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Crítica | Thor: Amor e Trovão (Com Spoilers)

Uma clássica aventura do Thor?

por Kevin Rick
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Eu tinha me esquecido do tanto que Thor (Chris Hemsworth) sofreu no Universo Cinematográfico da Marvel. O ato inicial de Thor: Amor e Trovão tem Korg (Taika Waititi) relembrando o público de maneira bem-humorada tudo que o asgardiano teve que suportar na última década, desde a perda de vários familiares até sua falta de propósito. É meio irônico que, mesmo se tornando o maior piadista da Marvel nas telonas, Thor é um dos personagens mais trágicos e com alguns dos melhores desenvolvimentos dramáticos do UCM, seja a sua maravilhosa participação em Guerra Infinita Ultimato – incrível como até hoje muita gente não entende que sua versão gordinha não é só efeito cômico -, até o subestimado trabalho emotivo de Ragnarok com temas como paternidade, irmandade e liderança.

A mais nova entrada na cinessérie do viking espacial acompanha o que sobrou do personagem após se juntar aos Guardiões da Galáxia no final de Ultimato. Os pneuzinhos sumiram, o cabelo e a barba estão na régua e Thor parece um deus novamente, salvando seres pelos cosmos com espacates de Jean-Claude Van Damme. Mas algo continua igual, e talvez até pior: seu lado interior está vazio e quebrado. Após vislumbrar um pedido de ajuda de Lady Sif (Jamie Alexander, retornando e desaparecendo novamente), o herói acaba ingressando em uma jornada ao passado, encontrando antigos rostos e amadurecendo no processo, tudo enquanto precisa derrotar o matador de deuses Gorr (Christian Bale).

O cineasta Taika Waititi está novamente no comando da produção, trazendo sua abordagem cômica, meio paródia e meio esquete, que transforma Thor em uma espécie de Flash Gordon escrachado. Eu já fiz paz com o Deus do Trovão dos quadrinhos não sendo adaptado para as telonas, e, bem, gosto bastante do que Taika fez em Ragnarok, nos presenteando com uma ópera espacial pastelona explodindo de cor, rock, humor e muita ação. Infelizmente, a sequência não consegue atingir o mesmo nível de qualidade e diversão do filme anterior.

Um dos aspectos negativos da obra começa no bloco com os Guardiões da Galáxia. Em termos de continuidade no UCM, é estranho o grupo de heróis ser basicamente nota de rodapé no filme. Seria genuinamente divertido ter uma aventura entre eles e Thor, especialmente em relação à química entre Hemsworth e Chris Pratt. No entanto, considerando o cachê de alguns atores, o roteiro que já está inchado sem a participação do grupo e até o trabalho para conciliar a agenda de tantos artistas, dá para entender em termos de produção porque a participação dos Guardiões é rápida.

O meu problema principal com a sequência está no fato de que é apenas o primeiro de muitos blocos isolados do longa, com Taika estruturando a narrativa de forma fragmentada. Temos o bloco em Nova Asgard, depois no panteão dos deuses, posteriormente na Dimensão das Sombras e assim por diante. É um roteiro cheio de “miniaventuras” que, como meu colega Ritter pontuou muito bem na crítica sem spoilers, são espécies de esquetes, todas desconjuntadas e mal conectadas.

Primeiro que Taika não consegue explorar os diversos cenários a fundo como ele havia feito em Sakaar no longa anterior. Peguem, por exemplo, toda aquela sequência com os deuses, onde a integralidade do potencial de um núcleo verdadeiramente maluco é restringido a uma discussão entre Thor e Zeus (Russell Crowe), com o deus grego fazendo algumas dancinhas e o time asgardiano derrotando alguns soldados sem expressão. Chega a ser inacreditável a total falta de criatividade do diretor neozelandês, resumindo sua abordagem cinematográfica a mostrar Thor sem roupa e colocar Crowe em um papel totalmente constrangedor. Onde está toda aquela loucura narrativa que Taika estava falando em entrevistas?

As cenas em Nova Asgard, apesar de serem divertidas com o lance da Disneylândia, seguem um caminho similar, pouco explorando a sociedade ou qualquer aspecto do povo de Asgard para que sobre mais tempo para a peça com participações especiais de Matt Damon, Luke Hemsworth, Sam Neill e Melissa McCarthy. Até mesmo o segmento dramático do retorno de Jane Foster (Natalie Portman) é lidado com uma economia narrativa irritantemente superficial, problematizando a questão do câncer apenas em umas quatro cenas. Não tem tempo para nada nesse filme, para os personagens serem desenvolvidos, para a aventura respirar e todos estes cenários espaciais serem aproveitados a fundo.

O segundo problema está na maneira que a narrativa faz transições entre os blocos de aventuras. Taika simplesmente coloca os personagens para viajarem a torto e a direita através de suas armas, demonstrando uma preguiça imensa para construir uma história verdadeiramente orgânica. Há um óbvio desleixo na condução de tramas e utilização de certos personagens na obra, como a exclusão da Valquíria (Tessa Thompson) do ato final, sendo que a personagem é totalmente desnecessária e subutilizada ao longo da produção, e também na maneira tosca que Gorr (não) é aproveitado como antagonista.

Tem uma sequência que, para mim, resume porque Gorr não funciona no filme: quando o vilão faz aquela armadilha para pegar o Rompe Tormentas, a direção do Taika é muito eficiente em criar uma atmosfera macabra na entrada do personagem, acompanhado pela maravilhosa fotografia monocromática, uma trilha sonora sinistra e um Bale empenhado na psicopatia do personagem, e, então, Thor faz uma piada sobre dentista. É tão anticlimático, quebra totalmente a construção da cena e, pior, tira a ameaça de Gorr da mesa.

