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Crítica | The Office (US) – 9ª Temporada

Com sinais ou sem sinais de declínio, The Office soube a hora certa de acabar.

por Davi Lima
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The Office

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“Você tem que terminar a série”. Foi o que o ator John Krasinski, que interpreta Jim Halpert, disse ao showrunner Greg Daniels sobre a 9ª Temporada. Isso é uma opinião estranha para para sitcoms e sucessos como The Office. Mas é essa compreensão de que a história do escritório precisava terminar antes que questões extra-criativas  atrapalhassem o final precioso. Considerando a complexidade cômica a que Greg Daniels se propôs  desde a 1ª Temporada, fazendo resets e refreshes ao longo do programa, improvisos com os roteiristas e maneiras absurdas de convencer que um escritório chato pode ser divertido, humanamente sincero e simpaticamente otimista; nada mais justo do que um final com um simples drama metalinguístico que questiona o grande propósito de documentar empregados numa empresa de venda de papéis.

No último ano de The Office não vemos  tanta importância dada à empresa Dunder Mifflin, à  linguagem crível de um falso documentário e nem a uma plena constância do material em situações cômicas estruturadas para o senso episódico. A narrativa, ao longo da última temporada, vai do frenesi de articular uma montagem entre as tramas dos personagens ao conflito do tempo da própria série, com a exposição do documentário para fora da linguagem visual. Esses dois pontos triangulam com o drama romântico de Pam e Jim, a base que sobrou do trio original que sustentava a série: host-câmera-romance. Há muito mais uma preocupação em encerrar arcos dos personagens, eliminar excessos e dizer ao público: “está acabando, isso é uma série, um show sobre esses personagens”.

A graça que a adaptação americana conseguiu em relação à  crítica versão britânica foi em  ser otimista, mesmo quando os erros, a vergonha alheia e o nonsense conflitavam com a realidade de situações sérias. O incômodo ao longo dos anos de The Office se tornou conforto, até certo ponto perdendo motivações e apontando declínios em sua estrutura envolvendo Michael Scott (Steve Carell), sonhador, fracassado e ao mesmo tempo querido. Então a mudança para o término da série foi tirar os olhos do público da direção de Jim – que sempre reagia mais seriamente aos eventos ridículos dos personagens ao seu redor -, e desenvolver o conforto da  perda e da diminuição entre os extremos dramáticos e cômicos que criavam o nonsense. A finalização nos incita a acreditar que os episódios dessa última temporada, quando acabavam com um ar mais repentino que os dos anos anteriores, acumulavam uma ausência de extraordinariedade. 

Por isso, o foco nos personagens, mais do que na 8ª Temporada, contempla o conjunto. O corpo de empregados no espaço do escritório parece se desvendar como um estúdio. Existem cenas que mostram os atores justapostos numa fotografia bem aberta, enquanto valoriza-se mais subtramas completas entre Jim e Pam (Jenna Fischer), Oscar (Oscar Nunez) e Angela (Angela Kinsey); Dwight (Rainn Wilson) com sua fazenda, Erin (Ellie Kemper) com “Blop” (Jake Lacy), entre outros. É preciso amar muito os personagens para que se assista a esse final de série sem Kelly (Mindy Kaling), sem Ryan (B. J. Novak), sem tantas piadas isoladas e com muito mais drama e mudanças vertiginosas. Dwight mais maduro, Jim finalmente tentando sair do trabalho que tanto reclamava, Darryl (Craig Robinson) ainda mais integrado à equipe, e até mesmo Creed (Creed Bratton) tendo mais tempo de tela. É como se não houvesse protagonista, em que nem Andy (Ed Helms) é mais considerado chefe, e Jim e Dwight tem mais foco, tanto pela temporada anterior quanto para se tornarem amigos de fato, na icônica cena do ônibus em Work Bus.

Esse episódio, por sinal, é fundamental para entender o dilema de Jim, que nos representa em relação à série acabar. A trama de Work Bus mata alguns dramas com uma cajadada só, nos lembrando que Erin é como é por ser uma mulher criada no orfanato e a relação de Andy com Nellie (Catherine Tate) acabar pelo drama real da britânica querer ser mãe, ou  Dwight assumir de fato o motorista da sua família do escritório. Tudo fica bem desenhado assim, com Dwight tendo a oportunidade nos episódios seguintes de ser um pilar que libera tensões dentro do trabalho, dele ajudando os personagens como Nellie e Angela, enquanto o falso documentário cresce no falatório dos personagens.

