Se fizemos um exercício de auto restrição e encararmos Time como um documentário que, fiel a seu título, aborda a passagem do tempo e como ele afeta uma família afro-americana ao longo de pouco mais de 20 anos, o trabalho de Garrett Bradley merece elogios por criar o que quase parece um poema audiovisual que bebe de imagens amadoras do passado com Sibil Fox Rich tendo que lidar com a criação de seus filhos na ausência de seu marido Rob Rich, com sequências no presente produzidas especialmente para o longa que estabelecem o salto temporal que revela como essa família lidou com a questão. Mas essa visão de Time é incompleta ou, pelo menos, não nos permite ver realmente o todo, ainda que a crítica social que a obra faz seja válida de toda forma.
E essa crítica gira fundamentalmente em torno dos sistemas judicial e carcerário americanos, já que Rob afasta-se de sua família não por vontade própria, mas sim porque foi condenado à prisão por assaltar um banco. E sim, ele cometeu o assalto, o documentário jamais esconde, mas sua condenação foi por nada menos do que 60 anos de reclusão sem direito à condicional, ou seja, ele teria que cumprir a pena integral ou morrer nesse processo. No entanto, Sibil, que também foi condenada, mas fez um acordo e ficou atrás das grades por “apenas” três anos e meio, jamais desistiu de seu marido e lutou por 20 anos para libertá-lo e o longa gira em torno disso, com narração dela própria no presente, olhando para o passado, com seus seis filhos gravitando ao redor.
Sob esse olhar, ou seja, o da desproporcionalidade da pena, o da indústria do encarceramento, da luta de uma família negra para não se fragmentar ao longo dos anos e para manter a esperança acesa de que o patriarca sairia da prisão em menos tempo, o documentário funciona. No entanto, ele só funciona se esse olhar aceitar as informações como elas são passadas, sem valoração e sem uma pesquisa maior. E não quero dizer que um olhar mais minucioso desmereça a luta de Sibil e/ou justifique a condenação de Rob por basicamente o resto de sua vida na penitenciária conhecida como Angola. Muito ao contrário, é incrível ver como a matriarca jamais parece esmorecer, algo que seus vídeos caseiros de quase duas décadas mostram muito bem e é doloroso notar a existência de um sistema carcerário que basicamente diz aos membros da família para esquecer o condenado.
A questão é que, muito em razão de conveniência narrativa e pelo estilo mais poético da obra, as informações ofertadas pelo documentarista são mínimas, perfunctórias, básicas demais para justamente fazermos um juízo de valor sobre a Justiça e o Sistema Carcerário. É, para todos os efeitos, a mais absoluta antítese do sensacional A 13ª Emenda, de Ava DuVernay, que trazia dados concretos sobre essa indústria (é surreal que tenhamos chegado ao ponto de chamar o Sistema Carcerário americano ou de qualquer país semelhante de “indústria”) e deixava evidente as desigualdades de tratamento. Time não se preocupa com isso, mas, ao fazer isso, ele cria problemas ao espectador que quiser saber apenas um pouquinho mais, como, por exemplo, os detalhes do roubou que levou às condenações.
Apenas como exemplo, não descobrimos no longa, apenas em pesquisas paralelas que deveriam ser desnecessárias, que não só o assalto foi a mão armada, como tiros foram disparados e que, posteriormente, houve acusações de que o júri estaria sendo influenciado pelos acusados ou que Rob já não era réu primário. Mas não é só sobre o assalto que o documentário é vazio detalhes. A própria luta de Sibil sofre com a falta de contextualização que mostre verdadeiramente os percalços por que passou ao longo dessas décadas e que mesmo assim não levou sua família à ruína financeira e moral (muito ao contrário pelo pouco que é mostrado). Seria interessante ver mais dela e de seus filhos para além dos vídeos caseiros e talvez até mesmo de Rob e entender exatamente a natureza do acordo que ela fez com a promotoria que, suponho, só tenha sido aceito de forma que ela pudesse sair o mais rápido possível para cuidar da família (e a recusa de Rob, a quem foi ofertado o mesmo acordo, nunca é explicada, assim como as motivações para o assalto em si para além de “estávamos passando por dificuldades”).
No final das contas, Time acaba se sabotando, pois, no lugar de enfrentar as dúvidas que deixa no ar, ele parece esconder as informações em criar um conto de fadas narrativo que parece muitas vezes artificial. Mesmo que a condenação dos Sistemas Judiciário e Carcerário faça sentido, ele só faz mesmo sentido pelo uso do bom senso ou de conhecimentos prévios de outras informações, como é o caso do citado documentário de DuVernay. Sem esse conhecimento prévio, temos que simplesmente aceitar a palavra de Sibil (e do documentarista, claro) que, porém, não esclarece quase nada sobre o que realmente ocorreu e como ela ganhou a luta para manter sua família em um caminho de aparente sucesso. A história tinha bem mais potencial se o lirismo fosse deixado de lado por alguns momentos para que Garrett Bradley realmente investisse em maior clareza e transparência. O estilo que ele quis imprimir à obra certamente seria afetado por essa escolha, mas sem os detalhes, Time falha em realmente colocar na mesa de maneira contundente os problemas que aborda.
Time (Idem, EUA – 2020)
Direção: Garrett Bradley
Com: Sibil Fox Rich, Rob Rich II, Freedom Rich, Justus Rich, Laurence M. Rich, Mahlik Rich, Remington Rich, Rob G. Rich
Duração: 81 min.