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Crítica | Transformers (2023) – Vol. 1

Um recomeço violento e de qualidade.

por Ritter Fan
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Apesar de ter vivido a febre dos “brinquedos com narrativa forçada” dos anos 80, ou seja, aquela época em que só lançar brinquedos parou de bastar e passou a ser necessário dizer às crianças como brincar, nunca fui um grande fã dos Transformers. Sim, claro que achava bacana transformar os robôs em veículos (e outras coisas aleatórias) e vice-versa, mas a história deles nunca me pegou de verdade, mesmo considerando a HQ da Marvel Comics lançada no mesmo mês em que os brinquedos chegaram às lojas dos EUA (maio de 1984), inicialmente em forma de minissérie, e, depois, sendo levada até a 80ª edição, além da famosa animação que começou a ser transmitida alguns meses mais tarde, em setembro. Entre as duas grandes franquias de brinquedos para meninos da Hasbro, preferia G.I. Joe (ou Comandos em Ação por aqui, a versão diminuta e muito mais ampla dos bonecos da linha Falcon, como ela foi batizada no Brasil).

Mas isso não quer dizer que eu sou um completo ignorante em Transformers, já que era impossível fugir do bombardeio midiático da fabricante de brinquedos mesmo aqui, em nosso país, ainda em plena ditadura militar. Acompanhei mais ou menos o desenho animado e alguns de seus sucessores, inclusive e especialmente o longa animado de 1986, e cheguei a ler bastante os quadrinhos ao longo das décadas que foram passados da Marvel para a Dreamwave e, com a falência desta última, para a IDW Publishing, que manteve os direitos de 2004 até 2022. Como meus últimos vários contatos com a franquia se deram na forma daqueles terríveis filmes live-action inicialmente comandados por Michael Bay – valendo excepcionar Bumblebee, que é meramente ok, sem dúvida representando um avanço – decidi aproveitar o recomeço da série em quadrinhos pelo selo Skybound, da Image Comics, com o anunciado início do chamado Universo Energon, que reuniria os robôs transformadores, G.I. Joe e a mitologia nova introduzida em Void Rivals, para ver se minha opinião depreciativa da franquia mudaria.

E devo dizer que, se este primeiro arco escrito e desenhado por Daniel Warren Johnson for algum sinal, minha opinião tem tudo para mudar. Não que ele traga novidades, vejam bem, pois este início é, em linhas amplas, uma reimaginação das quatro primeiras edições da Marvel que formaram a minissérie que deu o pontapé inicial para a mitologia dos robozões transformadores, explicando como os Autobots e Decepticons vieram parar na Terra, como despertaram e como eles recomeçaram a pancadaria, desta vez com humanos ao seu redor, mas sempre sedentos de alguma fonte de energia para funcionar. Aos que já conhecem bem essa história e já estão cansados de “recomeços”, eu entendo bem o que sentem, mas mesmo assim sugeriria embarcar na aventura, pois o que Johnson faz, aqui, começa muito familiar ali pelas duas primeiras edições, mas, sem demorar, começa a ganhar distância do material fonte em termos narrativos e de desenvolvimento de personagens. Não, personalidades não são traídas e a história macro continua intacta, mas o roteirista e artista, bebendo da primeira geração dos personagens – a G1 – não se faz de rogado e começa a construir sua própria história, seu próprio caminho para os dois lados da luta milenar entre os seres de metal.

Além disso, pela primeira vez em tudo que li ou assisti na franquia – e incluo o longa animado e os filmes live-action nessa afirmação -, notei a presença constante da sensação de perigo e de que ninguém, humano ou robô, estava realmente seguro ou garantido ao longo da leitura. Para começo de conversa, Johnson não se furta de retratar violência de robôs contra robôs e robôs contra humanos de uma maneira consideravelmente próxima do que poderia chamar de realista. Apesar de o conceito de os Transformers serem “consertáveis” com uma certa facilidade, algo que permeou grande parte das HQs no passado e que de certa maneira continua aqui, o que o autor faz nessa sua repaginação é criar situações em que vemos seres metálicos serem efetivamente obliterados para além de qualquer possibilidade de conserto. Em outras palavras, é fácil acreditar na morte dos cybertronianos, algo que, espero, não seja nunca desfeito ou pelo menos não em futuro próximo (afinal, em quadrinhos, qualquer morte é relativa). No lado do embate entre robôs e humanos, aquela sensação de que homens, mulheres e jovens podem andar impunemente entre seres gigantes feitos de metal e por vezes até lutar com eles inexiste por completo aqui e um aperto de mão esmaga humanos até eles virarem polpa de tomate.

