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Crítica | Transformers: O Início

A ascensão de Optimus Prime e Megatron.

por Ritter Fan
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Mesmo quando criança, sempre tive dificuldade de mergulhar na mitologia dos Transformers. Gostava moderadamente dos brinquedos, mas não ligava muito nem para a animação, nem para os quadrinhos por simplesmente achar o conceito por trás de robôs sencientes que se transformam em veículos variados e outros objetos aleatórios (além de animais) um tanto quanto difícil de engolir. Mas é inegável o quanto a franquia aninhou-se profundamente na cultura pop a partir dos anos 80, ganhando ainda mais alcance quando expandiu e tornou-se uma franquia cinematográfica bilionária. Em 2023, houve duas tentativas de recomeçar tudo, uma nos cinemas, com o medíocre O Despertar das Feras e outra nos quadrinhos com a criação do Universo Energon pela Skybound/Image, que contou e ainda conta com a excelente HQ que reinicia a história dos personagens cybertronianos.

E, agora, em 2024, uma nova tentativa cinematográfica é feita, desta vez na forma de um longa-metragem animado, apenas o segundo de toda a franquia depois do normalmente adorado Transformers: O Filme, de 1986, que, pessoalmente, considero não mais do que bom. Com uma história de origem para Optimus Prime e Megatron que começam, respectivamente, como os robôs mineradores Orion Pax e D-16, incapazes de se transformar e, não só isso, como melhores amigos, verdadeiros irmãos, Transformers: O Início é, de longe, a melhor obra sobre os Transformers no Cinema, quiçá no geral, incluindo aí as intermináveis séries de TV, a primeira a, em minha visão, conseguir oferecer uma narrativa coesa e consideravelmente lógica que engloba boa parte da mitologia dos personagens, com os roteiristas Eric Pearson, Andrew Barrer e Gabriel Ferrari muito claramente tendo pinçado os melhores elementos de décadas de histórias para chegar a uma “reinvenção” que respeita a essência dos personagens e que definitivamente funciona, oferecendo um belo recomeço para a linha de brinquedos da Hasbro no audiovisual.

Claro que nem tudo funciona perfeitamente bem, pois, como disse, a premissa em si é complicada para ser desenvolvida de maneira perfeitamente lógica, pelo que algumas coisas temos que aceitar de olhos fechados, como por exemplo a origem do planeta Cybertron, a presença maligna dos Quintessons que não ganha uma linha de explicação, um MacGuffin chamado de Matriz da Liderança que controla o fluxo de Energon em Cybetron e que, quando desapareceu há 50 ciclos, exigiu que os habitantes metálicos do planeta passassem a minerar pela energia que precisam sob a liderança de Sentinel Prime (Jon Hamm), criando uma “casta” inferior de mineradores que não têm cogs (não entendi porque a legenda em português não traduziu cog como “engrenagem”) que permitem a transformação. Mas, se o espectador souber suspender um pouco sua descrença, o que decorre do estabelecimento dessa premissa resulta em um longa muito bem trabalhado que, apesar de conter diversas e frenéticas sequências de ação e um número consideravelmente grande de personagens, consegue trabalhar bem a dupla central – os citados melhores amigos mineradores Orion Pax, com voz de Chris Hemsworth,  e D-16, com voz de Brian Tyree Henry – e desenvolver uma bem concatenada história de perda de inocência e de amadurecimento que acaba mais ou menos no ponto em que a mais conhecida parte da mitologia dos personagens começa, ou seja, com a rivalidade mortal entre os dois.

