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Crítica | Tieta do Agreste, de Jorge Amado

A jornada de batalhas desta fabulosa heroína da literatura brasileira.

por Leonardo Campos
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Heroína firme e forte do universo literário de Jorge Amado: assim é a protagonista do romance Tieta do Agreste, publicado em 1977, concebido entre as andanças do escritor pela praia de Buraquinho e uma viagem para Londres. De forte apelo popular, haja vista a sua novela protagonizada por Betty Farias e o filme com Sônia Braga, Tieta segue a mesma linha de perfis femininos amadianos, situados em sociedades desafiadoramente arcaicas e patriarcais, regidas pelo preconceito e opressão aos tópicos temáticos que envolvem as relações de gênero, bem como avesso aos elementos que demarcam a chegada da modernidade. Erroneamente interpretado apenas pelo viés lascivo de sua protagonista, miopia crítica de muitos leitores e críticos do escritor, o romance em questão traz uma reflexão sobre as mudanças estabelecidas por personagens femininas pomposas, ousadas para os períodos que atravessam. Consideradas imorais e proibidas nos cenários de hipocrisia pavimentados por contextos históricos opressores, Tieta, Gabriela, Tereza Batista, Dona Flor, dentre outras, são mulheres à frente de seus respectivos tempos tenebrosos.

Publicado em 1977, Tieta do Agreste é um dos romances mais volumosos de Jorge Amado. A extensão, em meu ponto de vista, chega a ser excessiva, mas flui de maneira tão dinâmica que não prejudica o leitor médio. No desenvolvimento de sua proposta narrativa, o escritor apresenta “a volta da filha pródiga, melodramático folhetim em cinco sensacionais episódios e comovente epílogo”, palavras do próprio Amado, que ainda complementa: cheio de “emoção e suspense”. Em suas primeiras páginas, acompanhamos a surra e expulsão da protagonista de casa, motivada por seu pai, um homem machista que resolve tirar a filha do mapa familiar depois que descobre as suas experiências sexuais pelas dunas da região. A catalisadora desta situação é a invejosa Perpétua, uma mulher amarga que morre de inveja da irmã sedutora e atraente. Após duas décadas deste acontecimento traumático, Tieta retorna para a sua cidade de origem, figura que se depara com a mesma sociedade de sempre, isto é, atrasada, corrompida pelo falso moralismo e aparências equivocadas, em suma, afundada no patriarcalismo.

Neste momento de retorno triunfante, Tieta lembra uma celebridade. Ela é notória por onde passa, pois sempre ganha destaque, com as pessoas curiosas querendo saber mais sobre a sua vida, também interessadas em sua rede de influências, afinal, será ela a responsável por trazer energia elétrica para a cidade, bem como ajudará num processo envolvendo uma polêmica questão ambiental: Mangue seco, região onde a história está acoplada, tem as suas belezas naturais ameaçadas com a chegada da modernidade, em específico, a instalação de uma multinacional produtora de titânio, indústria que pode devastar o lugar. Será ela uma das adjuvantes do processo contrário ao advento da empresa. Além destas conquistas, ela se torna heroína local ao salvar uma idosa de um devastador incêndio. Descrente no que concerne ao pecado católico, ela seduz o sobrinho Ricardo, jovem que chega a pensar em abandonar a batina depois da relação com a tia. Subversiva, Tieta causa desconforto por onde passa, um ser humano livre, muito emancipada para Santana do Agreste.

A irmã a recebe em sua casa por puro interesse financeiro. Ela chega ao local com Leonora, a suposta filha do marido que morreu e deixou uma pomposa herança. O pai, apesar do passado, parece sublimar os acontecimentos, pois também passou anos recebendo uma gorda mesada da filha, quantia declarada nas cartas enviadas pela personagem, lidas pela curiosa Carmosina. Aqui, Tieta já está com 44 anos, uma mulher que atravessou muitos enfrentamentos e no momento de passagem do tempo presente do romance, consegue driblar mais tranquilamente os desafios implantados em sua trajetória. A sua identidade é revelada no desfecho, quando a população descobre que ela não é viúva de um comendador, mas dona de uma casa de prostituição em São Paulo, o empreendimento que a tornou poderosa e ousada demais para Santana do Agreste, cidade que a rejeita pelo comportamento considerado impróprio.

Por seu apelo popular, Jorge Amado arrebanhou constantemente o público, mas sofreu os preconceitos da crítica, geralmente avessa ao que vende demais ou não transforma a literatura em códigos cifrados para leitura de poucos. Com muitos estrangeirismos, máximas e provérbios bastante utilizados em nosso cotidiano, Tieta do Agreste se desenvolve numa estrutura literária com flashbacks constantes, narrado em 3º pessoa, mas com algumas passagens em 1ª, menções ao poder da cor vermelha, aos figurinos da protagonista, uma mulher que circula pela cidade de saltos altos, calças apertadas e blusas amarradas aos umbigos, avessa ao que personagens como Astério, marido de sua irmã Elísia, acreditava, um homem misógino que apregoava a importância da mulher exclusivamente para o prazer masculino ou procriação. Neste local acometido pelo fenômeno ambiental conhecido por “fúria das dunas”, não há espaço para Tieta. Ela deixa a cidade convencida de que por ali, será difícil a mudança, mas a sua passagem, ao menos, deixou marcas e permitiu a germinação de olhares mais críticos, possíveis de estabelecimento de uma mudança posterior. Quem sabe?

Tieta do Agreste (Brasil) — 1977
Autor: Jorge Amado
Editora: Record
Páginas: 636

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