- Contém spoilers. Leiam, aqui, as nossas críticas dos outros episódios.
Alçando vôo com facilidade a partir dos ganchos sólidos deixados pela excelente primeira parte da história, Identity, Part 2 exemplifica perfeitamente uma produção que “não deixa a peteca cair” em uma ocasião do tipo. Uma das armadilhas evitadas aqui é emblemática do sucesso da abordagem direta da série. Em uma época em que a cultura pop mergulha com tudo na autorreferencialidade e, com isso, estabelece uma relação ambígua com seus clássicos, The Orville não hesita em se apresentar desde sempre como um tributo descarado. A partir daí, se liberta em parte das amarras da “máquina do hype”, ou seja, nada de sacrificar a narrativa em favor de fatores de choque.
Conforme qualquer espectador familiarizado com o gênero deve ter notado, a forma como Identity, Part 1 encadeou os fatos acabou deixando perspectivas bastante estreitas para a resolução do arco. Sem ao menos estarmos no finale da temporada, a frota Kaylon se dirigia ao planeta Terra decidida a iniciar um programa de extermínio de todas as formas de vida orgânicas. A bordo da Orville, nosso adorável C3-PO residente aparentemente cometia um ato irredimível de traição ao se alinhar com seus conterrâneos, com as recentes descobertas a respeito de seu lado mais “humano” postas em xeque pela sequência trágica de eventos.
Excetuando-se o total extermínio da vida orgânica na galáxia (e subsequente transformação da série em algo bastante diferente do que vimos até agora), o mais provável a acontecer seria uma reversão heróica dos eventos por parte de nossos protagonistas, situados justamente no olho do furacão. A família Finn e o traidor Isaac provavelmente teriam algum papel nesse desenrolar de eventos, e a redenção deste não deveria ser descartada, já que ele se manteve cuidadosamente distante das decisões mais violentas por parte de sua sociedade sintética.
Tudo isso se cumpriu na segunda parte, da forma como poderíamos imaginar. Tecnicamente poderia-se dizer que Identity, Part 2 foi um episódio “previsível”. O interessante é ver como a forma dessa realização é tão bem afinada que não decepciona em nenhum momento – a previsibilidade não sabota o desfecho da narrativa porque sua preocupação principal não parece ser a de surpreender o públcio. Os grandes twists da trama já ocorreram na parte anterior – nada que acontecesse aqui seria capaz de, tão cedo, competir com a tomada inesperada e violenta da Orville e a traição de Isaac. Ao invés de tentar entreter subvertendo expectativas, a narrativa se compromete em entregar muito bem aquilo que se poderia esperar, e nisso tem sucesso em se manter à altura de toda a expectativa criada.
Com isso, o suspense fica por conta das pequenas subtramas envolvendo nossa tripulação em suas tentativas sofridas de virar o jogo sobre os kaylons. Com as estrelas da produção tendendo momentaneamente mais para Wars do que para Trek, e novamente acertando a mão na exploração de seu elenco forte de personagens, o episódio traz uma série de pequenos eventos heroicos muito bem encadeados entre si. A trilha sonora chupinha inspirada e descaradamente John Williams para dar os contornos devidamente épicos às batalhas espaciais e às escapadas empolgantes como a de Grayson e Gordon a caminho do espaço Krill, ou a de nossos tripulantes rebeldes na tentativa de subjugar seus captores. Até mesmo Yaphit — quem diria! — deixa temporariamente de ser apenas um estranho alívio cômico em CG para roubar a cena com atos de heroísmo de deixar Flash Gordon no chinelo.
Desde as cenas iniciais mostrando o plano dos kaylons até o conflito explosivo em pleno espaço terrestre, os ares épicos da trama conseguem manter e expandir muito bem a tensão estabelecida na parte inicial. Os desfechos de personagem também funcionam muito bem: além da já citada missão heroica de Gordon e Grayson (que tem como efeito a divertidíssima participação de Gordon na batalha final a bordo de um caça krill), temos também a necessária e envolvente exploração de Claire (Penny Johnson Jerald) e Ty (Kai Wener), centro emotivo da trama.
A redenção de Isaac é construída de forma sutil: nenhum dos clichês de que este arco se vale pesam negativamente sobre ele, na medida em que sua caracterização continuada continua a convencer e tira de letra uma trama tão complicada quanto essa. Além do mais, o histórico da série até aqui nos dá motivos de sobra para confiar que os efeitos e ramificações dessa história poderão ser explorados em ritmo orgânico ao longo dos próximos episódios.
Entregando com maestria exatamente aquilo que precisava fazer para completar a excelente história iniciada na semana anterior, Identity, Part 2 curiosamente ilustra aquilo sobre o qual fala a Dra. Finn a Isaac na cena final. Clichês são clichês por um bom motivo – inclusive o “clichê de evitar clichês a todo custo”. E, com uma visão sólida de onde chegar, The Orville consegue se utilizar habilmente de vários dos clichês em seu arsenal de referências para entregar provavelmente sua melhor história até aqui.
The Orville – 2X08: Identity, Part 2 — EUA, 28 de fevereiro de 2019
Direção: Jon Cassar
Roteiro: Seth MacFarlane
Elenco: Seth MacFarlane, Adrianne Palicki, Penny Johnson Jerald, Scott Grimes, Peter Macon, J. Lee, Mark Jackson, Chad L. Coleman, Jessica Szohr, Victor Garber, Kai Wener
Duração: 44 min.