O roteiro investe considerável tempo no estabelecimento de Orion Pax, curioso, valente, altruísta e pronto para desobedecer regras por um bem maior, o que funciona tanto para contar a história pregressa de Cybertron e o porquê de ele estarem na situação em que estão, como para deixar evidente que o personagem é o herdeiro de tudo o que é bom no planeta, um claro futuro líder em formação. D-16, que tem seu nome retirado do código de identificação da caixa da primeira geração de Megatron no Japão, em 1985, é o deuteragonista clássico que serve de espelho para Orion Pax e que caminha lentamente para o antagonismo, com sua personalidade normalmente batendo de frente com a do amigo e aos poucos revelando-se mais violento, mais vingativo, menos capaz de compreender e aceitar o que acontece ao seu redor. Somando-se aos dois, há espaço, ainda, para a enérgica, eficiente e estrita seguidora de regras Elita-1 (Scarlett Johansson) e, depois, para o incansável falastrão – e consideravelmente pancada das ideias – B-127 (Keegan-Michael Key), que trabalha na lixeira do nível mais inferior do planeta.

A dinâmica entre Orion Pax e D-16 é excelente do começo ao fim e a estrutura do longa não reinventa a roda e segue o caminho da jornada de descobertas que começa quando Pax leva seu amigo a participar de uma corrida em que só os robôs da elite que são capazes de se transformar costumam participar, com o roteiro sendo muito cuidadoso em criar uma cadência narrativa que faz as peças se encaixarem sem maiores solavancos, ainda que por muitas e muitas vezes telegrafando os acontecimentos para além do necessário, o que pode acabar frustrando aqueles que esperam algum tipo de surpresa. Com isso, as diversas reviravoltas perdem um pouco de seu impacto, mas não de seu valor, pois elas seguem um caminho preciso e bem concatenado que se vale de um equilíbrio eficiente entre momentos mais pacíficos e outros mais movimentados.

Falando da ação propriamente dita, Josh Cooley, que vem de uma carreira na Pixar e cujo crédito mais importante é o de diretor de Toy Story 4, não resiste à tentação da grife Transformers e transforma a pancadaria em algo que deixaria Michael Bay orgulhoso, infelizmente. Tudo é muito bonito, com um design de produção caprichado que recria os personagens clássicos fundindo o novo com o tradicional e uma computação gráfica vistosa, mas, na hora da pura pancadaria, é como se Cooley mergulhasse sua câmera em um tornado que acabou de destroçar uma metalúrgica, o que cria aquele resultado cansado dos cortes de milissegundos que tende a homogeneizar tudo. Por outro lado, como o roteiro dá tempo ao tempo e faz do longa, em essência, um surpreendente estudo de personagens, Cooley aproveita para parar e deixar a câmera descansar em Orion Pax e em D-16 na transformação deles em Optimus Prime e Megatron, extraindo o máximo das atuações vocais de Hemsworth e Tyree Henry, mesmo que Hemsworth não consiga, por mais que tente, deixar de ser Thor.

Dosando ação, humor e texto expositivo para lidar com tudo que o roteiro exige, Transformers: O Início dá uma lição de como pegar um material desgastado e que requer muitos pulos de lógica para ser aceito como “natural” e transformá-lo em algo novo, pulsante e até mesmo emocionante sem abrir mão do que veio antes e sem trair a essência da mitologia de décadas. Finalmente um longa-metragem dos robôs que são mais do que os olhos veem que realmente merece ter sua história continuada.

Obs: Há uma cena extra lá no final dos créditos. Não é lá muito importante, mas vale ver.

Transformers: O Início (Transformers One – EUA, 2024)
Direção: Josh Cooley
Roteiro: Eric Pearson, Andrew Barrer, Gabriel Ferrari (baseado em história de Andrew Barrer e Gabriel Ferrari)
Elenco (vozes originais): Chris Hemsworth, Brian Tyree Henry, Scarlett Johansson, Keegan-Michael Key, Steve Buscemi, Laurence Fishburne, Jon Hamm, Vanessa Liguori, Jon Bailey, Jason Konopisos-Alvarez, Evan Michael Lee, James Remar, Isaac C. Singleton Jr., Steve Blum, Jinny Chung, Josh Cooley, Dillion Bryan
Duração: 104 min.

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