- Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas das demais temporadas.
Depois de uma ótima primeira temporada, The White Lotus perdeu qualidade na segunda, fiando-se mais na beleza da locação mediterrânica na Sicília do que nas histórias de seus personagens. No terceiro ano, desta vez no Four Seasons da ilha de Koh Samui, na Tailândia, Mike White parece reencontrar-se um pouco em uma abordagem que é como um jornada espiritual para seus novos núcleos, mesclando melhor o exotismo “para turista rico” do país, com o Budismo, a religião dominante por lá, e, claro, sua pegada constante sobre a decadência da aristocracia e o poder do dinheiro. Não há o frescor da temporada original que, como muitos lembrarão, era para ser uma minissérie, e o showrunner, diretor e roteirista por várias vezes não sabe usar bem a minutagem avantajada que tem em mãos – o terceiro ano tem um episódio a mais que o anterior que, por sua vez, tem um a mais que o primeiro -, mas, no agregado, o resultado é mais coeso do que sua tentativa anterior de resgatar aquilo que levou a série ao sucesso.
Com uma trilha sonora exotérica novamente composta por Tapia de Veer, que, ao lado da direção de fotografia de Ben Kutchins que captura a espiritualidade e a calma do budismo e faz ótimo uso das filmagens em locação, toda a atmosfera desta terceira temporada é lentamente construída ao longo dos episódios. Enquanto que o passo vagaroso, feito para o espectador mergulhar na proposta do novo hotel entre a floresta e o mar, com natureza exuberante e aquela tranquilidade embutida, é sem dúvida lento e cansativo demais na maior parte do tempo, com White talvez investido demais em sua própria proposta de retiro espiritual para abastados cheios de problemas, a convergência narrativa dos diversos núcleos, além de seus respectivos finais é interessante, bem trabalhada, ainda que um pouco na retranca, sem talvez permitir-se chocar ou punir de verdade, doa a quem doer. Quando a narrativa parece indicar que vai andar, ela anda com o freio de mão puxado, sem ter real coragem de estraçalhar convenções como tinha toda oportunidade de fazer.
Vejam, por exemplo, a família Ratliff, composta pelo pai Timothy (Jason Isaacs), que começa a sofrer uma investigação de fraude e sente o mundo ao seu redor desmoronar, a mãe Victoria (Parker Posey), que vive à base de tranquilizantes, o filho mais velho Saxon (Patrick Schwarzenegger) que só pensa em seu corpo, em sexo e no trabalho na empresa do pai, a filha do meio Piper (Sarah Catherine Hook), perdida sobre o que quer da vida e revoltada por basicamente querer o conforto que tem, sem ter a coragem de admitir, e, finalmente, Lochlan (Sam Nivola), o inocente filho mais novo. Apesar de esse núcleo concentrar todo o lado cômico e satírico da temporada pela disfuncionalidade que emana dali, pela hilária atuação de Posey (os demais também estão bem, mas ela é, facilmente, o destaque) e pela forma como as “pílulas mágicas” de Victoria acabam servindo de fuga para Timothy, quando a narrativa ali começa a enveredar para o trágico, o tom farsesco do início não é defenestrado e acaba levando à uma conclusão domada e um tanto quanto fácil e decepcionante. E vamos combinar que aquele momento incestuoso para causar buchicho internético é só isso mesmo…
O núcleo das três amigas de meia idade que se reencontram depois de muito tempo – a bela atriz de sucesso Jaclyn Lemon (Michelle Monaghan), a esposa recatada e do lar Kate Bohr (Leslie Bibb) e a advogada divorciada Laurie Duffy (Carrie Coon) é outro que parece existir somente para justificar os oito episódios, pois, ao longo da temporada, a narrativa da trinca, quando não está completamente perdida, anda apenas de lado entre o óbvio ululante e o genérico, com apenas a catarse final de Laurie, no derradeiro episódio, tendo algum valor e, mesmo assim, levando a uma resolução muito “bonitinha” demais. Por outro lado, os retornos de Belinda Lindsey (Natasha Rothwell), funcionária do White Lotus do Havaí da primeira temporada e de Greg Hunt (Jon Gries), marido da finada ex-MILF Tanya que apareceu brevemente nas duas primeiras temporadas, me trouxeram trepidações justamente porque a forma como a volta de Tanya no ano anterior foi trabalhado, facilmente levando à pior linha narrativa de lá, mas, aqui, a lenta convergência entre os dois personagens em pólos opostos e o final que leva à corrupção de Belinda pelo dinheiro ao ponto de ela fazer com seu namorado o que Tanya fizera com ela, foi uma subversão corajosa que deveria ter acontecido mais vezes na temporada.
