precisou abandonar a área e atua logo na abertura do episódio piloto, como funcionário de um restaurante de comida oriental no Canadá. Na esperança de uma vida melhor fora de seu país natal, devastado por crises sociais e conflitos bélicos, Bashir demonstra a sua aptidão ao dar assistência para as vítimas de um gravíssimo sinistro de trânsito que acomete os clientes do estabelecimento onde trabalha. Após um caminhão desgovernado invadir o local e promover ampla destruição, ele precisa utilizar táticas de guerra para salvar as vidas dali, bem próximas do desfecho, caso não haja um atendimento emergencial efetivo. Levado ao hospital para também receber os cuidados necessários, inicialmente o médico é confundido como um mero paciente, sendo reconhecido logo depois de expressar as suas aptidões e assim, ganhar a contratação merecida para brilhar diante de um cenário tomado por muitos desafios nada favoráveis à sua condição de refugiado. Quando descobrem que ele utilizou uma furadeira para resolver um edema intracraniano e acudiu uma mulher com ataque cardíaco, Bashir se torna Dr. Bashir aos olhos dos seus observadores.

Criada por Joseph Kay, Transplant: Uma Nova Vida é um drama médico em 13 episódios, dirigidos por Eric Canuel, Alain Desrochers, Holly Dale e Stefan Pleszczynski, todos dentro de uma linha narrativa padronizada, com diálogos interessantes e bem construídos, saídos da sala de roteiristas composta pelo próprio criador, em parceria com Anar Ali e Carmine Pierre-Dufour, dramaturgos dominantes do grupo, com o maior número de episódios assinados. Exibida pelo canal CTV Television Network, a produção é focada no realismo das situações num atendimento de emergência. Há entre um ponto e outro, dramas pessoais sobre relacionamentos, inseguranças, traumas, dentre outras questões comuns ao ser humano em sociedade, mas o foco do programa é investir em questões como a representatividade, diferencial que tornou-se uma aposta que deu certo, haja vista a posição de um homem sírio como protagonista de um produto cultural que geralmente tem em sua linha de frente, personagens mais “privilegiados”.

Situada no fictício York Memorial Hospital, em Toronto, Transplant: Uma Nova Vida é uma série médica dinâmica, com visual e ritmo que lembram bastante as contemporâneas The Resident (pelo caos no processo interno), The Good Doctor (o diferencial no protagonismo representativo) e New Amsterdan (os traumas psicológicos dos personagens e a crise no sistema de saúde). Com design de produção assinado por André Guimond, vamos do pulguento restaurante horroroso que transmite uma sensação de sujeira e abandono, ao hospital com sua estrutura imponente, mas com vivências desestruturadas a transpassar por seus corredores. Na direção de fotografia, Pierre Gill comanda a captação de imagens de maneira eficiente, com uma movimentação sempre muito ágil, em diálogo com as demandas sempre urgentes dos personagens. Os figurinos de Valérie Levesque trajam adequadamente as figuras ficcionais que circulam pelos episódios acompanhados com tensão e melancolia, a depender da situação demonstrada, graças ao apurado trabalho de Christian Clermot na trilha sonora da série.

Sem as devidas credenciais para ingressar no mercado de trabalho formal, o Dr. Bashir tem na sua saga, uma representação eficiente do drama vivido por refugiados em todo o mundo, algo que é tema de discussões do nosso tempo atual, questão que deve ser conteúdo de reflexão por muitas eras, haja vista o caos políticos em alguns pontos geográficos do planeta, odisseias que parecem não encontrar uma solução minimizadora. Na trama, ele atravessa um manancial de acontecimentos que envolvem histórias sobre tolerância e superação, necessários para as adversidades de um mundo que atravessa um momento bastante peculiar na contemporaneidade. Ademais, rapidamente de volta aos meandros estéticos em Transplant: Uma Nova Vida, a série acerta também no setor maquiagem e efeitos especiais, espaço de produção necessário e que pede bastante eficiência para uma produção do tipo, aqui, sob a supervisão de Bruno Gatien e Mathieu Baptista. Agora, basta esperarmos a segunda temporada? Há questões que precisam ganhar mais desenvolvimento e muito potencial que oremos, não seja desperdiçado em prol da transformação de tudo num pote de drama caramelizado ao estilo Grey’s Anatomy.

Ainda compõem a história, a Dra. Magalie Leblan (Laurence Leboeuf), residente com problemas pessoais que se tornam grandes obstáculos para a vivência diante do estresse no hospital; a Dra. June Curtis (Ayisha Issa), outra residente com algumas crises de ordem pessoal, num relacionamento confuso com um dos seguranças do local, situação que em alguns instantes, retira a sua concentração no trabalho como cirurgia de traumas; o Dr. Jed Bishop (John Hannah), chefe do centro da emergência, um homem competente, mas muito rude em alguns posicionamentos; Claire Malone (Torri Higginson), enfermeira que chefia o setor na emergência e tem um relacionamento peculiar com o diretor do local, o Dr. Bishop. Estes são alguns dos personagens que compõem a linha nevrálgica de Transplant: Uma Nova Vida, produção que conta com outras tantas figuras ficcionais gravitacionais, programa que me fez lembrar algumas colocações de David Shore, criador de House e The Good Doctor, sobre a presença das séries médicas como produto de entretenimento ainda muito em alta. Para o showrunner, os dramas em questão trabalham com riscos reais, com pessoas que precisam enfrentar a sua própria mortalidade, bem como a ida de seus entes queridos. Assim, quem cuida e tenta reparar problemas que nos colocam na linha do fim da vida, ganha uma espécie de manto heroico, por isso, as produções deste segmento magnetizam tanto com o público.

Transplant: Uma Nova Vida (Transplant, Canadá/2020)
Criação: Joseph Kay
Direção: Vários
Roteiro: Vários
Elenco: Hamza Haq, Laurence Leboeuf, John Hannah, Ayisha Issa, Torri Higginson, Sirena Gulamgaus, Jim Watson, Linda E. Smith, Kenny Wong, Sugith Varughese, Grace Lynn Kung
Duração: 40 min. (Cada episódio – 13 episódios no total)

 

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