Os ThunderCats nasceram da forma como boa parte das animações dos anos 80 nasceram: como verdadeiras peças publicitárias criadas para hipnotizar crianças com o objetivo exclusivo de vender brinquedos exatamente na linha da versão menor de G.I. Joe (Comandos em Ação por aqui) e He-Man. Além da animação, os felinos humanoides sobreviventes da destruição de seu planeta natal Thundera que, depois de anos de fuga pelo espaço, caem na Terceira Terra e precisam enfrentar toda a sorte de vilões, especialmente a múmia mística Mumm-Ra e uma turba de mutantes animalescos, ganharam também uma versão em quadrinhos inicialmente pela Marvel Comics, com o selo Star Comics e, depois, de forma um tanto errática, pela DC Comics, via o selo WildStorm.
No final de 2023, a Dynamite Entertainment informou que havia adquirido a licença da propriedade para quadrinhos e que começaria a publicá-los no início de 2024. Dito e feito, o primeiro arco da nova HQ mensal ThunderCats começou a chegar às lojas dos EUA em fevereiro, encerrando-se com apenas quatro números em maio do corrente ano, com um segundo arco próximo a ser iniciado quando da publicação da presente crítica. De forma a zerar a régua e colocar leitores antigos e novos em um mesmo patamar, a escolha editorial foi de recomeço, sem aproveitar nenhum tipo de continuidade de material anterior, uma escolha que reputo acertada em razão justamente da inconsistência do que foi publicado antes, algo diferente do título principal de G.I. Joe, ou seja, G.I. Joe: A Real American Hero que conta uma única história desde o início, contando com mais de 300 edições por editoras diferentes ao longo das décadas.
Sob o selo “adolescente” da editora que, muito sinceramente, não pareceu pesar muito no roteiro de Declan Shalvey, vemos um grupo de seis membros da nobreza de Thundera chegar na Terceira Terra, depois de um pouso forçado e anos em animação suspensa. Lion-O, originalmente uma criança líder dos ThunderCats, em razão do mau funcionamento de sua cápsula de estase, chega no novo planeta com o corpo de um adulto, tendo crescido bem mais do que os demais durante a jornada e seu drama é central neste primeiro arco, já que ele precisa lidar com sua mente jovem e naturalmente mais infantil em um corpo bem mais velho, com todos os demais – os adultos Panthro, Tygra e Cheetara e os jovens WilyKat e WilyKit – esperando que ele assuma o papel de liderança que lhe é de direito.
O roteiro de Shalvey corre muito para estabelecer o status quo básico da mitologia dos ThunderCats, criando diferenciações pequenas aqui e ali, como Snarf não chegar juntamente com os demais e aparecendo somente na terceira edição em uma versão bastante modificada visualmente, Mumm-Ra ter conexão com Jaga, líder anterior do grupo que falecera durante a jornada e a presença de uma thunderiana misteriosa Calico, na nave de Escamoso e seus reptilianos que chegam no planeta ao encalço dos felinos. É muita coisa para relativamente poucas páginas e o roteirista não consegue encontrar um ritmo muito bom, perdendo-se em uma abordagem muito rasa que desperdiça o potencial da aclimatação de Lion-O com seu novo corpo e nova função, preferindo empilhar mistérios atrás de mistérios, seja o porquê de Mumm-Ra conhecer o Olho de Thundera, parte da espada poderosa de Lion-O, quem realmente é Calico e a narrativa paralela sobre Escamoso que descobre não ser o único mutante do planeta.
Na arte, Drew Moss, não arrisca muito e, mesmo dando seu toque às recriações dos personagens clássicos, todos eles são representações visuais fieis do estilo tradicional que podemos ver nas animações (menos em ThunderCats Roar, claro), com a maior disparidade sendo Snarf, que, ao revés, é bem diferente, além de falar apenas telepaticamente com Lion-O. Na verdade, o mote do reinício de ThunderCats em quadrinhos pela Dynamite parece ser “não inventar muita moda” e contar o básico, construindo – ou reconstruindo – aos poucos a mitologia de forma que quem porventura nunca tiver falado dos ThunderCats possa embarcar facilmente na empreitada, o que faz pleno sentido econômico, claro, ainda que quem conheça bem esse universo possa sentir alguma redundância.
Trata-se de um início suficientemente bom, mas nada muito especial. É necessário um pouco mais de assunção de riscos no roteiro e visuais, algo que pode vir com a expansão da narrativa para caminhos mais interessantes do que os que já são esperados. É natural começar de maneira segura, mas será péssimo para a proposta se a editora insistir nesse caminho mais viajado e, portanto, mais fácil para os Gatos do Trovão. Tomara que Declan Shalvey e equipe não se contentem apenas com mais do mesmo.
ThunderCats (2024) – Vol. 1 (EUA, 2024)
Roteiro: Declan Shalvey
Arte: Drew Moss
Cores: Martina Pignedoli
Letras: Jeff Eckleberry
Capa principal: David Nakayama
Editoria: Nate Cosby
Editora: Dynamite Entertainment
Datas originais de publicação: 07 de fevereiro, 13 de março, 10 de abril e 15 de maio de 2024
Páginas: 127