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Crítica | Tom & Jerry – O Filme

por Iann Jeliel
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Tom & Jerry

É interessante analisar esse retorno do híbrido entre cartoon e live-action, proposto por Tom & Jerry, num cenário social e tecnológico tão diferente de quando os desenhos surgiram e essa proposta foi levada à realidade. A criação da Hanna-Barbera já tem mais de 80 anos, e desde lá se preservou sua identidade calculada no processo destrutivo natural das espécies do gato e do rato. Ela nunca precisou passar por um processo de modernização, nova configuração de essência ou mesmo roupagem realística em live-action. Porque tudo é tão primitivo e básico que no máximo certos estereótipos levantados em seus entornos (como a dona de casa negra sem face) foram descartados para dar mais ênfase às criativas disputas envolvendo a rivalidade.

Se havia um medo com o anúncio deste filme, era de que isso se perdesse para um discurso ainda mais limpo pela natureza “imoral” dos personagens, que por sobrevivência sacaneiam um ao outro para conseguirem o que querem. Felizmente, isso não acontece, ao menos não de forma tão limpa. Tim Story parece ter sido a escolha ideal de direção nesse sentido, o cineasta em Shaft de 2019, a meu ver, provou que consegue construir um filme em que dinâmicas sujas preservadas possam coexistir com exigências modernas sem que uma anule a outra. E para isso, ele usa a divisão natural do filme entre o núcleo humano e o núcleo animado. Há de se elogiar a noção perfeita de timing do diretor em entrecortar ambos de modo que, principalmente, o humano não fale mais alto que o animado, como geralmente acontece.

Tom e Jerry continuam protagonistas em seu ciclo eterno de perseguição e por acaso se encontram na jornada moral da personagem de Chloë Grace Moretz, naturalmente encaixada na natureza da dupla. Um vigarismo sonhador e oportunista que só não cai no mesmo ciclo de perseguição prejudicial com o personagem de Michael Peña porque tem que ser subvertido a uma visão mais conservadora e certinha no contexto atual de filmes infantis. Contudo, é uma transformação que ocorre somente sobre sua óptica, fornecendo assim a possível modernização limpa que ocorreria nos personagens animados, sem precisar mudá-los de fato. Em algum momento do filme, é até proposta uma união entre eles para um objetivo comum, que porventura complementa esse arco moralista da personagem humana, mas não necessariamente os levará para os mesmos fins. É como no próprio desenho, isso acaba sendo mais um motivo de exploração humorística da dinâmica, que nessa estrutura se mantém totalmente preservada, ainda que beirando o disfuncional pelo vale da estranheza.

Sorte que Story é um diretor que sabe trabalhar com uma mistura de cenários artificiais de computação com efeitos práticos, como mostram os dois filmes do Quarteto Fantástico (de que particularmente gosto bastante). Nesse caso, também com o contrário, personagens artificiais em cenários práticos, que encenam de forma bastante crível a existência do cartoon naquela realidade. O universo admite em sua unidade que todos os animais são constituídos de desenho e que todo o restante irá interagir de forma síncrona com essa cartunização, apesar de serem reais. Isso é ótimo para fornecer uma fácil adaptação do núcleo humano a essa interatividade com animado inserido na pós-produção. É uma base que todos os bons híbridos seguiram primordialmente para não limitar as possibilidades do seu filme, que livre na roupagem cartoon ainda garante uma comunicação direta com seu público-alvo.

O grande problema talvez esteja mesmo na configuração do design. Os traços atuais – e isso vale para muitas animações, desenhos e até animes – são geralmente mais lisos no ambiente digital, com pouca textura de linhas que acaba inevitavelmente não harmonizando tanto com a realidade quanto os traços de desenhos antigos, com linhas que separavam mais nitidamente a profundidade de campo, que detalhava mais a curvatura dos corpos e os detalhes entre eles. Fica estranhamente artificial na artificialidade, e isso prejudica na percepção humorística do filme, que apesar de honesta na preservação da identidade do desenho, não exatamente funciona com regularidade, pois a todo momento falta harmonia visual na fisicalidade da piada (e o humor de Tom e Jerry é predominantemente físico). Fora que a construção separada da moralidade no núcleo humano não estimula a estrapolação animada com mais vigor.

Tom & Jerry até podia ser mais carnavalesco, mas sente que existe um ponto que impediria a coexistência do sujo com o limpo. Algo que de algum modo limita as possibilidades cênicas, contrapondo a intenção visual concebida para não perder em nada o caráter lúdico pelo cenário real. Assim, as intenções de virtudes de Tom & Jerry também abrem margem para os seus maiores deméritos. Por mais que minha descrição dos aspectos positivos e negativos esteja diretamente ligada a lembranças de uma diversão descontraída e descompromissada que me deixaram injuriado por não ter mais um aspecto animado tão bem detalhado, o filme não chega a ser dependente do valor nostálgico. Ele é independente temporalmente o suficiente para abrir um ótimo caminho ao retorno desses híbridos ao mercado no contexto.

Tom & Jerry – O Filme (Tom & Jerry | EUA, 2021)
Direção: Tim Story
Roteiro: Kevin Costello, April Prosser, Katie Silberman
Elenco (Atores): Chloë Grace Moretz, Michael Peña, Jordan Bolger, Rob Delaney, Patsy Ferran, Pallavi Sharda, Colin Jost, Somi De Souza, Ajay Chhabra, Ken Jeong
Elenco (Dublagem): T-Pam, Bobby Cannavale, Nicky Jam, Joey Wells, Harry Ratchford, Will ‘Spank’ Horton, Na’im Lynn, Lil Rel Howery, Utkarsh Ambudkar, Tim Story
Duração: 101 minutos

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