- Há spoilers. Leiam, aqui, todas as críticas do Universo Energon.
Uma franquia de décadas como Transformers que, em sua gênese, usou os quadrinhos e o audiovisual com o objetivo expresso de vender brinquedos, tenha uma gigantesca quantidade de personagens, naturalmente gerando a vontade convergente dos fãs leitores e dos quadrinistas responsáveis por uma HQ de recomeço como é a que está sob análise, de ver o maior número possível de robôs gigantes para ontem. Mas essa vontade é extremamente perigosa, já que a entrada constante de novos personagens tende a fazer com que a narrativa foque demais justamente nessas introduções, esquecendo-se de desenvolver os já apresentados e, pior ainda, perdendo-se em meio aos vários núcleos que inevitavelmente vão se formando. Daniel Warren Johnson começou até de forma razoavelmente econômica no ótimo primeiro arco dos novos quadrinhos da franquia, já aumentando exponencialmente a escala no ainda melhor segundo arco e, agora, no terceiro, ele basicamente “dobra a meta” e precisa fazer malabarismo para lidar com todas as linhas narrativas que ele mesmo tratou de criar.
No entanto, diferente dos volumes anteriores, esse terceiro lida com dois arcos narrativos, o primeiro focado em Starscream e razoavelmente autocontido com apenas duas edições e o segundo, então, retornando à história maior, com as quatro edições seguintes. Nesse primeiro pequeno arco, descobrimos de imediato que Soundwave não matara Starscream (obviamente) e, com isso, acompanhamos o moribundo Decepticon no fundo de uma cratera lembrando-se de sua vida em Cybertron e como, do alegre e pacifista Ulchtar (nome originalmente usado para o personagem na fase de protótipo), ele tornou-se o sanguinário personagem que conhecemos bem. Confesso que não é uma história particularmente sensacional em seu começo, mas que ganha contornos sinistros quando Starscream passa basicamente a ser o executor de Megatron, ou seja, o Decepticon que empunha a arma em que seu líder se transforma para assassinar desafetos a sangue frio. Na Terra, por seu turno, vemos que ele acaba sendo resgatado e, sem pernas, unido a um tanque H.I.S.S., por uma equipe de salvagem da M.A.R.S., de Destro, liderada por Horton que tenta fazer com que Starscream trabalhe para ele, somente para falhar miseravelmente.
E, nesse processo, o ambicioso Decepticon, mesmo sem poder voar, acaba reunindo-se com o acorrentado Astrotrain e com os Combaticons para formar sua própria facção, já estabelecendo de imediato mais um núcleo narrativo em oposição não só aos Autobots, como também aos Decepticons liderados por Soundwave. Mas o próprio núcleo dos Autobots é dividido em dois, com Optimus Prime e dois outros ficando para lutar contra seus inimigos mortais e os humanos Spike e Carly partindo com Arcee e Beachcomber para procurar Ultra Magnus. Ah, claro, há também a linha narrativa em Cybertron, com Cliffhanger teletransportado para lá, passando a lutar ao lado de Elita e outros e aproveitando para usar os restos mortais de seu clã original para criar um novo e inédito Autubot, batizado de Shredhead que luta com espada e escudo e se transforma em um furgão. Como se pode ver, são cinco núcleos, cada um com vários Transformers, espremidos em essencialmente quatro edições e que ainda precisam abrir um pouco (mas bem pouco) de espaço para que a mitologia de G.I. Joe “sangre” para esse meio, pois, afinal de contas, estamos no Universo Energon, em que as duas franquias principais da Hasbro partilham o mesmo espaço.
Sem sombra de dúvida, é muita coisa para lidar em relativamente tão poucas páginas, mas a boa notícia é que o roteirista mais uma vez acerta em cheio, ainda que talvez com menos exatidão do que no arco anterior que ainda não contava com tantas subdivisões. Se o mini-arco inicial de Starscream não é no mesmo nível do que veio antes, ele também não é do mesmo nível do que vem imediatamente depois, já que Johnson aposta alto e não só trabalha seus personagens de maneira eficiente, como ainda tem espaço para colocar dois Decepticons combinadores saindo em uma pancadaria titânica. Vemos Bruticus, formado pelos Combaticons, lutar não uma, mas duas vezes contra Devastador, formado pelos Constructicons, em escalas imensas e causando bem mais estragos em cidades humanas do que kaijus causam corriqueiramente em Tóquio. Os roteiros de Johnson nesse universo nunca economizaram na violência de robôs contra robôs e robôs contra humanos e não é aqui que ele começaria a fazer isso e tudo isso manejando núcleos de maneira a impulsionar suas respectivas histórias e a narrativa macro, com um final que mais uma vez traz mudanças significativas para o status quo.
Mas o trabalho de Johnson não surtiria efeito sem a arte majestosa de Jorge Corona nas quatro edições finais que lidam com as histórias centrais. O desenhista entrou no projeto no volume anterior, substituindo o próprio Johnson na arte para deixá-lo focado nos roteiros e não fez feio, com um estilo semelhante ao anterior em que os traços são tumultuados, quase inacabados, emprestando visceralidade mesmo na violência de metal contra metal. E, aqui, Corona vai um passo além justamente ao lidar tão bem com o senso de escala, algo tão importante e tão esquecido em quadrinhos com seres gigantes. Se os Transformers já era enormes na comparação com os humanos, os combinadores têm o mesmo efeito em relação aos Transformers “normais”, com páginas de pancadaria realmente impressionantes como essa do meio da crítica em que vemos Devastador e Bruticus em combate em uma represa, com dois Decepticons lá embaixo, diminutos. Já no primeiro arco, o de origem de Starscream, o mesmo não acontece, já que a arte ficou por conta de Jason Howard, desenhista com traços mais leves e uma pegada mais… infantil para os personagens, o que definitivamente não combina com o texto de Johnson.
Minha maior curiosidade, agora, é saber se Daniel Warren Johnson ficará satisfeito com a escala e com a quantidade de personagens que conseguiu inserir na narrativa ou se ele tentará dobrar a já dobrada meta e chegar a outro patamar no próximo arco. No meu ombro direito, tem aquele meu “eu anjo” dizendo que já basta e que o importante é trabalhar com o que já foi apresentado, mas, no meu ombro esquerdo, tem o meu “eu diabo” que que ver o circo pegar fogo e descobrir até que ponto o roteirista conseguirá chegar sem fazer com que tudo desmorone. Minha impressão é que, como a indústria de quadrinhos não é lá muito diferente da audiovisual em termos de ambição, o que está vindo por aí será ainda mais gigantesco…
Transformers (2023) – Vol. 3 (EUA, 2024/25)
Contendo: Transformers (2023) # 13 a 18
Roteiro: Daniel Warren Johnson
Arte: Jason Howard (#13 e 14), Jorge Corona (#15 a 18)
Cores: Mike Spicer (#13, 14, 17 e 18), Sarah Stern (#15 e 16)
Letras: Rus Wooton
Editoria: Ben Abernathy
Editora: Skybound (Image Comics)
Datas originais de publicação: 09 de outubro, 13 de novembro e 11 de dezembro de 2024; 08 de janeiro, 12 de fevereiro e 12 de março de 2025
Páginas: 188