E o melhor é que o grau elevado de violência não é gratuito. Ao contrário, ela faz completo sentido dentro do contexto de tudo o que ocorre, especialmente levando em consideração a diferença de tamanho, força e resistência entre robôs e humanos, algo que é amplificado pela maneira como Starscream, líder de fato dos Decepticons já que o paradeiro de Megatron é desconhecido no arco, é retratado. No lugar de um robô sedento pelo poder que faz de tudo para trair seu chefe como ele é normalmente retratado, aqui o robô é um completo e absoluto psicopata que não só chama os humanos de “squishies”, como ele se refestela na violência pela violência, como, por exemplo, ordenar a destruição de um hospital inteiro só porque é lá que é a “oficina para consertar humanos”. E os demais Decepticons, sendo sincero, não ficam lá muito atrás do chefe nessa sede de sangue e óleo e não titubeiam em momento algum em causar a maior quantidade possível de estragos entre humanos e robôs.

A tradicional arte “suja” de Johnson é propícia para essa ambientação, por duas principais razões. A primeira delas é que as cores e os exageros distrativos que são os robozões por suas próprias naturezas espalhafatosas são reduzidas pela crueza das linhas do desenhista, com a escolha de tons pelo colorista Mike Spicer contribuindo para a pegada mais séria, menos infantil da história que é contada. A segunda é que, com esses traços mais dinâmicos, os “ângulos retos” agressivos dos alienígenas metálicos são também reduzidos, criando mais fluidez, mais… humanidade… para eles e, com isso, aumentando a conexão do leitor com os personagens não humanos. E, do lado humano, os personagens centrais – Sparkplug, Sparky e Carly – acabam funcionando melhor quando são pareados com os Autobots ou, claro, colocados em oposição aos Decepticons. Espero, apenas, que o desenhista Jorge Corona, que assumiu a série a partir da edição #7 (os roteiros continuarão sendo de Johnson), mantenha esse espírito, mesmo que naturalmente imprimindo seu estilo.

Diversos outros aspectos menores, mas ainda interessantes merecem destaque, como o fato de Sparkplug ser um alcóolatra que sente falta de seu filho mais velho e que, com a violência ao seu redor, retorna ao seu passado de veterano de guerra para jogar para fora toda a raiva, ressentimento e trauma que sente. Também gosto muito da abordagem anti-armamentista de Johnson, que faz com que quase a totalidade da população do Oregon, onde tradicionalmente a família Witwicky mora, seja composta de portadores de armas de fogo de calibres e tipos variados, sem problema algum em sair atirando para todos os lados, mesmo que isso acabe significando tragédia. Se os humanos – com exceção dos mais jovens – têm dificuldade de separar amigos de inimigos e, na dúvida, são capazes de barbaridades, cabe novamente a Optimus Prime arrefecer ânimos e colocar-se a frente de todos, mesmo que isso o prejudique diretamente.

E, claro, por se tratar da segunda série do Universo Energon, o arco é o primeiro a introduzir Duke nele, personagem que, todos sabem, é um G.I. Joe e que retorna em minissérie própria que faz par com a do Cobra Commander e outras duas anunciadas e, na época de publicação da presente crítica, ainda não lançadas: Scarlett e Destro. Não é lá uma introdução das mais orgânicas, admito, mas ela é diminuta e rápida, sem atrapalhar o ritmo da história central, com Duke aparecendo tão rapidamente quanto desaparece. Fico curioso para ver como será a fusão de universos e se a unidade G.I. Joe já existe nesse contexto ou se ela será criada em razão dos eventos extraterrestres que se desenvolvem.

O recomeço de Transformers pela Skybound/Image é surpreendentemente muito melhor do que eu poderia esperar, seja em termos narrativos, seja em termos artísticos. O conflito entre Autobots e Decepticons foi muito bem levado para as páginas dos quadrinhos e elevado a algo bem menos maniqueísta do que o normal, com os dois lados do conflito ganhando peso e com os humanos ao redor funcionando para a história e não apesar dela. Resta, agora, torcer para que essa qualidade continue!

Transformers (2023) – Vol. 1 (EUA, 2023/2024)
Contendo: Transformers (2023) # 1 a 6
Roteiro: Daniel Warren Johnson
Arte: Daniel Warren Johnson
Cores: Mike Spicer
Letras: Rus Wooton
Editoria: Sean Mackiewicz
Editora: Skybound (Image Comics)
Datas originais de publicação: 04 de outubro, 08 de novembro e 06 de dezembro de 2023; 10 de janeiro, 14 de fevereiro e 13 de março de 2024
Páginas: 193

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