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Crítica | Touki Bouki – A Viagem da Hiena

por Luiz Santiago
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Touki Bouki – A Viagem da Hiena é um verdadeiro marco do cinema, não só do Senegal, mas de toda a leva de produções experimentais (técnicas e narrativas) que seguiam despontando no início dos anos 70. Primeiro longa-metragem do diretor Djibril Diop Mambéty, seguindo-se aos seus já muito admirados Cidade de Contrastes e Badou Boy (este último, com grande influência na construção do presente roteiro), Touki Bouki conta uma história de busca por melhoria de vida e ascensão social a partir do ponto de vista de um personagem corajoso e malando, Mory (Magaye Niang), que junto de sua namorada Anta (Myriam Niang) faz a desejada viagem do Senegal à França.

A canção Paris, Paris, Paris, na voz da icônica Josephine Baker, embala esse trajeto de Mory e Anta até o porto de Dacar, e num primeiro olhar, podemos ver a obra como um drama experimental, socialmente crítico e de narrativa não-linear sobre fuga de um modo de vida para se tentar outro. De certa forma, o cinema de Mambéty constantemente olhou para indivíduos que trafegavam por um espaço geográfico em busca de entendimento do mundo ao seu redor ou, na maioria das vezes, em busca de sobrevivência, cada um em um contexto diferente. Em A Viagem da Hiena, o diretor expandiu o seu espaço de ação e trabalhou não apenas com o sonho de riqueza desses indivíduos, mas também com a ordem dominante ao seu redor e como isso os afetava, mesmo sem eles notarem.

A abertura e o fechamento do filme num abatedouro (debate-se há muito tempo sobre a necessidade ou possível gratuidade dessas cenas) fala diretamente com o destino do protagonista, que mesmo sem querer é arrastado para um cenário que poderá trazer a sua aniquilação. Mas o interessante desse uso simbólico é que a morte pode vir de duas formas, seja pela fome e falta de oportunidades no Senegal (que invariavelmente faria de Mory um criminoso e o colocaria na cadeia) ou pela verdadeira face racista e exploradora da França, que não trata os seus imigrantes — especialmente os negros — da forma que Mory idealiza. O diretor fala precisamente sobre isso ao utilizar algumas conversas entre pessoas brancas no navio, já no desfecho da obra, para nos dar uma noção de quão distantes estão as visões de mundo desses grupos étnicos.

Através da montagem, Mambéty altera a nossa percepção do tempo para quando os eventos acontecem na narrativa, e é só mesmo através da repetição (o esquema de “tema e variações” é fortemente sentido) que temos uma visão clara do que está acontecendo. Esse mesmo truque é utilizado para ocultar algumas coisas do público, revelando-as apenas num momento adiante, e principalmente para nos fazer sentir como Mory e Anta vivem as mesmas experiências a partir de ações bem diferentes, especialmente no final.

Há um sentimento dominante de abandono. A vida segue, mas dos universitários àqueles que penam para ganhar alguns centavos por dia, falta uma verdadeira perspectiva. O que Mambéty faz em Touki Bouki – A Viagem da Hiena é dar corda para essa desesperança e mostrar até onde certos indivíduos estão dispostos a ir (e sob que símbolos escolhem fazer isso) para lograr uma mudança de vida. Ou melhor: para conseguir chegar na França e mudar de vida. A triste realidade é que o processo é terrível para os que insistem, e pouco se sabe do que os espera no norte, na casa dos antigos colonizadores (Sembène já tinha alertado sobre isso em A Negra De…). A tal “viagem da hiena”, do título, tem um sentido bem maior quando olhamos por este lado. E então chegamos à conclusão de que que na sociedade, a cadeia alimentar não funciona da forma como muitos esperam.

Touki Bouki – A Viagem da Hiena (Touki-Bouki) — Senegal, 1973
Direção: Djibril Diop Mambéty
Roteiro: Djibril Diop Mambéty
Elenco: Magaye Niang, Myriam Niang, Christoph Colomb, Mustapha Ture, Aminata Fall, Ousseynou Diop
Duração: 85 min.

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