- Há spoilers, e para o seu bem, recomendo que LEIA MESMO ASSIM. Para crítica das demais temporadas, clique aqui.
Queria iniciar este texto avisando que talvez não seja apenas uma crítica, mas um manifesto de repúdio a essa bomba televisiva. Uma bomba DO INÍCIO AO FIM, sem pestanejar ou passar pano para a sua fotografia “bonitinha”, ou trilha sonora legalzinha, ceninha bacana aqui e ali ou um ou outro ator que não tenha culpa dessa série ser tamanha calamidade. Nosso querido crítico Luiz Santiago até foi generoso com The Rain quando escreveu sobre a primeira temporada, mas eu, desde lá, já fiquei profundamente arrependido com um pouco mais de 15 minutos de série por ter começado. De lá para cá, mal sabia que iria piorar… E MUITO. Infelizmente, sofro do “toque” mental de não conseguir começar algo sem ter que terminar, e acabei fisgado pela armadilha vinda da premissa de “chuva apocalíptica” que é a última coisa que acontece nessa série, ou melhor, não acontece.
Na segunda temporada, a chuva nem era mais citada, nessa então, muito menos. Ela ficou no piloto apenas, e a premissa interessante vinda dela foi descartada para virar uma grande bobagem de tramas amorosas entre adolescentes que deu lugar a um universo distópico preguiçoso, onde um grupo de governamentais caricatos começa a caçá-los em busca do imune ao vírus que matou a todos: Rasmus, o insuportável irmão da protagonista. Corre pra lá, corre pra cá, os engravatados o pegam, e lógico, tentam convencê-lo de que o vírus é na verdade o salvador da humanidade – se salvar a humanidade for transformá-los em super-heróis como o Rasmus virou na última temporada, eles estão certos -, e ele cai no discursinho para assim termos o final épico (só que não) dos dois irmãos se enfrentando para ver quem não irá salvar a humanidade, porque ela nem existe mais.
Digo isso porque não existe nenhum personagem que surgiu em The Rain desde o início que se comporte como um autônomo sobrevivente do apocalipse, são sempre pessoas (jovens adolescentes) que de algum modo estão planejadas a terem uma função de importância crucial na preguiçosa trama distópica. Veja bem, Simone tinha todos os lugares do mundo para cair rio abaixo, mas ela consegue por protagonismo cair num grupo cujo jardim tem uma planta milagrosa que se alimenta do vírus, uma regra jamais mencionada anteriormente. O pior dessa trama não está nem nesse deus ex machina vagabundo, e sim no romance surgido entre ela e o outro personagem, em um episódio inteiro quase dedicado a isso, só para haver intriga com o outro namorado dela – convencido também sobre o vírus ser o salvador, adquire-o através de Rasmus -, o que também não acontece porque não existe conflito algum nessa série.
Até mesmo esse embate entre os irmãos não acontece, a virada de chave de Rasmus é construída a níveis patéticos de verossimilhança, porque ele não sofreu lavagem cerebral, ele não foi forçado ou genuinamente convencido de que era aquilo mesmo a resposta, pelo contrário, ele começa a morrer aos poucos e os transformados não têm controle sobre o vírus. Mas não adianta, nem a namoradinha inútil dele o convence que está fazendo besteira, não, ele faz carinha de bebê emburrado com um tremendo ego surgido de lugar algum em sua personalidade – se não vindo de uma simples birrinha adolescente – e busca fazer mais besteira e decide, porque sim, que precisa matar a irmã e o grupo, que só o ajudou até aquele momento, para completar seu objetivo. Nesse processo uma penca de personagens terciários morrem só por morrer, incluindo o namorado de Simone que toma a cura e morre, ou seja, a planta nem é uma cura mesmo, é só um artifício para o vírus deixar de existir no futuro, e aí já entrega quem vai sobrar no final, né?
Em algum lugar, existe a tentativa de pensar esses arcos como um grande e simbólico conflito ideológico entre fé e ciência, mas não existe nada em jogo, não existiu ao longo da série qualquer construção de mundo, contexto, personagens ou qualquer coisa que o torne relevante. Então, nos pormenores essa temporada – e o final – não tinha para onde correr mesmo, nem por isso precisava continuar com pompa de que estava construindo algo supercomplexo e sóbrio, mesmo a níveis de seu público-alvo. É profundamente irritante o virtuosismo técnico das filmagens contemplativas, mas vazias e sem direcionamentos para algum conteúdo, e ainda mais irritante quando tentam inseri-lo em diálogos filosóficos, científicos e existencialistas sem qualquer embasamento até mesmo para as regras que estabelecem – até porque de temporada a temporada, elas nem se conversam mesmo.
Não há regras de roteiro, nem de linguagem, os flashbacks, por exemplo, agora são usados aleatoriamente para propor um sentimento específico de um personagem momentaneamente que nem dá progressão nenhuma à narrativa, no máximo para alimentar outro romance esquecível (lembra dos personagens novos com apenas um intuito? Então, um deles é formar casalzinho, pelo menos aí a série consegue fechar cada um com o seu, tirando os que morrem). Entre uma temática, efeitos e até visual (o vírus preto parece a fumaça negra, não acha?) derivados com enorme preguiça de Lost, The Rain fecha no maior e mais piegas grau de otimismo da história da TV, em que “psicoRasmus” é absorvido inconscientemente pela planta boladona e colocado como o herói pela turminha de adolescentes que ia matar, mas nem pra um finalzinho minimamente corajoso (se todo mundo morresse eu juro que pegava mais leve) a série tem culhão, hein? Mas a pompa continua até o fim…
Enfim… Fica o enorme aviso de alguém que odeia “desrecomendar” algo de que se um dia a sinopse de The Rain lhe chamar a atenção, ignore. Não existe algo que simbolize melhor tudo o que existe de tóxico e repulsivo no método Netflix de encomendar séries via Sedex para preencher catálogo, disfarçando-se no traje de ser de outro país e com menos orçamento, mas decupada de qualquer jeito para ganhar público fácil e mastigadinho que vai divulgá-la como programa alternativo de qualidade. A única coisa boa dessa série é quando acaba (sim, vou fazer essa piada), e felizmente só durou três temporadas, “curtas”, mas que foram insuportavelmente torturantes. Nessa armadilha eu não caio mais, e você?
The Rain – 3ª Temporada (Idem – Dinamarca, 06 de agosto de 2020)
Criação: Jannik Tai Mosholt, Esben Toft Jacobsen, Christian Potalivo
Diretores: Josefine Kirkeskov, Kaspar Munk, Kasper Gaardsøe
Roteiristas: Julie Budtz Sørensen, Lasse Kyed Rasmussen, Christoffer Barfred Krustrup, Anna Bro
Elenco: Alba August, Lucas Lynggaard Tønnesen, Mikkel Boe Følsgaard, Lukas Løkken, Sonny Lindberg, Clara Rosager, Natalie Madueño, Evin Ahmad, Johannes Kuhnke, Sandra Guldberg Kampp, Johannes Kuhnke, Rex Leonard, Henrik Birch, Cecilia Loffredo
Duração: 271 min. (seis episódios)