O último núcleo de hóspedes, o casal formado Rick Hatchett (o sempre excelente Walton Goggins), um homem misterioso e nervoso que, não demora muito, descobrimos que quer se vingar do assassino de seu pai, e sua namorada Chelsea (Aimee Lou Wood), que só posso classificar como uma “alma boa” é o que realmente dá o sabor à temporada. Goggins, apesar de ser relativamente pouco usado na temporada, o que é sem dúvida frustrante, faz todos os seus momentos valerem ouro, com seus debates internos aflorando em suas expressões torturadas que causam agonia no espectador quando ele deixa de enxergar o amor que tem à sua frente em razão do amor que ele acha que deixou de ter em seu passado (um pouco clichê, eu sei, mas um clichê bom, bem trabalhado, mesmo que a revelação final à la Darth Vader tenha sido um pouco forçada, apesar de esperada) e com sua primeira interação com seu amigo Frank (Sam Rockwell), em Bangkok sendo também o mais surreal diálogo da temporada.
De maneira semelhante à trinca de amigas, os núcleos de “não hóspedes”, notadamente o segurança tailandês e sua namorada e os amigos russos, estão ali para preencher espaço. Sim, claro, eles têm suas funções narrativas, mas elas são pontuais e bem específicas, talvez com a única exceção sendo justamente o pobre Gaitok (Tayme Thapthimthong) que, de maneira semelhante à Belinda, entrega-se ao lado sombrio e trai suas crenças para agradar terceiros (a namorada e a dona do hotel) para criar a cena que dá fim à história que começa, como de praxe, com mortes misteriosas no preâmbulo do primeiro episódio. É curioso como White não consegue trabalhar bem os “nativos” dos lugares onde filma a série, fazendo dos havaianos não mais do que papeis de parede, dos italianos o rebotalho da narrativa e os tailandeses não mais do que encapsulamentos dos clichês do que o Ocidente acha que sabe sobre a Tailândia.
Caminhando sem pressa, por vezes arrastando-se, a terceira temporada de The White Lotus consegue reerguer um pouco do interesse sobre uma série que, tenho para mim, deveria ter sido mesmo apenas uma minissérie. O passeio pelo mundo hoteleiro bancado em boa parte pela rede Four Seasons sem dúvida oferece bons momentos aqui e ali muito em razão dos elencos inspirados e da fotografia cuidadosa, mas a pegada ácida e ferina que Mike White demonstrou ter em 2021 não mais existe na mesma intensidade, mais parecendo que ele absorveu ensinamentos budistas demais ao longo dos anos ou, talvez, que ele mesmo tenha suavizado a abordagem para não ferir as suscetibilidades de seu chique patrocinador de locações milionárias.
The White Lotus – 3ª Temporada (EUA, 16 de fevereiro a 06 de abril de 2024)
Criação: Mike White
Direção: Mike White
Roteiro: Mike White
Elenco: Leslie Bibb, Carrie Coon, Walton Goggins, Sarah Catherine Hook, Jason Isaacs, Lalisa Manobal, Michelle Monaghan, Sam Nivola, Lek Patravadi, Parker Posey, Natasha Rothwell, Patrick Schwarzenegger, Tayme Thapthimthong, Aimee Lou Wood, Jon Gries, Sam Rockwell, Scott Glenn, Nicholas Duvernay, Arnas Fedaravicius, Christian Friedel, Dom Hetrakul, Charlotte Le Bon, Shalini Peiris, Julian Kostov, Yuri Kolokolnikov, Suthichai Yoon, Yothin Udomsanti
Duração: 516 min. (oito episódios)