“Os Titãs estão de voltas, vadias!”
Contém spoilers.
Há um paradoxo enorme no começo da segunda temporada da série Titãs, exibida pelo serviço de streaming DC Universe. Pois a temporada passada, no caso, terminou com um anti-clímax muito frustrante, que não concluiu arcos desenvolvidos no seu decorrer, muito menos explorou pontos de trama supostamente relevantes. Esse começo de um novo ano, portanto, é na verdade o último episódio do anterior, vide a resolução do enredo relacionado ao pai de Rachel Roth (Teagan Croft), Trigon (Seamus Deaver). Mas, construída por onze episódios, a ameaça se encerra como se não importasse, porque os responsáveis pela série estão mais interessados em apresentar novas narrativas que em acabar com as antigas. Ora, boa parte das cenas gravadas para o capítulo era, de fato, parte da temporada precedente. Já outros momentos, em contrapartida, os quais mostram personagens inéditos que só seriam escalados posteriormente para o seriado, apontam o que aconteceu: a transformação de uma season finale em uma season premiere. O paradoxo referido, portanto, é o de que, ironicamente e surpreendentemente, a conclusão da primeira temporada, mesmo frustrante, serviu melhor como término do que essa bobagem resolvida apressadamente em meia hora. Da constatação de um conflito instigante aos personagens e uma noção pessimista simples, mas presente, a série parte para uma vitória também simples, porém, sem peso de vitória.
Ou seja, quiçá, mais que aproveitar um gancho oportunista, a equipe criativa de Titãs parece ter compreendido o quão decepcionante seria acompanhar esta resolução murcha dada ao enredo da temporada passada. E muitos são os impedimentos para o seriado se aproximar da qualidade de outras obras do serviço de streaming. Para início de conversa, assim sendo, precisamos relembrar a conquista de Trigon nos derradeiros momentos de Dick Grayson. Lá, o vilão conseguiu converter o protagonista, interpretado por Brenton Thwaites, a assumir de vez a sua escuridão interna. Dessa maneira, Rachel Roth, cria do antagonista demoníaco, precisa reaver o seu amigo nesse episódio, consumido por um mal que Trigon quer expandir não só para os demais super-heróis em cena, como também para o mundo inteiro. Por consequência, retomar a cobertura episódica do seriado é igualmente retomar o que foi pausado há meses e como os elementos dispostos neste recomeço conversam com as iniciativas dos responsáveis por Titãs em termos dramáticos. Certos pontos que estavam sendo propostos anteriormente pela série, então, ganham relevância nos trinta e cinco minutos iniciais, o que posiciona bem, outra vez, esse capítulo enquanto encerramento de uma temporada. Isso não significa, entretanto, que o ato de conclusão é mesmo executado, pois esse é um episódio, preso numa esquizofrenia narrativa e num vazio emocional, estranho no que quer ser.
As continuações mais imediatas a desenvolvimentos anteriores são as seguintes: a retomada do impasse pessoal de Kory (Anna Diop), a confirmação da amizade entre Gar (Ryan Potter) e Rachel e a aceitação da luz dentro de Dick. Em primeiro, como aconteceu com o ex-Robin antes, Estelar também adentra numa ilusão de Trigon. Contudo, ao invés de assassinar o Batman, a alienígena assassina Rachel, visto que a sua missão na Terra era matar a garota. No entanto, apesar da cena continuar o arco da mulher, o episódio é inoportuno em não contrapor de maneira substancial essa natureza de Kory. Enquanto Dick é resgatado por Rachel, Kory é mais uma, dentre demais heróis presentes no embate com Trigon, que experimentam à troco de nada a escuridão sugerida pelo antagonista. Desse modo, a personagem caminha, de um estado capaz de assassinar a sua amiga a uma busca por redescobrir a si mesma, sem que o roteiro explore a trajetória como drama. O que acontece é reiterado com os outros coadjuvantes, que não possuem propósitos concretos a não ser participarem de cenas especulativas alheias à narrativa. O uso de Donna Troy (Conor Leslie), por exemplo, nos informa de eventos acerca do seu passado, porém, que são totalmente novos e, consequentemente, não encaminham peso nenhum para os espectadores. Mais irrelevante ainda é a maléfica ilusão, que se resume a um aleatório vício em drogas, envolvendo o casal de pássaros.
Para não comentarem que nada me agradou aqui, a participação de Gar é coerente e escapa da estrutura repetitiva de personagens possuídos por Trigon. No que tange isso, também se enaltece o aproveitamento da amizade entre os amigos – com flashbacks – para se propor a reviravolta em questão: a recuperação de Rachel, que sai do seu estado sombrio. Entretanto, por outra instância, realça-se novamente a simploriedade do roteiro em resolver as suas questões e, em termos mais objetivos, a simploriedade com que os Titãs vencem o vilão. No mais, parece que os roteiristas se esqueceram de suas próprias premissas. Ora, por nenhum motivo Jason Todd (Curran Walters) encontra-se presente nesse episódio. Os roteiristas poderiam até ter colocado o personagem para resistir ao poder de Trigon – uma indicação, quiçá, de sua natureza, mais problemática que a dos demais heróis e menos tendente à obscuridade por já estar próxima a ela. Porém, repetição não é problema algum para a equipe criativa. Do contrário, nada realmente acontece no episódio que justificasse o gancho da temporada anterior. Nela, uma das premissas postas em aberto era justamente Columba (Minka Kelly) despertar de seu coma para ir atrás do novo Robin. O único ponto de interesse aqui, portanto, é a entrevista do menino na televisão, a qual é assistida por ninguém menos que Slade (Esai Morales), o Exterminador, principal antagonista dessa temporada.
Que a série se propusesse a construir uma vitória com base estritamente em conexões pessoais – ou seja, grandes conversas dramáticas -, contudo, o texto apresenta passagens muito artificias, e a atuação de Teagan Croft permanece sendo um demérito para o seriado. E, ao passo que isso acontece, a ameaça se esvai sem uma interpretação marcante, pois Seamus Deaver transforma – junto a monólogos pobres – o vilão icônico dos quadrinhos em alguém genérico. Sem comentar da péssima computação gráfica e a equivocada escolha em se encenar o clímax na claridade, que realça o aspecto borrachudo do antagonista e retira qualquer senso de perigo da sua presença. Pelo menos, Dick possui uma semi-resolução em sua conversa com Rachel – e a co-protagonista também -, o que o encaminha a concretizar essa segunda formação dos Titãs após reencontrar-se com seu pai, Bruce Wayne (Iain Glen). Por sinal, que seja Glen, com seus quase sessenta anos, velho demais para o papel. A realidade é que agradeço o ator ser competente e manejar uma boa performance, coisa que a série, como um todo, pena em conseguir. Logo, também espera-se que o Exterminador seja uma boa adição ao rol de artistas. Em meio, assim, a um episódio problemático, que não entende nem se é um término ou um reinício, esse ponto, o único que costura fim com começo duma maneira minimamente coesa, nos permite sonhar com uma recuperação do seriado.
Titãs – 02X01: Trigon – EUA, 6 de setembro de 2019
Criação: Akiva Goldsman, Geoff Johns, Greg Berlanti
Direção: Carol Banker
Roteiro: Akiva Goldsman, Geoff Johns, Greg Walker
Elenco: Brenton Thwaites, Anna Diop, Teagan Croft, Ryan Potter, Rachel Nichols, Seamus Deaver, Curran Walters, Minka Kelly, Alan Ritchson, Conor Leslie, Iain Glein, Esai Morales
Duração: 55 min.