- SPOILERS do episódio e da série. Leiam aqui, as críticas de todos os episódios da série e, aqui, de todo nosso material do universo The Walking Dead.
Trust cruza a linha tênue bem fina que qualquer série tem quando quebra, subverte ou empurra para outros lugares as possibilidades que implementa, sem deixar seu público parecer um tolo. Sempre cito Lost como uma exemplo-chave nesse aspecto, pois, era uma obra que trabalhava como nenhuma outra as expectativas do público acerca das promessas que fazia, e conseguia, mesmo indo para um lado oposto e às vezes mais óbvio do que se imaginava, entregando uma resolução digna, emocionante e ainda coerente dentro daquilo que propôs.
Digo que The Walking Dead, em algum momento, até foi também essa série de entregar o “bom frustrante”, principalmente na segunda temporada, embora, em temporadas mais para frente, essa entrega foi para um sentido mais visceral, enquanto exercício de ação. Já tem algum tempo que não se vê uma sequência de ação realmente impactante ou constantemente intensa na série. Inclusive, há uma matança de zumbis aqui tão esquemática que salta aos olhos essa decadência visual que força o roteiro a procurar métodos reducionistas de resolver seus conflitos. Portanto, não aguardava algo grandioso quando em No Other Way foi colocado um possível embate de Maggie (Lauren Cohan) vs Daryl (Norman Reedus) ao lado dos soldados de Commonwealth, mas, dado o andamento e desenvolvimento dos episódios seguintes, pelo menos esperava que ele acontecesse.
Quer dizer, por conta dos inúmeros saltos temporais, intuímos uma divisão ideológica do grupo acontecendo através das cenas que nos mostravam a passividade e o costume de certos personagens com a rotina da nova comunidade, podendo ser um contexto para encaminhar um confronto. Esse encaminhamento começou a ser quebrado no episódio passado, com a inserção de uma sub-trama para reposicionar, ou reafirmar que Daryl e Rosita (Christian Serratos) não estavam tão imersos no militarismo de Commonwealth a ponto de mudarem de lado. Pelo contrário, foi muito conveniente eles tomarem consciência da posição que tinham na comunidade só quando viraram vítimas, pois não faltaram chances nesse tempo todo por lá (estabelecido pelos saltos temporais) de perceberem problemas e questionarem esse sistema. Mais conveniente ainda, essa conscientização veio momentos antes do episódio que, enfim, entregaria a cena deixada como gancho em No Other Way.
Confirma que o flashforward ao final daquele episódio (em que não se tinha nem contexto para colocá-la) foi uma jogada de sensacionalismo baixo para tentar convencer o público a continuar assistindo para ver algo que nunca esteve nos planos nem para trabalhar um suspense do “e se” tivesse antagonismo. O que vemos em Trust é somente uma tensão fraca e repetitiva de um Lance (Josh Hamilton) que entre o personagem genérico e vilão promissor, virou um Governador (David Morrissey) travestido com a caricatura de Negan (Jeffrey Dean Morgan) ameaçando os membros de Hilltop com um sarcasmo desconfiado de que foram eles os responsáveis pela morte de Toby (Jason Butler Harner) e outros soldados no conflito em Riverbend.
Inclusive, as três cenas principais desse núcleo são todas muito mal coordenadas. Na primeira, Hornsby deduz exatamente o que aconteceu no local de primeira para que Daryl entenda que foi isso que aconteceu e quebre o galho de Aaron (Ross Marquand) e Gabriel (Seth Gilliam) mentindo na cara dura. Na segunda, a cena do carro, foca-se em expressões tensas desnecessárias de Maggie olhando para Hornsby estudando os pneus sujos e o motor, pois se ela tinha averiguado de acobertar todas as pistas, dever-se-ia manter numa pose mais tranquila para evitar mais desconfiança do que já passou quando negou a entrada para os soldados. Na terceira, Hornsby simplesmente tira o boné de Hershel Jr. (Kien Michael Spiller) a toque de mágica (custava uma cena dele achando o boné no chão?) e é “ajudado” por Elijah (Okea Eme-Akwari) que parte para cima intimidando-o, ou seja, se Lance antes parecia ter certeza que eles foram os responsáveis, a reação agressiva só o fez confirmar essa certeza.