Ritter tem um argumento interessante sobre estarmos vendo dois filmes, mas eu acredito serem mais dois tipos de encenações que não combinam. Todas as cenas de Gorr “sozinho” são ótimas, seja sua origem melancólica, seja ele aterrorizando as criancinhas, mas Taika não consegue encontrar um equilíbrio de tom em contraste com o brincalhão do Thor quando os personagens se chocam. Simplesmente não funciona como a cínica e sarcástica Hela da Cate Blanchett, ou então o sempre carismático e maquiavélico Loki do Tom Hiddleston.

Além disso, o roteiro utiliza Gorr da pior maneira que um antagonista pode ser desenvolvido: ele está ali mais para mover a trama do que para ser uma contraponto ao herói, tanto que raramente vemos Gorr e Thor terem algum tipo de diálogo interessante entre si. É uma pena viu, pois o matador de deuses é um personagem conceitualmente interessante, longe de ser maniqueísta e Bale, apesar de uns histrionismos pontuais, está realmente comprometido no papel, inclusive dando mais dimensão e empatia com nuances do que recebeu do roteiro.

Thor: Amor e Trovão vai receber muitas críticas por causa do humor, mas a comédia não é um problema enquanto proposta. O potencial da obra é, na verdade, altíssimo, podendo ter sido uma versão ainda mais insana do que vimos em Ragnarok. A crítica fica mesmo na falta de criatividade de Taika Waititi, e também da co-roteirista Jennifer Kaytin Robinson, na construção narrativa e na abordagem cinematográfica.

Voltando a algo que citei anteriormente, o cineasta deu algumas entrevistas dizendo que o filme era o mais louco que já fez e que não devia nem ter sido feito. Onde estava toda essa maluquice? As cenas de ação são em sua maioria genéricas, como as sequência das ruas de Nova Asgard e no centro dos deuses, onde os heróis derrotam exércitos sem rostos, ou então os embates com o próprio Gorr que não dispõem de uma coreografia inventiva para além do choque de armas.

Existem algumas ideias visuais interessantes, como o Mjölnir se despedaçando, os Thors lutando juntos, o exército de crianças tirado dos melhores filmes infantis, e, claro, todo o bloco na Dimensão das Sombras, mas são momentos esparsos e que, honestamente, parecem mais mérito da equipe técnica do que ideias de encenação ou de qualquer set-piece minimamente memorável da direção. É, aliás, um filme criativo e digno de nota em termos de design de produção, mas tive a impressão que o Taika estava trabalhando com muita liberdade e muito no piloto automático para oferecer algum tipo de marca ou expressividade que vimos em suas produções anteriores.

Vejo isso bastante na mediocridade das piadas, metralhadas a cada cena, sem timing ou aquele aspecto slapstick que Taika às vezes gosta de emprestar para seus filmes. A comédia fica entre o pastelão e o deadpan, nunca encontrando um tom gostoso com o espectador e nem nas interações dos atores, o que fica ainda pior quando adicionamos os problemas que citei anteriormente, como os blocos rápidos e mal explorados, coadjuvantes subutilizados, péssimas transições narrativas e um vilão que não combina com a proposta da produção.

Apesar de todos os problemas, o longa tem seus momentos engraçados, como os bodes berrantes e Jane procurando uma frase de efeito, e há diversos temas interessantes em relação a mortalidade, paternidade, romance e propósito que preenchem o arco dramático de um personagem que se tornou verdadeiramente curioso por trás das piadinhas. Só faltou um cuidado para moldar tudo isso em uma aventura mais eficiente e fantástica. Faltou escopo, faltou amor, faltou tom e faltou humor.

Ainda assim, eu gosto do final. Jurei que Thor iria fazer o pedido para salvar Jane, da maneira mais clichê e previsível possível, mas o roteiro é inteligente em subverter algumas coisas, desde o dilema de Gorr, o sacrifício da Poderosa Thor e um desfecho verdadeiramente bonito e fofo com o protagonista tornando-se um paizão. Infelizmente, a jornada até ali não é tão emocionante quanto as despedidas de Jane e Gorr, ou tão prazerosa quanto ver Thor e uma menininha chutando bundas.

Fazendo uma analogia, se Thor: Ragnarok é Led Zepellin, então Amor e Trovão realmente é Guns N’ Roses: mais medíocre, mais genérico, mais perdido e mais esquecível. Taika Waititi parece que ficou confortável ou desinteressado demais em idealizar uma produção melhor, seguindo a regra de sequências em Hollywood com uma história inchada e desleixada. Para o mérito do longa, há entretenimento o bastante para não ser ruim, e existem alguns desdobramentos que serão interessantes de acompanhar no UCM, como a apresentação de Valhalla, a introdução de Hércules (Brett Goldstein, o hilário Roy Kent de Ted Lasso) e qual será a nova jornada do protagonista como pai (ou tio), mas eu não chamaria Amor e Trovão de uma clássica aventura do Thor.

Thor: Amor e Trovão (Thor: Love and Thunder – EUA, 2022)
Direção: Taika Waititi
Roteiro: Taika Waititi, Jennifer Kaytin Robinson
Elenco: Chris Hemsworth, Natalie Portman, Christian Bale, Tessa Thompson, Jaimie Alexander, Taika Waititi, Russell Crowe, Chris Pratt, Pom Klementieff, Dave Bautista, Karen Gillan, Vin Diesel, Bradley Cooper, Sean Gunn, Matt Damon, Sam Neill, Luke Hemsworth, Melissa McCarthy, Kat Dennings, Stellan Skarsgard, Brett Goldstein
Duração: 125 min.

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