- Contém spoilers. Leiam, aqui, as nossas críticas dos outros episódios.
Eu estava errado sobre uma reclamação que fiz na crítica de Midnight Blue: o timing narrativo de um novo episódio sobre o núcleo dos Moclan. Como um leitor pontuou muito bem, a história sobre os Moclan deixando a União serve para estabelecer o tabuleiro do conflito contra os Kaylon, fazendo com que a coalizão de planetas lute contra os robôs sem a ajuda de um aliado militarmente poderoso. No entanto, a União não está tão indefesa como pensaríamos, uma vez que a Orville desenvolveu uma nova arma que desencadeia uma sobrecarga nas naves Kaylon, com o conselho da União usando-a como trunfo militar e político para forçar um tratado de paz com seus inimigos.
O “dispositivo”, como é chamado durante todo o episódio, poderia ser criticado pelo seu efeito barato de deus ex machina na história, certo? Talvez, mas é interessante como o roteiro de Brannon Braga e André Bormanis utiliza a arma como um macguffin para movimentar a trama espacial e servir como desculpa para a essência da história: consequências e dilemas morais e éticos sobre como usá-la. A arma em si não importa, mas entendo quem tenha algum tipo de reclamação por esse lado mal estabelecido do roteiro.
Protesto, porém, a velocidade da condução narrativa no ato inicial. Os eventos no começo do episódio são muito rápidos e súbitos, passando pelo uso da arma, a ida ao território Kaylon e a resolução com as negociações bem-sucedidas. Talvez seja uma reclamação meio infundada considerando que o tutano do episódio está na trama do segundo ato com a improvável aliança entre os Krill e os Moclan, mas senti que a sequência de eventos até o ponto antes do roubo do dispositivo ocorreram de maneira pouco orgânica em toda sua rapidez e movimentação. Assim como aconteceu umas duas vezes nesta terceira temporada, acredito que alguns desses episódios-filmes do seriado mereciam duas partes para a narrativa se desenrolar com mais paciência.
No entanto, da minha perspectiva, é difícil contestar demais os deslizes narrativos considerando o espetáculo e a emoção de Domino. No episódio passado, eu já havia citado que senti um pouquinho de Star Wars na produção, e, aqui, temos um exemplar completamente inspirado no Universo de George Lucas. Tudo começa pelo escopo da história, trazendo elementos galácticos e épicos em muitas sequências espaciais e cenas de invasão em grandes locações à la os rebeldes, acompanhado pela direção cinematográfica de Jon Cassar e uma trilha sonora orquestral de grande impacto – os efeitos visuais não são exatamente perfeitos, mas o departamento de CGI faz um ótimo trabalho em grande porção do episódio.
Em suma, temos uma história de space opera da melhor qualidade! Aliás, mesmo que The Orville sempre se inspire em grandes clássicos da ficção científica, é importante notar como as referências são partes de um universo muito próprio e que tem pavimentado seu legado no gênero. Como normalmente acontece na obra, temos um roteiro em torno de dilemas e perspectivas de uma grande situação (a arma e o genocídio), passando por opiniões extremistas (Krill e Moclan) até as essências filosóficas e humanistas da União, inclusive com uma traição interna que traz a ambiguidade da série à tona, com uma representação da União menos utópica que a Federação de Star Trek, e bem mais realista e até autocrítica sobre seu sistema falho (o discurso de Halsey sobre democracia, com tantos paralelos para nossa realidade).
Isso fica ainda mais evidente pelo grande sacrífico de Charly e o belíssimo discurso de Isaac. Quem acompanha minhas críticas sabe que não sou exatamente fã da personagem, já que ela foi criada para um único drama narrativo, mas seu ato tem mais significado do que qualquer ligação emocional com a personagem em si. Numa história cheia de ironias (Moclan trabalhando com os Krill; União se aliando aos Kaylon), o final também é ironicamente trágico e praticamente poético quando o ódio de um indivíduo é vencido pelo seu senso de dever e empatia, prezando pela vida e o sentimento coletivo acima de ideais próprios, especialmente pelo olhar otimista que nasce do sacrifício: reflexão, aliança e paz. É um desfecho de grande impacto emocional, principalmente quando nos emocionamos com as palavras de um robô sobre uma personagem pouco carismática.
Também é interessante notar como Domino, como o título indica, é um episódio que finaliza muitas tramas e serve como o catalisador das histórias que vimos na temporada, passando pelo golpe político de Teleya; a continuação do conflito com os Kaylon e sua trajetória para descobrir emoção/empatia; e, claro, a exclusão dos Moclan. Por mais que seja caracterizada como uma série episódica, Seth MacFarlane e seus roteiristas mostram a capacidade de The Orville para ligar episódios “soltos” com uma narrativa geral sequencial e um universo coeso e fascinante, nos dando um “desfecho” em grande escala e digno de óperas espaciais. Só fico com dúvida do que será o verdadeiro encerramento da temporada, mas tenho total confiança na produção.
The Orville – 3X09: Domino — EUA, 28 de julho de 2022
Direção: Jon Cassar
Roteiro: Brannon Braga, André Bormanis
Elenco: Seth MacFarlane, Adrianne Palicki, Penny Johnson Jerald, Scott Grimes, Peter Macon, J. Lee, Mark Jackson, Chad L. Coleman, Will Sasso, Mike Henry, Chris Johnson, Anne Winters
Duração: 78 min.