Assisti Bumblebee – prelúdio em relação à pentalogia de Michael Bay que serve também de um soft reboot da franquia dos robozões no cinema – meio que sem querer algum tempo depois que ele aportou em um serviço de streaming que assino e fui surpreendido pela pegada de relativa pequena escala da produção e pela forma como seu personagem titular e sua contrapartida humana foram abordados. Diante dos cinco filmes que vieram antes, foi sem dúvida um avanço e uma obra que classificaria como boa independente de qualquer outro fator. Essa era a impressão mais recente que tive dos filmes live-action, impressão essa que foi completamente destruída quando, “em preparação” para a estreia de O Despertar das Feras, já que, por algum desvario, comprometi-me a escrever a crítica para o site, lembrei-me de que não havia assistindo nem A Era da Extinção, nem O Último Cavaleiro, algo que tratei de reparar e que me levou a duas sessões de tortura audiovisual que me lembraram exatamente o porquê de eu ter desistido da franquia até tropeçar no filme solo do Fusca Camaro amarelo.
Fiz esse prelúdio apenas para explicar o porquê de eu ter entrado no cinema de extremo mal humor, algo que é bastante comum comigo, eu sei, mas que foi especial aqui, já que além de eu ter os dois citados bayhems estúpidos frescos em minha mente, eu sempre tive absoluto preconceito com a premissa de robôs sencientes que se transformam em animais selvagens. Tudo bem eles se transformarem em automóveis, aviões, armas e outros objetos inaminados, mas animais como gorilas, falcões, rinocerontes e guepardos, com direito à impressão de pelo e penas e à comportamentos que fazem mímica dos reais é um salto de lógica que eu nunca aceitei completamente mesmo considerando que pedir lógica nesse universo é, por si só, ilógico. No entanto – ou talvez justamente por essa conjunção de fatores – O Despertar das Feras, no final das contas, não tenha sido a tragédia que eu tinha certeza que seria.
Em termos comparativos, diria que o longa dirigido por Steven Caple Jr., que tem o pior dos até agora três Creeds em seu currículo, fica ali em algum lugar apertado entre o Transformers de 2007 e Bumblebee, os únicos dois live-actions da franquia cinematográfica que merecem ser chamados de filmes. Como se trata de um prelúdio passado em 1994 – posterior a Bumblebee, mas anterior a Transformers, portanto -, ou seja, antes de os robôs alienígenas serem revelados ao mundo, o nível de pancadaria imbecilizante precisa ser naturalmente tolhida tanto em escala quanto em localização, o que exige alguma ginástica do roteiro (inexplicavelmente escrito por cinco pessoas…), mas que acaba sendo bom para emprestar algum peso narrativo aos acontecimentos. Como basicamente todos os filmes da franquia, a a fagulha narrativa gira em torno da busca por algum objeto poderoso, no caso a Chave Transwarp, que é achada dentro da escultura de um falcão de mais de cinco mil anos por Elena Wallace (Dominique Fishback), arqueóloga júnior de um museu na Ilha Ellis, perto de Nova York e que, claro, é cobiçada de um lado por Optimus Prime (voz de Peter Cullen) e seus Autobots e, do outro, por Scourge (Peter Dinklage) e seus Terrorcons, minions de ninguém menos do que Unicron (Colman Domingo) – o Galactus da mitologia robótica que tem o mesmo tipo de problema de “aparição” de Quarteto Fantástico e o Surfista Prateado -, além de ser protegido por Optimus Primal (Ron Perlman) e seus Maximals.