Numa entrevista que um dos roteiristas, diretores e personagens de The Office deu ao blog The Believer, Michael Schur, o que interpreta Mose, primo de Dwight, diz acreditar que o mockumentary (falso documentário) é o melhor ideal para perspectivas de narrativa e melhor maneira de contar histórias. Ele explica que as cenas de entrevistas, quando os personagens falam diretamente no confessionário diante da câmera, evitam os momentos chatos de uma comédia que precisam explicar contextos e as situações, que no falso documentário criam maior força por serem essencialmente visuais em comédia, e ainda terem mais risadas com os personagens explicando em outro contexto de sinceridade. Nessa última temporada de The Office, esses momentos de confessar têm outro significado. Quando se espera que a série vai acabar, o falso documentário se torna tema dentro do universo dos personagens de maneira mais direta.

A base para isso se desenvolver num drama, de encerrar arcos de personagens, todos unidos por entenderem que estão sendo vigiados, e agora confessando os medos e as alegrias de terem sido documentados todos esses anos é como se quebrasse a quarta parede da quarta parede. Meredith (Kate Flannery), Kevin (Brian Baumgartner) e os outros personagens se tornam atores reais no processo dessa temporada. Isso se torna meio dramático, meio cômico. Se torna real. É como se a ausência de Andy, durante a temporada, fizesse sua volta à série ainda com mais força, sem desculpas bem explicadas, mesmo que fosse a ideia de sua viagem para o Caribe e deixar Erin, mais uma vez. Do mesmo jeito, quando havia planos de um spin off engavetado de Dwight com sua fazenda Schrute no episódio The Farm dar-se ainda mais credibilidade à existência da fazenda e à sua família, pois, afinal, se questiona mais intensamente o material ficcional realista da série: por que quiseram gravar esses personagens em Scranton, nessa empresa de papel?

Muito dessa resposta transpassa pela mudança de rumo da comédia ao drama, já dito aqui no texto, só que dentro da produção da série. É perceptível que depois do episódio Dwight Christmas, delimitando o hiato entre 2012 e 2013, a comédia não era  o mais forte, e sim o drama. O conflito dentro do universo do escritório não deixava sair da realidade. O humor vinha pela personalidade dos personagens e pelas situações comuns que eles transformam em outro algo, como o café expresso que enlouquece ou quando Dwight quer contratar um vendedor junior por estar com raiva e tristeza de Jim estar se dedicando à outra “família” de trabalho, na Filadélfia, mas se torna um momento cômico pelos candidatos serem tão estranhos quanto Dwight. Mas em essência, tudo se encaixa no drama do personagem que antes representava o nosso olhar dentro do universo The Office. Ele não está mais no ambiente do escritório. Isso faz com que  a câmera seja a consoladora de Pam, ou melhor, faz com que um técnico de captação de som, Brian (Chris Diamantopoulos), quebre completamente a película que ainda nos separava, como espectador, da dimensão por trás das câmeras. 

É um verdadeiro conflito de linguagem, algo inesperado até mesmo para a comédia, quando Pam chora e alguém ativamente a consola, como se nós pudéssemos chegar mais perto, quando na primeira temporada eles pareciam tão próximos…O drama da série cresce de tal forma que até Kevin manda uma real para o Senador Lipton (Jack Coleman) em relação a usar Angela e Oscar, e não amá-los. Kevin fica até com ciúmes do filho de Ângela quando ela e Oscar parecem dois pais nada convencionais, quebrando o trio da contabilidade por darem atenção à criança. Isso é totalmente compreensível, dramático e cômico, porque de fato é a temporada que se pensa em todas as áreas do escritório unidas, desde o anexo até a secretária. 

Dessa maneira, a resposta vai sendo dada pela capacidade que um ambiente de trabalho chato, quando coloca-se um vendedor tão próximo de uma secretária ou uma “cristã” fundamentalista ao lado de um gay, ou um branco que fez faculdade tão próximo de um negro gordo do armazém, todos juntos, podem se tornar amigos afinal. Essa é uma ironia americana, principalmente pelos empregados liderados por Michael Scott, preconceituoso e reflexo das problemáticas sociais dos EUA que foram sendo modificadas  pelo conflito entre a realidade e a fantasia, algo que só um falso documentário poderia proporcionar  da forma mais incrível. 

