Lá em 2011, quando a comédia romântica ainda estava em alta, Will Gluck trazia um frescor ao subgênero com Amizade Colorida, graças ao carisma de Mila Kunis e Justin Timberlake em tela. Não tinha nada de novo para a conhecida fórmula, mas o cineasta conseguiu deixar a premissa comum irresistível ao reunir um par de atores que deram conta da bela dupla de casal improvável. Retornando para o nicho, o diretor resgata em Todos Menos Você os elementos que caracterizavam as rom-com nos anos 2000, porém, espelhando os tropos na dinâmica de relações modernas. Não que isso signifique trazer os sintomas de flertes por aplicativos para a narrativa, mas o que Gluck faz aqui é usar o ranço como combustível para o tesão de seus personagens.
A cena que abre o filme é o suficiente para nos introduzir a premissa que Gluck imprime, dispensando a emoção do amor à primeira vista e investindo em algo mais próximo do “você odeia tanto que o/a ama”. Quando olhamos para como uma casualidade vai levando para outra casualidade até um casamento onde os pombinhos que não se bicam Bia (Sydney Sweeney) e Ben (Glen Powell) voltam se reencontrar e serem alvos de uma arranjada operação cupido, é inevitável perceber traços da comédia de Shakespeare, Muito Barulho por Nada, por um viés contemporâneo – o que inclui também a abordagem – com toques de “amor de mentirinha”. 2A confiança de Gluck em sua fórmula se percebe no uso da metalinguagem quando suas versões de Beatrice e Benedick assumem o controle da “operação Shakespeare” satirizando também os clichês românticos.
São em momentos como a reprodução da cena em que Jack e Rose sobem na proa do Navio em Titanic que o humor funciona em Anyone but You, pois é quando o roteiro sabe aproveitar a gag e corresponder ao status que a trama se vende, como uma comédia romântica autoconsciente dos seus tropos. Tendo isso em mente, é interessante observar como Gluck e a co-roteirista estreante em um longa-metragem Ilana Wolpert não economizam quando se trata de colocar cenas constrangedoras que desafiam a regra de não se apaixonar dos amantes shakespearianos, tudo para potencializar a ideia de que a trama pré-fabricada é inteligente e consegue fazer jus aos moldes do subgênero.
Porém, enquanto a metalinguagem – que não se assume – é uma boa sacada, o filme sofre para resgatar e aplicar a dinâmica comum da comédia romântica nessa trama inspirada em Shakespeare. Essa não seria a primeira releitura de uma peça do famoso dramaturgo no subgênero. Lembremos aqui de 10 Coisas que Odeio em Você que pegava o romance de Romeu e Julieta, a fórmula rom-com e imaginava isso num cenário high school, subgênero de sucesso nos anos 90 e 2000. O que talvez não favorece a Todos Menos Você é manter em sua maior parte os elementos de Much Ado About Nothing e não usar a obra apenas como base para compor uma releitura de momentos mais inspirados. A fórmula de Gluck está presente, porém, ele tende a cair no modelo atual de fazer comédia e escrita paródia e deixa de lado a oportunidade de unir o charmoso e o provocante numa comédia romântica mais raiz.
Ter Sweeney e Powell, dois atores ainda em ascensão, reflete bastante um recente comentário de Kate Hudson sobre como há poucos atores masculinos em alta em Hollywood que se comprometem com o subgênero. Ao vermos como o personagem de Powell, um másculo que se inclina em nuances bobas e sensíveis, condiz com a fala de Hudson, sendo exatamente o que a comédia romântica precisa para manter a essência das histórias clássicas são revisitadas. Enquanto que Anyone but You se contenta em ser mais boba do que a fórmula divertida, Sweeney e Powell mostram que são talentosos para fazer todos os números absurdos que o roteiro pede pela comédia, e exalando a química romântica e provocante quando precisa.
Todos Menos Você (Anyone but You – EUA, 2023)
Direção: Will Gluck
Roteiro: Will Gluck, Ilana Wolpert
Elenco: Sydney Sweeney, Glen Powell, Alexandra Shipp, GaTa, Hadley Robinson, Dermot Mulroney, Rachel Griffiths, Charlee Fraser, Joe Davidson, Bryan Brown, Michelle Hurd, Darren Barnet
Duração: 103 min.
