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Crítica | Toc Toc Toc: Ecos do Além

O mal dos contos de fadas.

por Felipe Oliveira
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Olhando para exemplos como Noites Brutais e Sorria, há um interessante movimento entre diretores estreantes que tem tentado jogar o gênero do terror para caminhos inesperados. Ao contrário de repetir as batidas que conhecemos e entregar um resultado em sua forma mais genérica, vimos Zach Cregger e Parker Finn usar as convenções para manipular as expectativas; Barbarian não era mais um home invasion e Smile não foi mais um filme sobre um ciclo de maldição, ao menos não inicialmente. Assim, de todo modo, com as expectativas cumpridas ou não, esses cineastas trouxeram uma execução autoral para dois filmes aparentemente comuns, e é ótimo que, à sua maneira, Samuel Bodin faça uma estreia curiosa nas telonas com um terror ambicioso e subversivo, mas que nunca consegue ser satisfatório.

Com o roteiro assinado por Chris Thomas Devlin (do requel de O Massacre da Serra Elétrica), não demora muito para perceber que Cobweb não trata de um filme sobre casas amaldiçoadas habitadas por espíritos vingativos ao contar a história de Peter (Woody Norman), um garoto de 8 anos alienado pela convivência com os pais superprotetores  e vítima de valentões da escola. Ser isolado de outras crianças e ter medo do escuro parece ser menos assustador quando Peter decide investigar as batidas constantes que escuta na parede de seu quarto. Se não há demônio mirim querendo fazer amizade e os pais carinhosos não se abalam, o que Toc Toc Toc: Ecos do Além está contando?

Esse é um questionamento que o público faz e é o que vai tornando essa trama em que tudo parece comum, interessante. Não é como se Bodin quisesse seguir a linha de fazer um terror com referências, mas as regras fazem de Cobweb um conto de terror quase que atemporal ao flertar propositalmente com o convencionalismo, mas nunca assumir isso de fato. Por se passar antes e durante o Halloween, a cidade fictícia do filme tem um nome que remete ao berço de Michael Myers, contudo, o roteiro de Devlin batiza de Holdenfield um lugar marcado pelo misterioso desaparecimento de uma menina sem soar amador. Da mesma forma, o papel tão específico de Cleopatra Coleman como professora de Peter lembra uma figura qualquer de filmes  de suspense que nutre uma afeição pelo protagonista, se tornando um artifício do roteiro para o ato final, ainda assim, a Sra. Devine funciona mais como uma representação que acompanha a jornada de horror com Peter.

Mantendo essa estrutura de ser ou não apenas um filme genérico, os personagens de Cobweb vão transitando ao que a ambiguidade do roteiro pede, sempre fazendo um aceno ao lado obscuro dos contos de fadas dos Irmãos Grimm. O moletom vermelho de Peter pode muito bem lembrar Chapeuzinho Vermelho, da mesma forma, de pessoas doces e pacientes, os pais de Peter se transformarem conforme a desconfiança em sua índole cresce, sendo o ápice disso a semelhança com os pais de Maria e João tramando para se livrarem dos filhos pela falta de comida – como a cena que Peter ouve os cochichos e observamos o momento através das silhuetas dos pais projetadas em sombras. De Rapunzel a O Príncipe Sapo, Peter vai experimentando cada faceta das horrores dos Irmãos Grimm.

O triunfo de Toc Toc Toc, além das performances, vem do fato de Devlin e Bodin reconhecerem que há algo tentador e refrescante para ser apresentado. Mesmo sem um jogo atraente para fisgar o público, a dupla prepara a armadilha de um terror sobrenatural até a audiência se dar conta de que estão diante de uma história doentia, tal como um conto de fadas com um desfecho macabro. Nessa ambiguidade, a trama se eleva ao entregar um sadismo divertido e assustadoramente envolvente. Ainda que tenha-se a presença de um smartphone, a composição desse conto ilustra uma bizarrice particular fora da realidade, como o quintal de Peter com abóboras plantadas, e seus pais serem como dois monstros tóxicos que maltratam e alienam o filho num ambiente hostil e degradante dos anos 50.

A direção de Bodin ao menos pode ser reconhecida pelo capricho de nos envolver em um mundo escuro. Por ter a velha casa da família como principal ambientação, ele utiliza o design de som e produção de forma criativa para não tornar o lar – quase mal-assombrado – enfadonho. Os movimentos de câmera estilosos – principalmente na cena que se aproxima de um momento paranormal – o jogo de sombras e silhuetas incansáveis da fotografia Philip Lozano, que sempre mantém um tom de obscuridade, conferem uma atmosfera visual encantadora e horripilante a este conto de fadas sem nenhuma lição de moral para ser lembrada.

Embora o resultado de Cobweb não seja impactante, com certeza Bodin é um nome a ficar de olho nessa leva de novos nomes do terror. Se até o uso dos jumpscares é bem manipulado, a nível de comparação, o diretor francês fez como o olhar lúdico e criativo aos tropos clássicos do gênero trazido por James Wan em Maligno, ao  fazer uma dinâmica de inversões, propondo ao subgênero sobrenatural uma perspectiva de um conto de fadas sinistro sendo levado por caminhos inesperados.

Toc Toc Toc: Ecos do Além (Cobweb – EUA, 2023)
Direção: Samuel Bodin
Roteiro: Chris Thomas Devlin
Elenco: Woody Norman, Lizzy Caplan, Antony Starr, Cleopatra Coleman, Luke Busey
Duração: 88 min

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