A mudança de produção na série quanto a Jim e Pam se separarem se conecta à  pergunta “por que gravar esse escritório e por que John Krasinski queria que terminasse a série naquele ano?”. Pode-se desmistificar questões artísticas e dizer que a saída de Michael Scott fez a série perder a graça, e como havia de fato um declínio na organização dos roteiros e rumos dos personagens. 

Porém, quando se capta o fim “antes do fim”, quando havia uma preparação para a realidade dentro da ficção que queria ser parecida com o real, isso é nada mais nada menos que se entregar ao ordinário. O drama de Jim e Pam foi alterado para eles ficarem juntos, porque, assim como o público do evento da PBS para o documentário The Office, questionava-se Pam sobre o que ela faria para provar o amor dela por Jim  Será que a vida comum, além do escritório, não era a grande sacada que Pam entendeu com sua família? Ele escolher o escritório por ela e ela seguir um caminho conservador de esposa não parece ordinário demais, não sendo clichê? 

Ao fim, parece que todo mundo se aposenta das atuações, do senso de ficção, com Stanley (Leslie David Baker) de fato se aposentando, Kelly indo embora com Ryan nos últimos minutos da série, Michael com trocentos filhos aparecendo para casar Dwight, e Darryl quanto Toby (Paul Lieberstein) tornando-se agregados oficiais de uma comunhão de escritório, independente da breguice que se ache disso. O final de The Office era a hora certa de acabar e merece muito menos um revival que muitas séries por entender seu limite de não estragar sua própria premissa de tédio, ordinário e comum irem embora para confortar uma base cultural que tornou o mercado de trabalho em famílias pelo excesso de trabalho, não por gostarem de trabalhar. 

Por essa razão, eu choro toda vez que penso e assisto a esse final, pois é como um otimismo para uma realidade difícil, mas na real é a realidade de sempre, só com ângulos diferentes, uma pintura simples de uma secretária de escritório que conheceu seu esposo no trabalho, ficou amiga de um nerd yankee e um chefe machista. Com um currículo ínfimo, ela leva seu primeiro trabalho para casa, de uma carreira que nunca deslanchou, e sua história continua sendo uma história de superação, coragem e heroica, mesmo sendo completamente normal. Uma esposa, dois filhos, meio feliz, meio triste…Pam foi gravada por um documentário. Quem poderia imaginar?

The Office – 9ª Temporada (The Office, EUA, 2012 – 2013)
Criação: Greg Daniels, Ricky Gervais, Stephen Merchant.
Direção: Jeffrey Blitz, David Rogers, Charles McDougall, Matt Sohn, Troy Miller, John Krasinski, Brent Forrester, Claire Scanlon, Greg Daniels, Bryan Cranston, Rodman Flender, Kelly Cantley-Kashima, Lee Kirk, Jon Freaveu, Paul Lieberstein, Jennifer Celota, Jesse Peretz, Ken Kwapis
Roteiro: Paul Lieberstein, Warren Lieberstein, Halsted Sullivan, Robert Padnick, Carrie Kemper, Allison Silverman, Dan Greaney, Owen Ellickson, Greg Daniels, Jonathan Green, Gabe Miller, Brent Forrester, Dan Sterling, Graham Wagner, Niki Schwartz-Wright, Tim McAuliffe
Elenco: Rainn Wilson, John Krasinski, Jenna Fischer, Mindy Kaling, Leslie David Baker, Brian Baumgartner, Angela Kinsey, Kate Flannery, Phillys Smith, Creed Bratton, Oscar Nuñez, B.J. Novak, Craig Robinson, Paul Lieberstein, Melora Hardin, Ed Helms, Hugh Dane, Zach Woods, Andy Buckley, Ellie Kemper, Catherine Tate, David Koechner, Michael Schur, Julie Dove, Ameenah Kaplan, Mark Proksch, Jack Coleman, Sendhil Ramamurthy, Dakota Johnson, Georgia Engel, Brad Morris, Chris Bauer, Steve Carell, Jake Lacy, Clark Duke, Greg Daniels, Malcolm Barrett, Robert R. Shafer, Nancy Carell, James Urbaniak, Will McCormack, Lance Krall, Matt Jones, Chris Gethard, Beth Grant, Chris Diamantopoulos, Hidetoshi Imura, Eric Wareheim, Majandra Delfino, Tom Bower, Thomas Middleditch, Blake Garrett Rosenthal, Allan Havey, Nora Kirkpatrick, Brad William Henke
Duração: 23 minutos (em média) cada episódio, com apenas dois episódios com 40 minutos.

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