Se Elena não tem lá muito espaço, seu par Noah Diaz (Anthony Ramos), que ela conhece quando ele tenta roubar o objeto a pedido do Autobot Mirage (Pete Davidson) para conseguir dinheiro para cuidar de seu irmão menor doente Kris (Dean Scott Vazquez), tem melhor sorte e acaba ganhando algum aproveitamento interessante até mesmo durante a batalha final que acontece nas verdejantes montanhas do Peru. Sei que uma das reclamações mais comuns dos fãs dos Transformers é que os personagens humanos “atrapalham” a história, mas não só eles sempre foram integrais à franquia desde seus primórdios nos anos 80, como tenho para mim que aqui como em Bumblebee, eles funcionam a contento e adicionam à mensagem de união que o filme quer passar como um passo no desenvolvimento de Optimus Prime no líder que ele se torna.
No entanto, é estranho que a real novidade do longa – a introdução dos Maximals – seja tão mal conduzida. Fica evidente que O Despertar das Feras é o primeiro filme de provavelmente uma nova trilogia a usar esses personagens, mas isso não é desculpa para relegá-los a um segundo plano quase que apenas para preencher espaço e tempo de tela. Afinal, o preâmbulo no planeta deles, com Scourge tentando obter a tal chave para seu mestre que, com ela, pode saciar sua fome de planetas, assim como menções bem diretas, por Optimus Primal (o gorila), de que eles vêm do futuro, dão a entender que, em termos narrativos, eles deveriam ganhar uma minutagem mais sólida, mais bem trabalhada que criasse um contexto maior para a presença deles na Terra. Apesar de a cena final apontar o futuro da franquia, nem mesmo ela referencia os robôs-animais, o que os deixa completamente em aberto e sem construção, não passando de outros soldados quaisquer em meio à pancadaria contra Scourge. Em outras palavras, temos mais um exemplo de filme em que a expansão da mitologia de uma franquia é mais importante do que a história sendo contada no contexto e nos limites da obra, uma mania irritante de alguns blockbusters mais recentes de Hollywood que parecem achar que o público quer ver o equivalente cinematográfico de uma série de TV e não filmes autocontidos que ao mesmo tempo são capazes de servir como novas peças em um quebra-cabeças maior.
No lado da onipresente computação gráfica, não tenho muito o que dizer, pois é a mesma coisa de sempre: quando ela é realmente necessária em larga escala, sua qualidade fotorrealista torna-se consideravelmente irrelevante diante dos cortes rápidos, da destruição generalizada e da hilária sorte que os personagens humanos têm de não serem pisoteados nos três primeiros segundos de conflito. Mas, sendo justo, o CGI se segura bem nas transformações dos robôs – não no caso dos Maximals e de Scourge, mas o problema com eles é mais de design porcaria na forma robótica deles – e nas perseguições, especialmente a primeira protagonizada por Mirage e Noah em Nova York.
Transformers: O Despertar das Feras é mais outro prelúdio da série de filmes live-action que parece mostrar que talvez Michael Bay fosse mesmo o problema maior nessa equação cinematográfica toda, seja com sua mania de fazer seus personagens robóticos parecerem borrões metálicos, seja na forma incompetente (e altamente sexualizada no que se refere às mulheres) com que ele sempre lidou com seus personagens humanos. Parece – só parece – que Transformers, no cinema, pode ser mesmo mais do que aparentou ser ao longo de tantos anos. Mas não muito mais, convenhamos…
Obs: Há apenas uma cena de meio de créditos que não demora a aparecer (que, porém, é posterior à sequência epilogar com Noah e um certo alguém…). Não há nada lá no final.
Transformers: O Despertar das Feras (Transformers: Rise of the Beasts – EUA, 2023)
Direção: Steven Caple Jr.
Roteiro: Joby Harold, Darnell Metayer, Josh Peters, Erich Hoeber, Jon Hoeber
Elenco: Anthony Ramos, Dominique Fishback, Luna Lauren Vélez, Tobe Nwigwe, Dean Scott Vazquez, Michael Kelly, Peter Cullen, Pete Davidson, Ron Perlman, Peter Dinklage, Liza Koshy, Michelle Yeoh, Cristo Fernández, Michaela Jaé Rodriguez, John DiMaggio, Tongayi Chirisa, David Sobolov, Colman Domingo
Duração: 143 min.