O clássico romance David Copperfield, de Charles Dickens, já inspirou várias adaptações cinematográficas, e a mais recente é dirigida por Armando Iannucci, conhecido por suas sátiras políticas, como A Morte de Stalin e a premiada série Veep, da HBO. E por mais que Iannucci seja a escolha perfeita para representar o humor e os diálogos necessários para uma adaptação como essa, o projeto sofre em outros territórios.
The Personal History of David Copperfield segue fielmente a premissa e algumas batidas do romance original. Ambientada no século XIX, essa é a história do jovem David Copperfield, órfão de pai e vivendo na miséria, que tenta superar todos os obstáculos para conseguir a vida que acredita merecer. A primeira grande mudança nessa adaptação está na forma como os relatos mais realistas do material original são traduzidos para situações mais cômicas e teatrais no filme.
Iannucci faz um bom trabalho técnico por trás da câmera, criando uma atmosfera surreal através de algumas representações visuais bem construídas, como projeções de flashbacks dos personagens em uma parede ou transições diretas de um cenário para outro com o simples movimento de uma cortina. Por mais divertido e dinâmico que seja, essa decisão parece contribuir meramente para um senso estético ao invés de servir um propósito narrativo.
O longa tem um tom leve e facilmente cativante, e a decisão de elencar atores diversificando cor e etnia é um tremendo acerto, principalmente considerando o quão cativante está Dev Patel no papel principal, um que outro ator menos preparado poderia transformar em uma experiência insuportável, isso porque o protagonista precisa lidar com figuras cada vez mais excêntricas, então a inocência que Patel exibe em seu personagem é mais do que bem-vinda. Com um elenco carregado de nomes aclamados como Tilda Swinton e Hugh Laurie, o longa também lida com o risco de distrair demais o espectador, que já é constantemente alertado de uma metaficção por conta do humor auto-referencial.
Dando atenção ao tom agradável e as piadas inteligentes, cheias de duplo sentido e trocadilhos divertidos, o longa parece distraído demais para estruturar a narrativa de uma maneira mais orgânica. Mesmo com suas transições criativas, a montagem dinâmica compromete o enredo em diversas situações, deixando alguns pontos mais confusos do que o necessário.
Iannucci tenta condensar uma obra literária tão volumosa e rica em personagens e eventos em um filme de quase duas horas de duração, mas enquanto investe sua atenção na comédia e as situações mais absurdas da vida de Copperfield, a progressão da trama assume uma característica quase mecânica ao passar por momentos importantes de forma rápida e rasa, e por conta disso núcleos dramáticos como o romance entre o protagonista e sua futura esposa são quase irrelevantes para a narrativa geral, sem contar que a atriz Morfydd Clark parecia perdida em seu papel, tanto quanto o roteiro ao tentar construir os seus temas.
Trabalho mais emocional da carreira de Armando Iannucci, The Personal History of David Copperfield tem um ótimo elenco e é uma das adaptações mais enérgicas e dinâmicas de um clássico da literatura, que pode divertir e entreter com visuais impressionantes e diálogos envolventes, mas a determinação do filme em manter essa abordagem mais descontraída pode comprometer as tentativas em desenvolver cenas mais dramáticas e honestas ao longo do caminho.
The Personal History of David Copperfield — EUA, 2019
Direção: Armando Iannucci
Roteiro: Simon Blackwell, Armando Iannucci, Charles Dickens (autor da obra original)
Elenco: Dav Patel, Tilda Swinton, Peter Capaldi, Hugh Laurie, Ben Wishaw, Gwendoline Christie, Anthony Welsh, Morfydd Clark, Benedict Wong, Daisy May Cooper, Rosalind Eleazar
Duração: 119 min.