Home QuadrinhosArco Crítica | Tom Strong – Vol.2: Terror na Terra Obscura

Crítica | Tom Strong – Vol.2: Terror na Terra Obscura

Explorando outras dimensões.

por Luiz Santiago
247 views

Este é o segundo arco da série Tom Strong, seguindo-se ao excelente A Origem. As sete edições que compõem este bloco de histórias foram originalmente publicadas entre julho de 2000 a agosto de 2001, todas escritas por Alan Moore e desenhadas por times diferentes de artistas. A contrastante natureza entre os capítulos deste arco e aqueles de A Origem pode ser vista  na inclusão de mais de um evento em cenários variados e com protagonistas distintos na maioria das revistas, todas recebendo atenção em suas tramas heroicas, parodiando um certo estilo clássico de escrita ou arte. Apenas a narrativa principal, Terror na Terra Obscura, é uma saga fechada e que dura mais de uma edição para se concluir.

Cavaleiros da Chapada Perdida abre o arco, e é um faroeste que mostra Tom Strong e Salomão investigando um estranho reaparecimento da camada superior de uma mesa geológica localizada em algum lugar no oeste/sudoeste dos Estados Unidos. A centena de pessoas que ali habita está desfigurada (possui um terceiro olho na testa), em decorrência do que Tom deduz ser uma experimentação alienígena. Este é um encontro que facilmente poderia fazer parte de um capítulo de Além da Imaginação, pois traz a ocorrência de algo impressionante (abdução e experimentos de seres fora da Terra nos humanos abduzidos) que acaba sendo mantido em segredo por quem descobre as vítimas e resolve deixá-las em paz, dentro daquela particularidade, com aquele grande segredo.

A segunda história (Educação Archayca! / The Old Skool!) já não me agradou no mesmo nível, apesar de eu ter gostado dela, pois o tema central é… bem… a educação. É uma aventura no mundo de Jimmy Turbo, que participa de uma excursão escolar ao antigo Millennium Junior High, um colégio “dos tempos antigos“, onde os computadores eram poucos e ainda se utilizava giz na lousa. De repente, uma das colegas de classe do menino (Sue Blue, por quem ele é apaixonado) é puxada para dentro de uma carteira, para outra dimensão. O texto é fortemente marcado pelas ideias de Another Brick In The Wall, e Moore usa a batalha dos Strongmen da América contra professores-robôs extremamente rígidos e punitivos para denunciar métodos arcaicos de disciplina, de transmitir conhecimento e de verdadeiramente educar crianças e adolescentes para a vida.

A primeira revista termina com Fagulhas (Sparks), uma aventura de Tesla na beira de um vulcão. Salomão trabalha para evacuar a população de uma ilha durante um ataque de criaturas humanoides, feitas de lava. Como Tom e Dhalua estão lidando com uma situação de reféns no teleférico de Millennium City, Tesla entra no vulcão ativo para lutar sozinha contra as criaturas. Seu traje de proteção não é suficiente para lhe dar vantagem, e quando está prestes a ser violado, uma criatura vulcânica de alto escalão manda embora os atacantes da jovem e então a beija apaixonadamente, pelo capacete. À medida que Tesla sai do vulcão e ele se acalma, ela relata esses eventos a Salomão. Essa trama, de certa forma, dialoga bastante com o “segredo mantido” que vimos em Cavaleiros da Chapada Perdida. As criaturas continuam lá, mas cessam o ataque à ilha. Não é a melhor exposição visual de Alan Weiss, cujo trabalho de destaque nos desenhos está na história de abertura, mas a trama, como um todo, convida-nos a pensar sobre a convivência compartilhada entre diferentes espécies num mesmo planeta.

Já as três histórias da edição #9 são interligadas, e há um fator de tempo que deixa a narrativa conceitualmente mais complexa aqui, apesar de ser estruturada de forma simples. Em O Terrível Templo de Tayasal!, vemos o retorno da temática Asteca à série, desta vez, com um elemento emotivo muito forte, inclusive lembrando um dos conceitos de Amor Alienígena, na Saga do Monstro do Pântano. Esta edição traz referências artísticas ao Universo de Tintim, especialmente na capa, com a mesma tipografia e características de linha fina nos desenhos, um bom trabalho visual de Paul Chadwick, que faz, inclusive, uma representação aplaudível da criatura espacial. A composição vítrea e com aparência líquida é impressionante, principalmente porque junta características orgânicas e mecânicas num mesmo ser, o que sempre gera resultados notáveis para personagens extraterrestres, e é um dos tipos de vida alien que Alan Moore  mais gosta de trabalhar, tanto que, sempre que possível, ele cria um novo personagem com essas características.

