Se há algo que os livros Todos os Meus Amigos Estão Mortos (2010) e Todos os Meus Amigos Ainda Estão Mortos (2012) nos ensinam, é que o riso, muitas vezes, surge de onde menos esperamos: do desconforto, da (esperada) dor e até mesmo da percepção inescapável de que o tempo, esse tirano silencioso, não deixa pedra sobre pedra. Ao propor um mergulho em dilemas existenciais revestidos de um humor afiado, Avery Monsen e Jory John entregam ao leitor algo que se recusa a ser categorizado com facilidade, segundo eles próprios: é o livro engraçado mais triste e o livro triste mais engraçado, arrastando o leitor para uma reflexão hilária sobre a transitoriedade da nossa existência. A cada página, ilustrada com desenhos minimalistas (mas alguns até bem expressivos), e acompanhada de frases curtas e espirituosas, somos confrontados com uma dualidade que desarma e, ao mesmo tempo, convida à introspecção: como podemos rir do fim inevitável?
Cada frase aqui é construída para funcionar em múltiplos níveis: do trocadilho direto à ironia de sentidos mais profundos, até a literalidade que, muitas vezes, nos surpreende pelo absurdo de sua honestidade. A meia que lamenta a perda do par ou o dinossauro que declara que todos os seus amigos estão mortos, são exemplos claros de como os autores brincam com as metáforas da existência, embalando-as em um formato simples e acessível, mas jamais superficial. O humor aqui não é apenas um alívio, mas uma ferramenta de ampliação do olhar, que nos força a perceber que as dificuldades da vida, mesmo quando apresentadas de maneira leve, possuem raízes que se conectam a verdades universais – e, talvez, seja exatamente por isso que elas nos fazem rir e, ao mesmo tempo, sentir um leve aperto no peito.
O segundo volume, Todos os Meus Amigos Ainda Estão Mortos, lançado dois anos depois do primeiro, foi recebido com menos entusiasmo por parte de alguns leitores, mas acredito que essas opiniões subestimam o quanto a continuidade permite uma expansão do conceito inicial. Sim, o fator surpresa é diminuído, mas os autores conseguem manter a proposta viva ao introduzir elementos novos e inteligentes, como o robô solitário em busca de um amigo, uma ótima piada que costura o livro com uma consistência criativa invejável. Aqui, a dupla não apenas revisita os temas do primeiro volume, mas os aprofundam, explorando o lado cíclico e, muitas vezes, frustrante da existência humana (e não humana), enquanto reafirmam a noção de que até mesmo na repetição e no absurdo há beleza. Visualmente, as obras apostam em ilustrações quase infantis, que contrastam deliberadamente com o conteúdo tragicômico e existencial. Eu preferiria um estilo mais elaborado, talvez com mais cores ou mais cenários, mas acredito que a opção pelo minimalismo gráfico foi uma escolha deliberada, destinada a reforçar a universalidade e a acessibilidade do humor. O impacto não está no visual em si, mas na força cômica que ele ganha quando associado às frases.
No cerne dessas obras, há uma lição de aceitação que se insinua por entre as risadas e o desconforto: nada é permanente, nem as conexões que fazemos, nem os papéis que desempenhamos, nem mesmo as identidades que construímos para nós mesmos. Seja você um pirata com amigos escorbúticos, uma árvore cercada de mesas laterais ou uma planta de casa negligenciada, a mensagem permanece: tudo passa. Aceitar a impermanência não significa resignar-se à apatia, mas encontrar, mesmo que por um breve momento, algo pelo qual valha a pena sorrir. E talvez seja exatamente esse o ponto mais tocante desses livros: ao rirmos de situações tão absurdas quanto trágicas, encontramos uma forma de afirmar que, apesar de tudo, ainda estamos aqui, tentando encontrar sentido no caos.
Os livros, em sua aparente simplicidade, nos fazem pensar não apenas sobre as perdas que acumulamos, mas sobre a força que reside na capacidade de rir delas. Monsen e John criaram algo que transcende o humor trágico e ácido por si só, oferecendo uma experiência que nos faz reavaliar a maneira como encaramos a passagem do tempo e a fragilidade da existência. E novamente constatamos que a vida, assim como esses livros, é uma coleção de momentos breves, cômicos, dolorosos e inesperadamente profundos. Tudo o que podemos fazer é viver cada um deles com honestidade e, se possível, com um sorriso.
All My Friends Are Dead / All My Friends Are Still Dead (EUA, 2010 e 2012)
Autores: Avery Monsen, Jory John
Editora original: Chronicle Books
98 e 108 páginas