- Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas de todos os episódios da série e, aqui, de todo nosso material do universo The Walking Dead.
É sempre a mesma coisa com esta franquia nos últimos anos. Os roteiristas apresentam ideias interessantes, o público fica esperançoso por conta do passado de qualidade da série original e dá para perceber o potencial de histórias que podiam resgatar o fascínio que os fãs tinham com TWD, mas aí acontece de novo: problemas crônicos de falta de planejamento que acabam em decepção. Já estou acostumado com isso depois dos inícios curiosos de The Walking Dead: Daryl Dixon e The Walking Dead: Dead City que se provaram apenas promessas ao vento. É um pouco mais doloroso com The Ones Who Live, porém, uma vez que a produção é consistente sem ser excelente, apenas para cair em uma armadilha emocional que mostra a família dos protagonistas reunida, um momento final bonitinho que não compensa uma conclusão que faz exatamente o que apontei na crítica de Become: correr de forma destrambelhada para finalizar a missão de derrubar a CRM. O meu único erro foi imaginar que esse seria o cenário mais improvável.
Não gosto de escutar aquelas entrevistas da equipe criativa depois que os episódios terminam, mas acabei me pegando assistindo enquanto tentava organizar minha opinião do capítulo final da minissérie, o que foi bom, porque acabei vendo como os produtores/roteiristas enxergavam a produção: filmes-episódios. Dava para notar isso na forma fragmentada dos episódios anteriores, algo que cheguei a pontuar nos textos e conversei com alguns leitores que pontuaram a mesma característica narrativa, mas pensei que isso era mais um resquício do planejamento anterior de se fazer um longa metragem e não uma decisão criativa totalmente deliberada. Não penso que esse tipo de abordagem funciona dentro de uma produção serializada justamente pelo que aconteceu aqui no último episódio, com uma narrativa que ao mesmo tempo parece comprimir muita coisa e não ter conteúdo, querendo correr o mais rápido possível e com os piores atalhos para terminar a história de Rick e Michonne contra a CRM em apenas 50 minutos.
Eu odeio quase tudo que envolve o desenvolvimento da missão. Qual é a razão de se criar uma organização desse tamanho, com tanto poderio militar e capacidade para termos uma plano feito nas coxas conseguir derrubá-la com tanta facilidade? É tão anticlimático as saídas que o roteiro escolhe para resolver o conflito, passando pela facilidade da infiltração da Michonne, a preguiça em torno da solução criada para a situação (explodir todo mundo e soltar o gás) e a conveniência em torno da sobrevivência dos protagonistas, que ainda por cima têm sua fuga final acontecendo fora de tela (depois de tudo aquilo, achei que pelo menos veríamos algum tipo de obstáculo com os zumbis). Se não fosse o bastante, temos que ficar vendo flashbacks desconjuntados de eventos antigos da franquia e a Thorne gritando coisas sobre amor, que aderem um tom melodramático para uma produção que vinha se desviando disso com uma boa construção dramática em torno do relacionamento da dupla principal.
Mas o que é ainda pior para mim é a declaração de Andrew Lincoln sobre como o plano de Beale é um resgate do tipo de decisão equivocada do Shane lá atrás na série sobre matar o mais fraco. Qual é, TWD encontrou seus melhores momentos quando se tornou moralmente tênue, com Rick, Daryl, Carol e afins gradualmente fazendo escolhas similares à Shane, uma das pessoas que mesmo em suas loucuras foi um dos primeiros a entender o novo mundo. Colocar esse tipo de mensagem maniqueísta sobre certo e errado é tão na contramão do que esse ambiente de escolhas impossíveis realmente provoca. Para mim, o roteiro minimiza o potencial de se fazer uma história mais complexa sobre as revelações de Beale, para bem ou para mal, resignando a produção a um final feliz, com outra saída safada quando ouvimos ao fundo um noticiário indicando que tudo deu certo. Quando a CRM voltar na franquia, espero que tenhamos mais contexto ou até mesmo algum tipo de retcon leve para aproveitarmos a ideia sobre uma organização desse tamanho no fim do mundo.
Só não acho o episódio de todo ruim porque alguns momentos pontuais durante a missão dos protagonistas são divertidos, como a cena do elevador, o confronto de bons diálogos (ainda que levemente expositivo) de Rick e Beale, e algumas sequências de ação depois da explosão com a fotografia amarelada e uma horda de zumbis a caminho. E mais do que isso, o desfecho com o reencontro da família é simpático e consegue emocionar por conta dos laços que temos com alguns desses personagens e pelo próprio trabalho traumático que a série trabalhou bem em episódios anteriores. Rick foi um dos meus protagonistas favoritos das telinhas por muitos anos, então é inegável a emoção de vê-lo abraçando seus filhos. Mas também é inegável que a CRM parece quase uma desculpa narrativa para criar esse reencontro, dado que sua participação na série é subutilizada, até na maneira que a missão de sua derrocada nem parece fazer parte dessa temporada pela diferença de tom com os episódios anteriores. A resolução preguiçosa, pouco criativa e indiferente da missão final de Rick e Michonne me deixa com a impressão de que os roteiristas não sabiam como resolver esse problema de uma maneira orgânica sem deixar ganchos ou precisar de uma nova temporada.
O sabor que fica então é agridoce, porque The Ones Who Live não termina como uma boa expansão de universo, tampouco finaliza com qualidade o conflito limitado com a CRM, com o pequeno lado positivo de termos uma conclusão doce para dois grandes personagens que mereciam isso. No fim, penso que a obra fez jus aos seus protagonistas, mas não à franquia e ao tamanho de sua premissa, se isso faz sentido. Espero que Rick, Michonne e seus filhos tenham sua história finalizada aqui, porque não faz sentido sacrificar a CRM com essa conclusão atabalhoada e corrida se esses personagens vão voltar em algum período do futuro. Só o tempo dirá, porém. De TWD não duvido de mais nada quando o assunto é me decepcionar.
The Walking Dead: The Ones Who Live – 1X06: The Last Time (EUA, 31 de março de 2024)
Desenvolvimento: Scott M. Gimple, Danai Gurira, Andrew Lincoln
Direção: Michael E. Satrazemis
Roteiro: Scott M. Gimple, Channing Powell
Elenco: Danai Gurira, Andrew Lincoln, Lesley-Ann Brandt, Terry O’Quinn
Duração: 59 min.