É uma pena que Alan Moore e Gene Ha não tenham continuado com a série Top 10, sendo este segundo arco, Assuntos Internos, o último da saga dos policiais super-heróis de Neópolis. A trama se passa poucas horas depois dos eventos de Contra o Crime, e desta vez, o procedimento policial é praticamente todo externo. A explicação para isso vem do fato de tudo o que precisávamos saber a respeito do funcionamento da delegacia Top 10 ter sido entregue para o público anteriormente, de modo que sobra muito tempo para o autor e o desenhista explorarem as ações policiais “fora de casa”, no sentido mais amplo da palavra. O título “Assuntos Internos” faz jus à linha central de ações desenvolvidas, embora o roteiro trabalhe com inúmeras linhas narrativas, sendo cada uma das revistas marcadas por uma “trama inédita” completada por alguns quadros ou páginas que aludem a essas investigações já em andamento ou, de fato, a “assuntos internos” da polícia ou de instituições.
Logo na primeira edição, O Esquema, notamos muitos problemas já conhecidos reaparecerem nas intenções de pauta do grupo Top 10, todavia, a grande estrela da revista é a abordagem de Moore para um acidente que acontece nas imediações, nos “níveis superiores” da cidade. A solenidade com que tudo é tratado pelo autor é tocante. O que poderia ser apenas uma passagem rápida por um problema comum, um simples acidente de trânsito, torna-se uma emocionante reflexão sobre a vida e sobre a existência de acidentes na jornada das pessoas, com todas as suas terríveis consequências. O autor nos prepara para os momentos mais tristes do arco ao nos lembrar, já no início, da finitude de todos os seres vivos, dos riscos, e de que nem sempre as coisas terminam conforme o planejado.
Nos quatro capítulos seguintes, as histórias estão um pouco mais interligadas. Contudo, ainda estamos diante de pequenos enredos inéditos, com surpresas que até poderiam virar spin-offs da série, de tão boas que são. Em outra seara, um dos elementos mais divertidos que acompanhamos são as referências na arte de Gene Ha. Entre a comicidade e a necessidade de expressar certas ideias, o artista espalha um número gigante de figurantes ligados ao mundo do entretenimento, da mitologia, da TV, dos quadrinhos e literatura. No decorrer das páginas, nos deparamos com um Dalek em pelo menos duas ocasiões, vemos o Pato Donald voando; Asterix e Obelix assistindo a um espetáculo num Coliseu de outro planeta, e versões parodiadas do Quarto Mundo de Jack Kirby, de Homem-Aranha: Nunca Mais!, do Demolidor, Quarteto Fantástico, Vingador Fantasma, Galactus, Loki, Crise nas Infinitas Terras, Eu Robô, e mais dezenas de outras histórias e personagens. É um trabalho muito interessante de acompanhar, que exige maior contemplação estética, embora este não seja, sob nenhum aspecto, um projeto visualmente desafiador. Há, entretanto, uma grande riqueza nas ideias de Gene Ha, com destaque para o Distrito Sede, num planeta onde o Império Romano jamais chegou ao fim.
Os personagens de Assuntos Internos são mostrados mais cansados e sem paciência, se os compararmos com suas versões de Contra o Crime. Embora tenham enfrentado coisas muito sérias anteriormente, eles surgem aqui em cenas bastante intensas, às vezes constrangedoras, às vezes emocionantes ou enraivecedoras. Este é um arco onde vemos tudo avançar muito rapidamente, mas sem desleixo. O avanço rápido funciona de maneira aplaudível, sendo bem escrito e nos divertindo durante toda a sua execução. Só podemos lamentar que o cotidiano da delegacia Top 10 tenha sido encerrado aqui. Eu leria facilmente mais umas 50 edições da série com esse mesmo nível de aventuras elencando todo tipo de crime cometido por vilões científicos e resolvidos por heróis da mesma categoria, com vidas complexas e em situações constantemente bizarras.
Top 10 – Assuntos Internos (Top Ten #8 a 12) — EUA, junho de 2000 a abril de 2000
Roteiro: Alan Moore
Arte: Gene Ha
Arte-final: Gene Ha, Zander Cannon
Cores: Wildstorm FX, Alex Sinclair
Letras: Todd Klein
Capas: Gene Ha, Zander Cannon, Chris Garcia, Alex Sinclair
Editoria: Scott Dunbier, Jeff Mariotte, Neal Pozner, Kristy Quinn
Editora original: America’s Best Comics (selo da Wildstorm; também um selo da DC Comics)
No Brasil (edição lida para esta crítica): Panini, 2021
Tradução: Rogerio Saladino, Leandro Luigi
125 páginas