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Crítica | Todos Nós Desconhecidos

Fantasmas em memória.

por Felipe Oliveira
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Olhando para a filmografia de Andrew Haigh é perceptível como suas criações são certeiras. Depois de quase sete anos, o cineasta britânico retorna a direção de um longa-metragem com uma história sensível, trazendo um olhar enigmático para um enredo que soa recorrente, familiar por contar um drama queer romântico. Mas mesmo com a sensação de familiaridade, ao imaginar que a trama é simples, Haigh convoca a observar a particularidade da história olhando para o solitário Adam (Andrew Scott). Um bom exemplo para essa perspectiva íntima é no trecho que o protagonista olha para o prédio que está hospedado, e percebe que de todos os cômodos só um tem a luz acesa que vem do apartamento de Harry (Paul Mescal). 

Encaro esse trecho como uma representação de que aquele espaço, o prédio, é só mais um entre os espaços em que Adam se sente sozinho, desconexo – e vive quase sozinho. Seja ao sentar-se no parquinho no centro, ao também observar o entorno através de janelas ou como a direção usa reflexos para espelhar o sentimento de solidão – e a cena inicial é o primeiro exemplo disso, com o reflexo das nuvens e do céu se interpolando com o personagem. É fato que Todos Nós Desconhecidos atrai, inicialmente, pela expectativa de seguir um romance indie, mas ao mesmo tempo que esse parecia ser o enfoque, o roteiro deixa a ideia em segundo plano enquanto se coloca a explorar a vulnerabilidade do protagonista. Claro que ainda há um romance, talvez nutrido pelo que a narrativa propõe ou o anseio de ter esse arco, mas acima de tudo, é o mundo pelas lentes de Adam.

Um pouco de O Sexto Sentido com Ghost – Do Outro Lado da Vida poder ser a comparação mais próxima com o que drama surrealista de Haigh se assemelha – ou no ponto de vista mais óbvio da história, o filme é um exercício fruto do imaginário do escritor solitário – afinal, remeter a outros longas é o que Haigh menos pretendia ao pegar como base o livro Strangers de Taichi Yamada e misturar com suas experiências como um homem queer na década de 80. A essência da obra de Yamada segue presente ao falar sobre luto e isolamento, porém, Haigh adicionou uma nova camada fazendo da história um mergulho sobre aceitação, amor e solidão. Assim, All of Us Strangers se faz uma peça sensorial identificável, não pelo que tem a contar como um romance, mas por entregar uma dramaticidade honesta concentrada em três personagens.

Em algum momento ao tentar explorar novas ideias para roteirizar passamos a interagir com os pensamentos de solidão que assombram Adam. Talvez, esse seja um filme que a cada revisão um detalhe diferente surja, mas ao termos acesso a história de dor, traumas, angústias e vazio do protagonista dá para entender o som de um carro derrapando na pista quando Adam reencontra seu pai pela primeira vez. Por vezes um drama fantasioso, ou até um drama com toques de misticismo, a cada revistada de Adam na antiga casa dos seus pais – interpretados sensivelmente por Claire Foy e Jamie Bell –  há um recorte delicado sendo aberto entre os personagens. A busca e necessidade de um abraço, de se sentir acolhido, amado e compreendido são só algumas das sensações que o filme transmite ao examinar a mente do seu personagem solitário.

Embora o filme compartilhe um apelo para o lado romântico, essa é a característica que menos funciona em seu argumento pelo personagem de Mescal servir mais como um artifício a uma das interpretações da abordagem de Haigh – algo que culmina no ato final expositivo – do que por ter um arco amoroso sendo trabalhado. Mas a lente queer com a qual Haigh imagina o livro de Strangers permanece, e é graças ao plot fraternal que o longa deixa de ser sobre um recorte específico e se torna universal. Uma história sobre conexão  e sobre quem nós somos sem as pessoas que amamos neste mundo. É só nos diálogos com os pais – com atenção para a mudança gradual para planos fechados – que percebemos a vulnerabilidade de Adam ao se abrir desde sobre o luto até se descobrir sozinho em mundo solitário.

Mesmo com uma abordagem tão melancólica – e gosto como a direção reforça a ideia de estar sozinho mesmo quando Adam está numa estação de metrô, a exemplo dos rostos embaçados no reflexo da janela, momentos esses que parecem os únicos externos a sua solidão – e particular ao retratar a solitude de homem, Haigh termina essa história com um afago em um trecho simples, mas poético; belo por eternizar um desfecho simbólico e tão primoroso, como se fossemos um ponto de luz, estrelas na vasta imensidão do universo que nos conecta.

Todos Nós Desconhecidos (All of Us Strangers) – Reino Unido, EUA – 2023
Direção: Andrew Haigh
Roteiro: Andrew Haigh (baseado em romance de Taichi Yamada)
Elenco: Andrew Scott, Paul Mescal, Claire Foy, Jamie Bell
Duração: 105 min.

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