Na sequência, temos Sonhos Vulcânicos, que se passa imediatamente após a situação com a pirâmide Asteca; e Atitude Virada, que é uma comédia com Tesla enfrentando sozinha a Kid Tilt, filha do vilão Rei Tilt. Nenhuma das duas aventuras traz algo de verdadeiramente especial, mas a primeira tem um aspecto de narrativa e relaxamento que me agrada mais, porque explora a dualidade e a possibilidade do olhar humano para o que pode ou não ter acontecido na cerimônia de iniciação de Dhalua. Já Atitude Virada fica mais na comédia física e no estilo adolescente de narrar um evento, sem muita coisa que indiquemos como memorável.

Tom Strong e o Autogiro Fantasma é a principal história da edição #10 e, sinceramente, só funcionou mesmo a fantástica arte de Gary Gianni, com cores e Matt Hollingsworth. O texto pesado, no estilo “início do século XX“, e a aventura do protagonista na terra dos fantasmas não me chamaram a atenção em quase nada. Já Divertilândia é uma entrada cômica de respeito, fazendo Tom visitar uma realidade alternativa onde se encontra com uma versão animal de si, o coelho Warren Strong. O trabalho de Chris Sprouse, nos desenhos, exibe muito bem essa realidade habitada por animais falantes e cujas regras malucas são iguais às dos desenhos animados. Adiante, a pequena trama Teslas Demais? é mais um indicativo de encontros com outras versões desses personagens. E, diferente de Atitude Virada, consegue ser uma abordagem adolescente muito bacana.

Estranha Reunião e Terror na Terra Obscura são as edições centrais do arco e trazem uma história muito boa, com ingredientes de Flash de Dois Mundos e das parcerias entre a Liga da Justiça (Terra-1) e Sociedade da Justiça (Terra-2) na DC Comics da Era de Prata. É um enredo que traz eventos do passado de Tom, e que o faz reencontrar-se com uma versão muito bacana de si, vinda de outra Terra, de outra dimensão. A aventura tem a grandeza e o encadeamento típico das “Crises” da DC clássica, então não há um roteiro extremamente criativo. Mas o básico aplicado a essa nova realidade é muito bem feito e diverte consideravelmente. A joia da coroa, porém, vem na revista seguinte, Torre no Fim do Tempo, onde a Família Strong encarna uma paródia de Shazam e da Família Marvel, batalhando contra Paul Saveen, para impedir que ele consiga manipular o tempo através de um poderoso cristal. Esta sim é uma trama muito inteligente e que dá piscadelas para qual será o futuro de Tom Strong, o que me deixou muito curioso para saber o caminho que ele trilhará até chegar neste ponto.

E para terminar, a hilária e maravilhosa Família Espacial Strong!, uma aventura curta, mas absolutamente deliciosa, que eu adoraria que tivesse em uma versão com mais páginas, ou que se repetisse em outras edições da série. Há uma abordagem jocosa para as férias insanas com a família Strong, e tudo dentro de uma dinâmica típica dos anos 1950 (com o machismo da década e tudo!), que chama a atenção do leitor completo. Até poderia ser a trama de encerramento do volume, no lugar de A Terra do Desejo de Coração, que não é ruim, mas depois de uma história tão legal quanto Família Espacial Strong!, certamente fica alguns passos atrás e não empolga tanto quanto deveria… especialmente para uma finalização de revista.

Neste segundo volume, a série Tom Strong se manteve interessante e instigante, trazendo aventuras fora do convencional, brincando com a própria arte de produzir histórias em quadrinhos e entregando para o público visões estéticas diferentes em cada situação, assim como textos rigorosamente pensados para espelhar tipos de linguagem e comunicação diferentes, dependendo do tempo e do lugar onde a aventura se passa. A temática das múltiplas realidades e duplicatas impossíveis dos personagens que já conhecemos é a tônica das aventuras aqui, e nos faz conhecer situações e indivíduos dignos de uma saga tão plural como esta, que não se furta em brincar com a jornada dos gêneros narrativos e ainda cria espaço para as críticas certas, com a linguagem ideal e as indicações mais interessantes em termos de construção dramática. Continua sendo um presente ultra nerd da America’s Best Comics para todos nós.

Tom Strong: A Origem (EUA, julho de 2000 a agosto de 2001)
Publicação original: America’s Best Comics #8 – 14
No Brasil: Tom Strong N°2 (Panini, 2016)
Roteiro: Alan Moore
Arte: Alan Weiss, Paul Chadwick, Gary Gianni, Chris Sprouse, Russ Heath, Pete Poplaski, Hilary Barta
Arte-final: Alan Weiss, Paul Chadwick, Gary Gianni, Al Gordon, Russ Heath, Pete Poplaski, Hilary Barta
Cores: Wildstorm FX, Paul Chadwick, Matt Hollingsworth, David Baron
Letras: Todd Klein
Capas: Alan Weiss, Tad Ehrlich, Paul Chadwick, Gary Gianni, Chris Sprouse, Al Gordon, Matt Hollingsworth, David Baron, Tom McWeeney
Editoria: Eric DeSantis, Scott Dunbier, Jeff Mariotte
212 páginas

Você Também pode curtir

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Presumimos que esteja de acordo com a prática, mas você poderá eleger não permitir esse uso. Aceito Leia Mais