Gostaria de começar dizendo que nas últimas semanas eu estava meio “cult“. Andei fazendo uma maratona da filmografia do cineasta francês Robert Bresson, além de ter iniciado a bibliografia de Umberto Eco – apesar de que neste meio tempo eu terminei uma série (surpreendentemente legal) do Stephen Amell. E não estou falando sobre isso para “me mostrar” ou parecer presunçoso; apenas pontuando que andei consumindo Artes mais, digamos, densas e complexas. E eu estava precisando de uma pausa. Assistir algo mais leve e descompromissado. E o que melhor do que um shonen, não é mesmo?
Também não digo isso como demérito para o gênero – podemos chamar de gênero, certo? – dentro de animes, pois temos uma penca de exemplos por aí de shonens inteligentes, inventivos e memoráveis. Mas, convenhamos, a maioria esmagadora de animes desta categoria seguem uma cartilha já conhecida de clichês. E é exatamente isto que eu estava procurando. Os dois escolhidos foram To Your Eternity (um tanto mais intricado e fora da caixinha, que teremos crítica no futuro próximo se alguém se interessa) e o outro foi Tokyo Revengers. Este último, tema desta crítica, acompanha a história de Takemichi Hanagaki, um adulto solitário que odeia sua vida, que acaba viajando no tempo para seus anos escolares como delinquente após uma experiência de (quase) morte. Durante a jornada temporal, Takemichi descobre que pode mudar circunstâncias do futuro, incluindo salvar sua namorada dos tempos de colégio, Hinata, que foi assassinada por uma gangue que iniciou seus caminhos na mesma época que Takemichi estava no ensino médio.
Logo de cara, uma das coisas que mais gosto no anime é o total desinteresse de Ken Wakui (criador do mangá adaptado) em explicar como Takemichi consegue voltar no tempo. Acredito que shonens muitas vezes perdem tempo demais esclarecendo em minúcias elementos fantasiosos para dar uma falsa profundidade de mitologia e worldbuilding. Aqui, a viagem no tempo é uma alegoria e ponto. Nada mais – e torço para que isso se mantenha. Assim, Wakui está livre da ficção científica para poder focar em sua narrativa sempre em metáfora do arrependimento. Afinal, quem não adoraria voltar no tempo para mudar algumas decisões da vida?
Bem, é partindo deste ponto que Takemichi é seu típico protagonista perdedor, chorão e desprezado. O (infeliz) exagero está lá, com Takemichi derramando lágrimas a cada cinco minutos, mas confesso que isso não me incomodou tanto como pensei que incomodaria após os sofríveis minutos iniciais da série. Porque faz sentido a caracterização e personalidade do personagem dentro da temática de arrependimento. Ainda que mantenho uma total indiferença ao personagem, além de uma tremenda irritação com a sua burrice ao longa da obra, o roteiro da animação é inteligente em se comprometer a demonstrar Takemichi sempre falhando (e piorando) o futuro.
Existe um discurso (talvez até uma moral?) de como não podemos (e não devemos) alterar o passado, mas essa minha interpretação parte de um desenvolvimento mais sugestivo da obra, e não necessariamente explícito. O que, no entanto, Tokyo Revengers faz muito bem, é utilizar os constantes erros de Takemichi (daí sua importância como condutor narrativo) para os twists. A animação vive e morre por seus cliffhangers, e mesmo que não tenha a complexidade e genialidade de sua (aparente) influência em Steins;Gate, o enredo é extremamente eficiente em manter o espectador interessado nos desdobramentos das alterações de Takemichi.
Interesse este respaldado pela ambientação de “shonen de gangues” da história. Wakui caminha uma curiosa linha entre realismo e absurdismo. Por um lado, o autor coloca em foco uma juventude transviada – típica de obras nipônicas, como de Takeshi Kitano – com a delinquência e a violência que adicionam uma carga dramática às mudanças temporais de Takemichi, e consequentemente deixam plot twists mais intrigantes. Aliás, há quase uma aproximação ao seinen, já que o anime desenvolve temas e conflitos adultos como estupro, encarceramento e hierarquia de organizações criminosas. Por outro lado, a série carrega várias características de mitologia de shonens mesmo em um ambiente realista, como se o microcosmo dos delinquentes fosse um mundo aberto de fantasia com batalhas colossais e personagens invencíveis e super-humanos. Mesmo que tecnicamente regular – as cenas de ação são bem simples -, pensando em termos visuais de construção de mundo (cores de cada gangue, cenários marginais) e a ótima caracterização de personagens coadjuvantes como Draken, Mikey e Kisaki, Tokyo Revengers é uma boa produção animada.
Obviamente que todos os aspectos positivos citados estão envoltos por um encadeamento extremamente convencional para animes. Sinto uma tremenda falta de ambiguidade para a gangue de Toman – o roteiro vai lentamente caindo num maniqueísmo, bem vs mal, que não combina com a trama de gangues -, além de que, claro, os diálogos são bastante pobres e o protagonista é um poço de desinteresse. Para mim, isso é resultado de Wakui se arriscar mais em ideias – a mistura de fantasia e realismo – e na apresentação de temas adultos, do que necessariamente ousar na execução ou se aprofundar tematicamente. Tokyo Revengers se destaca por uma eficiência narrativa de cliffhangers e a ótima ambientação, mas continua sendo um shonen padrão. E como disse no início do texto, às vezes é o que precisamos.
Tokyo Revengers (東京卍リベンジャーズ, Tōkyō Ribenjāzu) – 1ª Temporada | Japão, 2021
Criado por: Ken Wakui
Direção: Koichi Hatsumi
Roteiro: Ken Wakui, Yasuyuki Mutō
Elenco: Yūki Shin, Azumi Waki, Ryōta Ōsaka, Yū Hayashi, Tatsuhisa Suzuki, Showtaro Morikubo, Shun’ichi Toki, Satoshi Hino, Takuma Terashima
Duração: 580 min. (24 episódios)