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Crítica | Tijolo Por Tijolo

Fazendo das cinzas, diamantes.

por Frederico Franco
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Restarão apenas cinzas e confusão; levando ao abismo? ou haverá; Nas profundezas das cinzas um diamante em forma de estrela. A frase é retirada de um dos mais célebres poemas do poeta polonês Cyprian Norwid. Aqui, o romântico escritor, ao se deparar com ruínas e destroços, prevê que, de modo intrínseco, a destruição seja sempre seguida da construção – sejam eles metafóricos ou reais. Trata-se, portanto, de extrair da derrota a força necessária para a reconstrução, para a plenitude.

Tijolo Por Tijolo parte das cinzas. O filme de Victória Álvares e Quentin Delaroche nos apresenta a família de Cris Martins, uma moradora da periferia de Recife que, em tempos da pandemia da COVID-19, teve de deixar sua casa para trás devido ao risco de desabamento na região. Agora grávida de seu quarto filho, Cris e sua família investem na vida de mídias sociais, fazendo diversos tipos de formatos de vídeo para arcar com os custos da reforma da nova casa, construída à mão por Albert, seu marido. A dificuldade financeira faz com que Cris invista de vez na carreira de influenciadora digital, aparecendo em diversas frentes dentro da periferia – seja promovendo ações voltadas para o empoderamento feminino até ensaios fotográficos para serem postados em sua página de Instagram. Mesmo com a gravidez avançada, a protagonista segue em constante movimento atrás de possíveis caminhos para pavimentar cada vez mais sua carreira nas redes sociais. Albert, mesmo com um ritmo menor, também se lança nas mídias, buscando mais fontes de renda para a realização da nova casa da família. 

O maior mérito da direção do documentário é dar, de verdade, espaço para seus personagens serem quem realmente são. Não são realizados clássicos talking heads ou algo do gênero: não existem assuntos direcionados pelos realizadores; cada um dos membros da família traz seus tópicos à tona. Cris constantemente fala de seus sonhos, projetos e desejos pessoais com sua maneira descontraída e leve. Albert, um pouco mais contido, também entrega ao público sua persona bem humorada através de seu trabalho com as redes sociais. Em certos instantes, os filhos assumem as rédeas do documentário com imagens gravadas por eles mesmos. Caíque, o mais velho, grava um importante relato sobre sua percepção da gravidez da mãe e de questões relativas ao parto e o nascimento iminente de sua irmã. Mesmo muito jovens, vemos as crianças assumirem um importante papel no funcionamento da família, sempre colaborando com os planos dos pais, seja na obra ou cuidando um do outro. Assim, apostando em materiais feitos pelos próprios personagens, Álvares e Delaroche conseguem atingir uma importante aproximação do público com os protagonistas de seu documentário. É impossível não ficar cativado com as narrativas amadoras-caseiras da família Ventura.

Quando a câmera não é entregue na mão de Cris e família, Tijolo Por Tijolo não é exatamente um filme inventivo do ponto de vista de linguagem. É possível dizer que trata-se de uma obra limitada. O mérito, aqui, é conseguir lidar com temáticas sociais importantes de um modo leve, bem como se portam os personagens. Além de toda questão de dificuldade financeira, Cris luta bravamente por uma laqueadura, afirmando ser um direito seu sobre o próprio corpo. Sempre com humor, a protagonista expõe para seus mais próximos toda a dificuldade da mulher de conseguir defender aquilo que é seu por direito. Mesmo empreendendo, Cris não deixa de apresentar ao espectador as mazelas encontradas no caminho; o início, sem seguidores, é complexo e demora a surtir efeito financeiro. Sabendo disso, a influenciadora não abaixa sua cabeça e parte em direção de seu sonho.

Acompanhar a construção da casa é mais do que um mero artifício narrativo documental. É sobre seguir de perto a trajetória pessoal de cada um dos personagens do filme, desde Cris às crianças. Cada um deles, de certa maneira, constrói sua própria casa, seu próprio futuro, seus próprios sonhos – por mais incertos e errantes que sejam. Um dos ápices do filme, o nascimento da pequena Yasmin, coroa a brava trajetória da família durante um período de incertezas e dificuldades. O parto por cesárea – seguindo o desejo de Cris – é filmado com crueza e intimidade extrema: fazemos parte daquele momento, assim como fizemos parte de todo esse tortuoso caminho. Ver, finalmente, o bebê é quase como um alívio, um suspiro de felicidade. Depois da tempestade, a família precisava disso – e o espectador também. Há uma sensação de plenitude em todo o arco do nascimento de Yasmin. Ali, os problemas ficam do lado de fora, a fim de serem combatidos depois.

Se começa pelas cinzas, Tijolo Por Tijolo encontra seus diamantes. A casa funciona como uma materialização de toda a batalha enfrentada pelos protagonistas. Com um senso extremo de coletividade, a família é capaz de levantar sua muralha onde antes havia apenas destroços. Esse abraço ao coletivo, à união da comunidade, é o que faz se erguer as paredes da casa. Ao final de tudo, Cris e família, depois de muito transitarem pelas cinzas, encontram, através de sua união nuclear, um precioso diamante em formato de estrela.

Tijolo Por Tijolo – Brasil, 2024
Direção: Victória Álvares, Quentin Delaroche
Roteiro: Victória Álvares, Quentin Delaroche
Elenco: Cris Martins, Albert Ventura, Caíque de Souza Ventura
Duração: 102 min.

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