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Crítica | Tieta do Agreste (1996)

Uma versão doce e colorida, mas irregular, do romance potencialmente feminino de Jorge Amado.

por Leonardo Campos
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Cronista da Bahia e do Brasil, Jorge Amado foi um escritor de painéis. A cada personagem motivador, como é o caso da grandiosa heroína Tieta, várias histórias, tipos e situações são descritas, em camadas literárias generosas. Traduzir o romance em questão, para um filme com tempo médio de duas horas, foi um desafio para os realizadores desta produção que marcou os desdobramentos da retomada no cinema brasileiro. Muitos elementos do ponto de partida literário foram recortados, revisados, reajustados, tendo em vista alcançar aquilo que poderia chegar para o público consumir. Talvez pela versão televisiva anterior, uma novela protagonizada por Betty Farias, narrativa de extenso legado e impacto cultural, a opção cinematográfica não tenha alcançado o mesmo brilho e intensidade daquilo que, como leitor do livro, eu tenha esperado enquanto espectador de cinema. O filme traz imagens belíssimas, elenco engajado, uma óbvia trilha sonora marcante, afinal, foi assumida pelo talentoso Caetano Veloso, mas em seu desenvolvimento narrativo, falta coesão e “aquela” graça esperada de uma história baseada no imaginário construído por Jorge Amado. Isso, por sua vez, não faz de Tieta do Agreste, lançado em 1996, um filme irregular. É apenas não memorável, ao menos em meu ponto de vista de alguém que esperava muita coisa e encontrou apenas o básico.

Dirigido por Cacá Diegues, também responsável pelo roteiro, Tieta do Agreste partiu do interesse de Sônia Braga em levar o texto para as telas dos cinemas. Após Jorge Amado lhe presentear com os direitos do romance, a atriz, amiga de longa data do cineasta, fez a sua ligação à espera de uma resposta positiva diante do convite para a direção da produção. Feito esse primeiro contato, chegou o momento de levar o projeto para a sua concretização. Foi necessário um longo tempo de dedicação, haja vista a quebra do Banco Econômico, um dos maiores investidores da época, a declarar a sua crise enquanto os realizadores estavam todos em produção no interior da Bahia. Fora isso, Cacá Diegues e a sua equipe também enfrentaram as dificuldades das filmagens ao ar livre, algo mais desafiador que produzir em estúdio, além de precisar se dedicar ao máximo para corrigir um dos problemas que mais arrepia uma narrativa em pós-produção: celeumas na montagem.

Diante dos diversos desafios, o diretor conseguiu finalizar e lançar o seu filme com sucesso, alcançando mais de 600 mil espectadores por aqui, ganhando maior projeção lá fora, na recepção estrangeira. Foram bons os resultados financeiros, medianos os impactos com a crítica. Juntamente com João Ubaldo Ribeiro e Antônio Calmon, Cacá Diegues desenvolveu o texto, transformando as 700 páginas literárias em 120 páginas de roteiro. A trama, focada exclusivamente na família de Tieta, nos apresenta alguns flashbacks da protagonista ainda jovem, interpretada por Patrícia França. Expulsa pelo pai Zé Esteves (Chico Anysio) por estar se entregando sexualmente a um desejado homem da região, a moça, também humilhada pela invejosa irmã Perpétua (Marília Pêra), vai embora de Santana do Agreste. Ela se comunica ao longo dos anos por cartas, até o seu retorno triunfal, rica, agora interpretada por Sônia Braga.

Carmosina (Zezé Mota), uma das únicas pessoas que teve empatia pela jovem quando expulsa, lê constantemente as suas cartas, antes de entrega-las com a ajuda financeira enviada pela mulher agora empoderada, em períodos específicos de tempo, durante o ano. Ao chegar no interior, juntamente com a sua enteada Leonora (Cláudia Abreu), Tieta causa alvoroço. Transforma as relações sociais, traz cor e alegria para a região, se envolve em esquemas políticos e, com o seu potencial, entrega energia elétrica e combate a chegada de uma indústria que tornará o paraíso ambiental local num lamaçal químico de destruição. Mesmo que consiga vencer diversas batalhas, a heroína, infelizmente, não consegue driblar o preconceito arraigado naquela sociedade de gente hipócrita. Parte, não da mesma forma que a sua primeira saída, mas agora consciente do que é e de que aquele lugar não lhe pertence mais. Deixa a sua marca, mesmo diante da maneira como é tratada quando se descobre seu passado de prostituição.

Assim, ao longo de 120 minutos, Tieta do Agreste entrega ao espectador uma narrativa sobre empoderamento feminino, face ao preconceito de uma sociedade atrasada. A sua luz, a se desdobrar na letra da canção cantada com firmeza e emoção por Caetano Veloso e Gal Costa, irradia Santana do Agreste. A proposta narrativa em si, já presente no ponto de partida literária tecido por Jorge Amado, é muito bonita e cativante, algo que falta ao filme morno, dirigido com competência por Cacá Diegues, mas sem a emoção que podíamos esperar de um material tão bom, mas talvez adequado para o formato televisivo, haja vista a sua extensão de painel. Nos quesitos estéticos, por sua vez, o filme é de uma beleza muito expressiva: Edgar Moura contempla com vigor as paisagens em sua direção de fotografia assertiva, Luciana Buarque nos entrega os vibrantes figurinos, em especial, os trajes da protagonista, Lia Renha capricha no design de produção das passagens internas e externas e, Caetano Veloso, já mencionado anteriormente, dirige a trilha sonora que em meu ponto de vista, é o setor responsável por dar longevidade ao filme, nos fazendo relembrar da sua existência a cada execução da música tema, A Luz de Tieta, cantada em shows, carnavais e outras celebrações.

Tieta do Agreste — Brasil, 1996
Direção: Carlos Diegues
Roteiro: João Ubaldo Ribeiro, Antonio Calmon, Carlos Diegues (baseado em romance de Jorge Amado)
Elenco: Sônia Braga, Marília Pêra, Chico Anysio, Cláudia Abreu, Zezé Motta, Jece Valadão, Leon Góes, Patrícia França, Heitor Martinez Mello, Noélia Montanhas, Débora Adorno, Caco Monteiro, João Phellippe, André Valli, Frank Menezes, Jorge Amado, Flora Diegues
Duração: 115 min

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