Mesmo assim, o personagem não faz nada. A situação não gera nada. A “mudança” de Daryl em sua frente e na frente de outros soldados não dá em nada, nem para ele, nem para Aaron e Gabriel. Administração de danos? Poderia ser, se no final do episódio ele não encontrasse Leah (Lynn Collins) e a chamasse para resolver o problema de Maggie. Porque “com certeza” aquela mulher selvagem que ele não conhecia (e não sabia que tinha inimizade com Maggie) é mais capaz de fazer isso que seu exército de soldados. Não faz o menor sentido Lance procurá-la repentinamente na noite, completamente exposto, quanto mais Leah em escutá-lo considerando que pouco tempo atrás roubou armas de outros soldados sem cara de querer muito papo. É esse o plano para o verdadeiro clímax da segunda metade da última temporada de The Walking Dead? Leah (que ninguém se importa ou acha legal) vs Maggie? Claro que deve envolver mais gente no meio e terá consequências para os personagens citados, mas colocar o efeito Reapers como se fosse um gancho bacana para uma guerra segunda mid-season é o cúmulo da falta de noção.
Aliás, cadê a continuidade dos conflitos sociais internos em Commonwealth? Nesse meio tempo que saltou na história para mostrar Ezequiel (Khary Payton) já recuperado do tratamento do câncer e a Princesa (Paola Lázaro) namorando com Mercer (Michael James Shaw), Connie (Lauren Ridloff) e Kelly (Angel Theory) não progrediram uma vírgula na investigação daquela lista que encontram? Só agora quando Rosita e Daryl confiram April (Wynn Everett) como um dos nomes ali escritos e por ela se deduz o que aconteceu com todos os outros? Eugene (Josh McDermitt) e Max (Margot Bingham) depois de tanto tempo conversando, passou esse tempo todo a mais e eles não tinham dado o primeiro beijo (chocho, por sinal) ainda? Mais do que jornalismo fraco ou dificuldades de relacionamento, perguntas como essas certificam como esses saltos temporais são dados por preguiça de The Walking Dead em pensar progressões orgânicas para os fatos, perdendo completamente o timing quando retoma certas pendências, principalmente por focar em outras sem a relevância necessária do momento.
Qual o intuito desse arco do Rei com o irmão de Yumiko (Eleanor Matsuura) – além do mais, cadê ela? Cadê o seu papel importante como a “Michonne” (Danai Gurira) do arco? –, Tomi (Ian Anthony Dale) e o hospital veterinário clandestino para aqueles com baixa renda? Mostrar o quanto a Carol (Melissa McBride) já têm influência no lugar ao livrar os dois de serem presos após serem pegos pelos soldados com equipamentos do hospital? Já sabíamos disso. Mostrar o quanto aquele grupo pode fazer a diferença naquele local? Também já sabíamos, embora, talvez num outro contexto, fosse uma abordagem interessante de reforço da temática ignorada pela própria temporada. Reconectar o romance entre Carol com Ezequiel? É o mais plausível, embora, era melhor nem fazer se fosse para ficar apenas no limbo do flerte. Propunha logo um retorno para que eles pudessem ser explorados juntos, coisa que a série nunca fez direito.
Em suma, mesmo que tenha várias coisas acontecendo, nada em Trust realmente progride ou se consolida. A única coisa minimamente evolui no episódio é Mercer, com sua dubiedade evidenciada nos diálogos com sua irmã e com a Princesa (as melhores cenas do episódio), do arrependimento mesclado com um senso de dever e importância para que aquela comunidade que representa o retorno da sociedade, funcione. Mesmo assim é um desenvolvimento completamente à parte e sem garantia alguma de complemento no futuro, principalmente considerando o histórico dessa própria segunda metade de temporada, que construiu diante muitas adversidades um cenário preparatório promissor para algo grande e, mesmo assim, conseguiu se apequenar e abandonar algo que já era cômodo para o que costumava entregar. Continuar The Walking Dead é ter a certeza de que será surpreendido por novas decepções, apesar de estar sempre esperando-as.
The Walking Dead – 11X15: Trust | EUA, 03 de Abril de 2022
Diretor: Lily Mariye
Roteiro: Kevin Deiboldt
Elenco: Norman Reedus, Melissa McBride, Lauren Cohan, Christian Serratos, Josh McDermitt, Seth Gilliam, Ross Marquand, Khary Payton, Cailey Fleming, Lauren Ridloff, Angel Theory, Paola Lázaro, Michael James Shaw, Lynn Collins, Josh Hamilton, Margot Bingham, Ian Anthony Dale, Okea Eme-Akwari, Antony Azor, Kien Michael Spiller, Nicholas Velez, David Alexander
Duração: 45 minutos