- Leiam, aqui, as críticas dos demais episódios.
Uma crítica cinematográfica (ou de qualquer outra arte) não deve ser usada como fator decisivo para tomada de decisão sobre assistir ou não alguma coisa. Trata-se, fundamentalmente, de uma opinião. Embasada em aspectos técnicos, mas uma opinião no final das contas. Digo o óbvio aqui no introito unicamente porque, se há um episódio de The Romanoffs que precisa ser assistido por seu conteúdo, pelas questões que levanta, este é End of the Line. Mas isso não quer dizer que ele é bom. Longe disso, na verdade, mas minha avaliação final não deve desencorajar ninguém de encará-lo. E isso não é contraditório, eu garanto.
O ponto é que, já chegando ao final do episódio, Anka (Kathryn Hahn) e Joe Garner (Jay R. Ferguson), o casal americano que vai até Vladivostok (War! – eu sempre tenho que exclamar o nome do jogo quando falo ou escrevo o nome dessa cidade russa…) em 2008 para adotar uma criança, têm uma discussão ferrenha que aborda aborto e adoção de maneira franca e dolorosa e que fatalmente reverberá na mente dos espectadores, seja qual for sua posição sobre os assuntos. Sem entregar o ouro, pois não quero dar spoilers, essa discussão aguerrida em um quarto de hotel é o ponto nodal do capítulo, que parece ter sido inteiramente construído em torno dela, e lida fundamentalmente com o sentido mais profundo de paternidade. Não é fácil ouvir o que eles falam – cada um com seus bem erigidos argumentos – e não é fácil, depois, ruminar sobre as questões. E a consequência da conversa também é de esmigalhar corações, com um final cheio de dúvidas e apreensões. Sei que fui críptico, mas é que o momento, que não é exatamente uma surpresa, pois o longa de Matthew Weiner não se presta a isso, terá mais efeito sem uma preparação prévia fora do episódio.
No entanto, esse diálogo parece ter vida independentemente de tudo o que acontece antes, basicamente uma sucessão interminável de caracterizações arquetípicas do que imaginamos da Rússia: um país paranoico por segurança, avesso ao “Ocidente”, com todas as mulheres bonitas sendo prostitutas, as demais sendo duronas, repleto de produtos piratas, que não aceita sorrisos, vive mergulhado em corrupção profunda, tem profundas disparidades sociais, é frio (congelante) até a raiz do cabelo, perigoso e, dentro da temática do episódio, tem um dos mais “flexíveis” sistemas de adoção do mundo. Usando essas construções artificiais arquetípicas – nem todas erradas, que fique bem claro – os quase dois terços iniciais de End of the Line vive na incômoda fronteira da comédia e do drama, sem conseguir ser uma coisa ou outra ou mesmo uma fusão harmônica.
O roteiro, da dupla Andre e Maria Jacquemetton, é inábil demais em conseguir criar diálogos fluidos, o que automaticamente impede a química entre o casal principal, sempre atrapalhado pela russa coberta em peles Elena (Annet Mahendru), que mais parece uma soldada que, a cada cena em que aparece, dá a impressão que levará o casal a um gulag (e isso é de propósito, mas simplesmente não funciona). Como eu disse, a questão da adoção é séria e interessantíssimo, mas ganha um tratamento tão canhestro até a fatídica discussão no hotel que incomoda o espectador, que não sabe se ri ou se fica tenso ou se, no final das contas, fica apático mesmo.
E mesmo a tal conversa parece literalmente tirada da cartola dos roteiristas, já que ele introduz elementos sobre o passado do casal que simplesmente não foram trabalhados antes nem de longe. Quando eu afirmei que a discussão tem vida independente do restante do episódio, quis dizer na literalidade mesmo. Ele introduz, desenvolve e quase resolve uma situação completa, como se ele, sozinho, fosse um episódio dentro de um episódio. Teria sido mais honesto se, na linha do magnífico Meu Jantar com André, Weiner tivesse circunscrito seu mais recente capitulo de The Romanoffs a uma conversa entre um casal em uma mesa de restaurante. Afinal, quase todo o restante é perfurmaria aqui.
Da mesma forma que eu cogitei dar um número de estrelas mais generoso ao episódio pelas questões que levanta, também cheguei a pensar em dar um número mais baixo ainda. Acabei ficando no meio termo, mas fica já o aviso de cara: a falta de qualidade do episódio como um todo não deve afastar o espectador da discussão que ele põe na mesa. Fala-se muito pouco tão abertamente sobre assuntos como adoção e aborto em obras de ficção para que deixemos passar a dureza do que os Jacquemetton propõem aqui.
The Romanoffs – 1X07: End of the Line (EUA, 16 de novembro de 2018)
Criação: Matthew Weiner
Direção: Matthew Weiner
Roteiro: Andre Jacquemetton, Maria Jacquemetton
Elenco: Kathryn Hahn, Jay R. Ferguson, Annet Mahendru, Clea DuVall, Zofia Wichłacz
Duração: 87 min.