Construída das cinzas da 2ª Guerra Mundial, planejada e executada por “heróis-arquitetos nazistas“, a cidade de Neópolis concentra um inacreditável número de pessoas e criaturas com superpoderes, sem contar a presença de deuses de diferentes panteões agindo sob as regras da lei contemporânea. É uma realidade onde uma quantia imensa de seres são dotados de habilidades especiais das mais diversas, e se alinham a diferentes visões morais, trazendo a necessidade de uma força policial que também possua poderes, a fim de enfrentar esses bandidos de igual para igual. É aí que entra a Top 10 (ou Décimo Distrito), uma delegacia criada pela Grande Central da Terra-54 — uma das muitas criações de “delegacias especiais” do Multiverso dessa saga. Todas essas informações nos são fornecidas num texto de abertura escrito pelo próprio Alan Moore para o arco Contra o Crime, dando-nos um panorama da história local e nos fazendo entender, em linhas gerais, como e por que algumas coisas são como as vemos nas páginas da HQ.
A trama se desenvolve nas ruas da cidade, pelos becos e casas, num museu aos pedaços, em um templo repleto de deuses, enfim, em diferentes locais dentre os andares de Neópolis. Há uma cutucada do autor sobre castas e sobre a organização social num grande abismo de classes, mas isso nunca se torna tema da aventura, porque está óbvio através da arte e do cenário, com os artistas demarcando claramente as condições das pessoas ou criaturas nos casos investigados. Essa grande movimentação por vários espaços faz com que o leitor também se acostume com as idas e vindas do enredo, que não foca em um único problema. Para pessoas que não gostam de aventuras policiais protagonizadas por um grupo maior de pessoas, ou de tramas que expõem uma linha de diferentes situações que precisam da atenção dos policiais (mesmo que um ou dois “problemas de destaque” sejam os eleitos para aquele bloco dramático) tenderão a achar Top 10 uma série difusa, mas é importante dizer que esta é realmente a proposta aqui.
Ao longo da leitura, eu me lembrei diversas vezes da dinâmica de Mistérios do 87º Distrito, de Ed McBain. Gosto muito da ideia de o protagonismo ser dividido entre diferentes personagens, em suas diferentes funções e uso de poderes. Isso adiciona um agradável fator surpresa ao longo do arco, tanto nos desdobramentos da investigação, quanto na aparição de novos mocinhos ou mocinhas com poderes, prontos para neutralizar uma ameaça. Essa pluralidade geográfica, dramática e de personagens faz com que nossa atenção esteja o tempo inteiro presa, e que nos sintamos instigados a descobrir o que está por trás de um certo assassinato, de um hábito criminoso da cidade, de um dilema aparentemente sem resolução. Nesse contexto, é evidente que o roteiro de Alan Moore não “inventa a roda” e nem se eleva às alturas com ideias mirabolantes sobre o que pode estar acontecendo. Ou seja, não estamos aqui diante de uma concepção investigativa que seja intocável ou inovadora, em termos de qualidade, mas sem sombra de dúvidas, temos em Top 10 uma ótima saga policial que faz muito bem aquilo que deve fazer.
O mesmo posso dizer da arte de Gene Ha e Zander Cannon, que exibem as perversões, violência e absurdos desse mundo com bastante competência, mas em composições rústicas (ótimas em sua proposta, que fique muito claro) que, ao menos sob o meu olhar, não vão muito além dessa boa linha de qualidade para mostrar Neópolis e seus habitantes. À parte o lado dos crimes e investigações, o texto ainda consegue criar espaço para notáveis desenvolvimentos de personagens e dramas particulares que não imaginávamos ter espaço em títulos como este. Contra o Crime nos apresenta a delegacia Top 10 com alguma crueza, mas guarda as devidas proporções com a criminalidade, a miséria humana e a empatia (assim como os erros e os excessos) dos homens e mulheres da lei em nossa realidade. É um espelho fantasioso, mas muito divertido, de um trabalho que faz parte de qualquer civilização: o grupo concebido para colocar ordem e fazer justiça quando for necessário, defendendo os interesses de uma instituição ou ideologia.
Top 10 – Contra O Crime (Top Ten #1 a 7) — EUA, setembro de 1999 a abril de 2000
Roteiro: Alan Moore
Arte: Gene Ha, Zander Cannon
Arte-final: Gene Ha, Zander Cannon
Cores: Wildstorm FX
Letras: Todd Klein
Capas: Alex Ross, Gene Ha, Zander Cannon, Michael Garcia
Editoria: Scott Dunbier, Eric DeSantis
Editora original: America’s Best Comics (selo da Wildstorm; também um selo da DC Comics)
No Brasil (edição lida para esta crítica): Panini, 2021
Tradução: Rogerio Saladino, Leandro Luigi
192 páginas